Como o IPAM apostou no diálogo para fomentar economia de baixo carbono

28 de maio de 2025 | IPAM 30 anos, Notícias

maio 28, 2025 | IPAM 30 anos, Notícias

Sara Leal*

Em seus 30 anos, uma das principais marcas deixadas pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) foi e continua sendo o fomento ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono.

O primeiro passo foi a aproximação com a produção familiar. Identificou-se que, na Amazônia, agricultores, extrativistas e pescadores enfrentam desafios como baixa capacidade técnica; falta de acesso a crédito e tecnologia, devido a recursos limitados; e infraestrutura como estradas em más condições ou acesso apenas por rota fluvial.

O resultado é o estabelecimento de uma pecuária extensiva e agricultura de corte-e-queima que, além de aumentar a taxa de desmatamento, pouco contribui para a melhoria na qualidade de vida dos produtores familiares.

Para promover uma mudança no modelo de desenvolvimento rural, a partir de 2001 o Instituto começou a apoiar iniciativas na região da Transamazônica, no Pará. O foco era colaborar tecnicamente para a elaboração e a implementação de projetos para a redução do desmatamento na região, com adoção de alternativas produtivas sustentáveis e melhoria na qualidade socioambiental.

Paulo Moutinho, cofundador do IPAM, em curso de campo para alunos da UFPA (Universidade Federal do Pará), em 1998.

Paulo Moutinho, cofundador do IPAM, em curso de campo para alunos da UFPA (Universidade Federal do Pará), em 1998.

O PAS (Projeto Assentamentos Sustentáveis da Amazônia), realizado entre 2012 e 2017, foi reconhecido pelas Nações Unidas como uma das experiências mais transformadoras para a sustentabilidade no Brasil.

A iniciativa contribuiu para o aumento de 135% na renda bruta de 2 mil famílias do oeste do Pará. Ao mesmo tempo, protegeu 1,4 milhão de hectares de floresta, com a redução de 76% no desmatamento em assentamentos da região.

“Desenvolvemos um conjunto de ações que são essenciais para o desenvolvimento rural: desde a regularização ambiental, valorização de ativos florestais, melhoria de produção e produtividade em áreas já desmatadas, assistência técnica e extensão rural moderna e inovadora, até a comercialização e fortalecimento das organizações locais”, explica Lucimar Souza, diretora de Desenvolvimento Territorial do IPAM.

Técnico do IPAM visita plantação de cacau em propriedade beneficiada pelo PAS (Pedro Alcântara/M'bóia)

Técnico do IPAM visita plantação de cacau em propriedade beneficiada pelo PAS (Pedro Alcântara/M’bóia)

Expansão e tecnologia

Os aprendizados do PAS são replicados, ainda hoje, com a inclusão do bioma Cerrado. Atualmente, o Instituto desenvolve dez projetos voltados à produção familiar nas regiões do Pará, Acre, Maranhão e Mato Grosso, impactando a vida de mais de 1.100 famílias.

Ao longo dos anos e das experiências, foi possível estabelecer uma metodologia de assistência técnica que deu origem ao aplicativo ATER Paidegua. A ferramenta permite que as equipes técnicas ofereçam suporte contínuo, mesmo à distância, para driblar o desafio imposto pela infraestrutura.

Além de apoiar com ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural), implementação de SAFs (Sistemas Agroflorestais) e restauro (ambiental e produtivo), o IPAM contribui para a regularidade fundiária das propriedades e criação de políticas públicas voltadas a produtores familiares.

Interação com o agronegócio

A maior parte da vegetação nativa remanescente do Brasil está em propriedades privadas. Além de proporcionar as condições para que o planeta siga habitável, essa mesma vegetação é fundamental para a sustentabilidade da produção rural – consequentemente, a economia do país e segurança alimentar mundial.

A ficha de que era preciso dialogar com diferentes setores da sociedade, inclusive o agronegócio, caiu cedo para o Instituto. Em 2004, o IPAM fez uma parceria inédita com a Amaggi para montar a Estação de Pesquisa Tanguro, que ainda funciona dentro da propriedade da empresa.

O objetivo era entender a dinâmica entre produção agropecuária e recursos naturais. “Se hoje há dificuldade de ONG’s dialogarem com o agronegócio, imagine como era naquela época”, relembra André Guimarães, diretor executivo do IPAM.

A interação, além de possibilitar inúmeras pesquisas sobre o impacto das ações humanas no meio ambiente, resultou em uma compreensão mais clara do papel do agronegócio na conservação da natureza.

