IPAM e o fogo: 30 anos de pioneirismo, pesquisa e monitoramento

28 de maio de 2025 | IPAM 30 anos, Notícias

maio 28, 2025 | IPAM 30 anos, Notícias

Os 30 anos de história do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) se misturam com a consolidação da pesquisa do fogo no Brasil. Nos primeiros anos da instituição, um pequeno grupo de cientistas revolucionou o entendimento geral sobre queimadas na Amazônia e criou formas mais precisas de mapeá-las.

“Quando começamos a olhar imagens de satélite, ainda no grupo que viria a fundar o IPAM, notamos manchas roxas em áreas de floresta que depois desapareciam. Eu comecei a mapear isso e comparar com os mapas de fazendas que tínhamos na época e pensamos que poderiam ser incêndios florestais. Mostrei isso pro Daniel Nepstad, que era meu orientador na época, visitamos essas áreas e concluímos que de fato era fogo”, conta Ane Alencar, hoje diretora de Ciência do IPAM, à época estagiária no Instituto. 

Mapear o fogo na Amazônia trouxe sua parcela de pioneirismo para o IPAM, já que o consenso científico na época afirmava que a umidade natural da floresta amazônica, conhecida por seus gigantescos rios e chuvas tropicais, seria o suficiente para evitar o fogo. A realidade encontrada pelos pesquisadores, no entanto, era outra: uma floresta cada vez mais fragmentada e ressecada pelo desmatamento passava a sofrer também com incêndios antrópicos. Portanto, mapear suas causas e consequências se tornava cada vez mais imprescindível. 

“Foi uma descoberta para a ecologia tropical porque se pensava que florestas tropicais são úmidas e por isso não queimam, mas elas estavam queimando. Isso foi em 94 e conseguimos mapear porque vínhamos de uma sequência de El Niños fortes e a floresta queimou muito. Podemos ver claramente a floresta ficando mais inflamável e queimando mais”, completa Alencar.

Em grande parte graças aos anos de pesquisa conduzidos pelo IPAM, sabe-se hoje que o fogo na Amazônia tem origens humanas. Está também ligado ao desmatamento , em que árvores são derrubadas, deixadas para secar e depois queimadas para dar lugar a pastagens ou cultivos agrícolas. 

O uso do fogo ocorre ainda  na expansão agropecuária, e para renovação de áreas de pasto. Fora da Amazônia, a prática também tem gerado queimadas de grandes proporções com indícios de práticas criminosas e coordenação entre infratores. Em agosto de 2024, uma análise do IPAM apontou que mais de 80% de todos os focos de calor que atingiram São Paulo naquele mês ocorreram em áreas aeroagrícolas e haviam sido iniciados em um intervalo de 90 minutos.

Além disso, grileiros iniciam incêndios como tática para ocupar ilegalmente terras públicas, agravando a degradação ambiental. A situação se torna ainda mais crítica com a abertura de estradas clandestinas e a fragilidade da fiscalização — aspectos estudados e documentados pelo IPAM ao longo dos anos.

Área queimada da floresta amazônica próxima de Manaus (Foto: Bibiana Garrido/IPAM).

Área queimada da floresta amazônica próxima de Manaus (Foto: Bibiana Garrido/IPAM).

O livro “Floresta em Chamas”, lançado em 1999, foi resultado de um estudo sobre o fogo e seus impactos na floresta amazônica, com apoio do Banco Mundial e PPG7, tornando-se um marco nos primeiros esforços do IPAM nessa área. Em conjunto com o Projeto Queimadas, a obra contribuiu diretamente para a criação de mecanismos e políticas públicas em instituições como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), revolucionando o monitoramento e o combate a incêndios no Brasil.

Pesquisa na Tanguro

A partir de 2004, o IPAM passou a contar com uma iniciativa pioneira no estudo do fogo: a Estação de Pesquisa Tanguro, situada em Querência, no Estado de Mato Grosso, em uma zona de transição entre o Cerrado e a Amazônia – ocupada pelo agronegócio. Há duas décadas, esse que é um dos mais duradouros laboratórios a céu aberto do mundo vem conduzindo pesquisas sobre a interação entre áreas produtivas e remanescentes de vegetação nativa. Um dos focos centrais é o estudo da recuperação de áreas queimadas na Amazônia, buscando compreender os processos de regeneração da floresta e os impactos da queima recorrente sobre a vegetação.

Condução de experimentos em área queimada na Estação de Pesquisa Tanguro (Carlo Eduardo Rodrigues / IPAM).