Localizada em Querência (MT), Estação de Pesquisa Tanguro possibilita estudos sobre interação entre vegetação nativa e plantação. (Mitch Korolevl/Woodwell)

Localizada em Querência (MT), Estação de Pesquisa Tanguro possibilita estudos sobre interação entre vegetação nativa e plantação. (Mitch Korolevl/Woodwell)

Valorar para conservar

Se a maior parte da vegetação nativa brasileira pode ser legalmente suprimida, por estar em propriedades privadas, o desafio era encontrar os argumentos para que produtores rurais optassem por manter os chamados “ativos florestais”.

Após décadas de conhecimento acumulado, o IPAM lançou o CONSERV em 2020. Em cinco anos, o projeto provou que é possível reduzir o desmatamento legal por meio de compensação financeira a médios e grandes produtores rurais que mantêm conservado o excedente de vegetação nativa.

A iniciativa chegou a 32 contratos firmados no Estado de Mato Grosso, no Pará e Maranhão, somando mais de 27 mil hectares de vegetação protegida que poderia ser legalmente suprimida.

Mesmo com o fim do financiamento, um grupo de produtores rurais de Sapezal, em Mato Grosso, montou um coletivo que pretende seguir mantendo as áreas conservadas. “Eles começaram a associar àquela vegetação não só um valor monetário, mas também a valores intangíveis como chuva e temperatura”, explica Guimarães.

Caminhão pipa comprado por produtor beneficiado pelo CONSERV com remuneração da iniciativa (Sara Leal/IPAM)

Caminhão pipa comprado por produtor beneficiado pelo CONSERV com remuneração da iniciativa (Sara Leal/IPAM)

O valor da conservação

A interação com o agronegócio possibilitou, ainda, a identificação de gargalos relacionado à produção rural no Brasil – entre eles, as mudanças climáticas. Além do aumento da temperatura, aproximadamente 90% da agricultura brasileira não é irrigada e depende do ciclo de chuvas.

Para entender a fundo os impactos do desmatamento na agricultura, em 2023 o IPAM criou o GALO (Global Assessment from Local Observations). A iniciativa pretende descobrir qual o custo da manutenção de florestas, do restauro produtivo, além da conexão destes fatores com a estabilidade da produção agrícola.

“A hipótese que formulamos é de que a vegetação nativa é um ativo para a produção, não um passivo ou um problema a ser removido para performar a agricultura”, diz Guimarães.

GALO foi lançado durante a COP28, em Dubai, em parceria com a empresa Bayer. (Sara Leal/IPAM)

GALO foi lançado durante a COP28, em Dubai, em parceria com a empresa Bayer. (Sara Leal/IPAM)

Ganho de escala

Em seus 30 anos, o IPAM identificou os desafios e, a partir deles, elaborou e testou soluções. Tudo para que seja possível seguir produzindo, cada vez mais e melhor, ao garantir os serviços ecossistêmicos prestados pela natureza.

Agora, o desafio é dar escala a iniciativas que provaram, na prática, que é possível produzir e conservar. “Nós estamos diante de uma mudança de paradigma. E essa mudança de paradigma pressupõe instituições de pesquisa independentes para idealizar as soluções e testá-las, mas também investimento público e privado”, comenta Guimarães.

Só na Amazônia e no Cerrado, por exemplo, há 20 milhões de hectares a serem recuperados de acordo com o exigido pelo Código Florestal. Se o valor aproximado para recuperação de cada hectare é de 3.000 dólares, para recuperar todo o montante seria preciso 60 bilhões de dólares.

“Se hoje o Brasil é uma potência agrícola, muito se deve aos trilhões investidos para chegar neste ponto. Por que, então, não continuar em outra rota, que tenha mais harmonia entre floresta e produção? O dinheiro existe, depende de vontade política e entendimento do mercado”, aponta o diretor executivo.

Como visão de futuro, o IPAM pretende mostrar não só quanto custa, mas como pagar por isso. E assim como o diálogo esteve presente nos primeiros passos da Instituição, o caminho segue sendo interagir com os diversos setores.

“O mercado de commodities, por exemplo, se beneficia da chuva que a Amazônia leva para o Cerrado e beneficia a vegetação. Portanto, queremos cada vez mais interagir com o setor para levar a mensagem de que conservar os biomas é um bom negócio”, finaliza Guimarães.

 

*Coordenadora de Comunicação do IPAM



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Saiba mais em brasil.un.org/pt-br/sdgs.

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