Em 2004, uma área de 150 hectares foi selecionada para estudo e passou por um levantamento florístico detalhado, com o objetivo de registrar a vegetação original, além da biodiversidade local. Também foi avaliada a quantidade de material combustível disponível, como folhas secas, galhos e outros elementos que favorecem a propagação do fogo.

A área foi então dividida em três parcelas de 50 hectares: uma permaneceu intacta, servindo como controle; a segunda foi submetida a queimas trienais (uma a cada três anos); e a terceira foi queimada anualmente, totalizando seis queimas.

Durante dez anos, todas as parcelas — inclusive a de controle — foram monitoradas com diferentes métodos a cada dois anos, permitindo uma comparação detalhada dos efeitos do fogo em distintas frequências.

As áreas do estudo, que ficou conhecido como “experimento do fogo”, contam com torres equipadas com sensores no solo e a 36 metros de altura, acima das copas das árvores, que monitoram continuamente o fluxo de carbono armazenado, o fluxo de água e a umidade relativa do ar na floresta. Os dados obtidos revelaram impactos na biodiversidade causados pelos distúrbios e eventos climáticos extremos.

Pesquisadores sobem as torres de monitoramento do estudo para aferir dados de emissão de CO2 (Mitch Korolev/Woodwell).

A fazenda onde o laboratório opera abriga uma rica fauna, com mais de 825 espécies de animais silvestres, incluindo espécies ameaçadas como o tatu-canastra, a anta e a onça-pintada. Também foram registradas 87 espécies de abelhas e um aumento na diversidade de formigas, evidenciando a complexidade e a sensibilidade do ecossistema local.

Com as queimas, no entanto, os pesquisadores observaram uma substituição de espécies — muitas com funções ecossistêmicas diferentes — além da perda da capacidade de polinização por alguns insetos e da dificuldade de sobrevivência de animais e microrganismos frente às alterações ambientais.

Amazônia em chamas 

Ao longo dos anos de estudo, o IPAM publicou uma série de 12 notas técnicas intitulada “Amazônia em Chamas”, com análises aprofundadas sobre a dinâmica do fogo na Amazônia, o perfil das áreas atingidas e as categorias fundiárias mais afetadas. A primeira edição, lançada em agosto de 2019, destacou o uso generalizado do fogo em áreas agrícolas e o processo por trás de incêndios de grande proporção na floresta.

As publicações se concentraram na produção e divulgação de dados científicos e análises para contribuir com o aprofundamento do debate sobre os incêndios e as queimadas no bioma. As notas técnicas também recomendam a criação de políticas inovadoras de prevenção e são fundamentais para impulsionar pesquisas dentro e fora do IPAM.

Em 2020, a série abordou a relação entre o fogo e a piora das doenças respiratórias durante a pandemia de Covid-19, evidenciando a vulnerabilidade de povos e comunidades tradicionais. Os dados gerados subsidiaram projetos específicos voltados a populações indígenas no contexto da pandemia. Já em 2021, os pesquisadores chamaram atenção para a relação entre a grilagem de terras públicas e o aumento das áreas queimadas, ampliando o debate sobre a demora na regularização e destinação de grandes extensões da floresta.

Capa da quarta Nota Técnica da série Amazônia em Chamas, ressaltando a interação entre a fumaça de queimadas e doenças respiratórias durante a pandemia de Covid-19 (Foto: Arquivo/IPAM).

Qualidade do Ar

Durante as suas três décadas de atuação, pesquisadores do IPAM destacaram a relação entre o fogo e a baixa qualidade do ar na floresta amazônica, que muitas vezes sofre com índices piores dos registrados em metrópoles. Ao longo dos anos, foram instalados 187 sensores de baixo custo em todos os Estados da Amazônia Legal como fruto de uma parceria do Instituto com universidades, secretarias de Meio Ambiente e outras organizações do terceiro setor.

Os dados produzidos a partir desses aparelhos ressaltam os efeitos da baixa da qualidade do ar no modo de vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia. Apesar de viverem em áreas conservadas, o ar poluído com a fumaça dos incêndios tem tido sérias consequências na saúde, no desenvolvimento infantil e na rotina desses grupos. 

Mapa de dados dos sensores de baixo custo registrados no dia 25 de Abril (Foto: Arquivo/IPAM)

Os dados coletados pelos aparelhos foram publicados pela Coalizão Respira Amazônia, da qual o IPAM faz parte, e apresentados a tomadores de decisão, pesquisadores e lideranças locais em evento realizado na UEA (Universidade do Estado do Amazonas). O relatório representa mais um passo na jornada do IPAM na pesquisa a respeito do fogo no Brasil e sua relação com outros fatores relevantes para a conservação e a segurança nacional, como a saúde, a geração de alimentos e o crime organizado.

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