Anna Júlia Lopes*
A ausência de políticas públicas eficazes e de financiamento adequado tem limitado a implementação de estratégias de adaptação climática na Amazônia. Para a diretora de Pesquisa do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Patricia Pinho, essa barreira compromete a proteção da floresta e a segurança das comunidades que vivem na região.
Em policy brief publicado em abril deste ano, Pinho, em conjunto com outras pesquisadoras do IPAM, aponta que eventos climáticos extremos na Amazônia — como inundações intensas, secas prolongadas e queimadas — além de agravarem a vulnerabilidade das populações locais, também ameaçam a biodiversidade da região. Os impactos recaem sobre a infraestrutura, a economia e o cotidiano das pessoas. Conforme o documento, entre 1991 e 2023, os prejuízos econômicos chegaram a R$ 10,6 bilhões. Esses dados reforçam, segundo o estudo, a urgência de medidas de adaptação.
“A gente sabe que a situação das pessoas é de vulnerabilidade quanto ao acesso à água potável, energia, transporte e alimentação. A saúde também se torna muito desafiadora, por conta do ir e vir e da ausência de assistência médica em comunidades e municípios mais remotos. Isso é só um panorama para entender que, basicamente, os riscos e impactos climáticos têm aumentado substancialmente, enquanto as estratégias de adaptação continuam a desejar”, explica Pinho.
O IPAM vem ampliando a agenda de atuação nos temas de adaptação às mudanças climáticas, com foco nas populações da Amazônia. Os efeitos sentidos por povos indígenas, por exemplo, são monitorados em iniciativas como o SOMAI-ACI (Sistema de Observação e Monitoramento da Amazônia Indígena e aplicativo Alerta Clima Indígena, respectivamente) para subsidiar a gestão dos territórios e a produção de dados que serve de base para a criação e o fortalecimento de políticas públicas direcionadas.
Situação da agenda adaptativa na Amazônia
Na avaliação da pesquisadora, o Brasil deixa a desejar na linha de frente da elaboração de estratégias de adaptação que reduzam impactos e riscos climáticos — especialmente as de origem política ou ligadas à iniciativa privada, que poderiam colaborar com o financiamento de soluções. De acordo com o policy brief “Acelerando Estratégias de Adaptação Equitativa na Amazônia em Meio às Mudanças Climáticas”, apenas nove municípios brasileiros possuem leis voltadas à mitigação ou adaptação climática. No entanto, segundo Pinho, não há hoje políticas públicas que considerem de forma específica as questões da Amazônia diante das mudanças do clima.
O estudo do IPAM aponta como principal fator para a ausência de ações adaptativas a falta de prioridade política. Segundo o documento, as mudanças climáticas costumam ser deixadas em segundo plano no orçamento, atrás de outras pautas como saúde, segurança pública e economia. Além disso, destaca a escassez de recursos financeiros, a limitada capacidade técnica de muitos municípios e a ausência de dados confiáveis sobre vulnerabilidades e impactos locais. Conflitos de interesse e pressões econômicas também estão entre os obstáculos.
Pinho afirma que o foco por parte do poder público nas medidas de mitigação também é um problema. De acordo com a diretora, atualmente, os recursos públicos são gastos principalmente com as estratégias de recuperação dos desastres. Contudo, ela aponta que, em muitas situações, a depender da gravidade do impacto do evento climático, a recuperação não é fácil — nem mesmo ao longo do tempo. Por esse motivo, a pesquisadora defende uma agenda proativa de adaptação climática, que deve ser tratada como um “seguro”, para que, quando houver impactos, não haja perdas econômicas, sociais e de vidas humanas.
“As estratégias de adaptação têm um custo financeiro e para a mobilização das estruturas de governança e de monitoramento. Mas, quando se compara com o custo dos desastres e seus desdobramentos, vemos que o investimento em adaptação é muito baixo frente aos benefícios que pode gerar”, afirma a pesquisadora.
Nesse cenário, o IPAM tem contribuído ativamente para criar soluções de adaptação local. Uma das iniciativas recentes da organização foi a elaboração do Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima de Rio Branco, desenvolvido em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e com a iniciativa ICLEI (Governos Locais Pela Sustentabilidade para América do Sul). O plano reúne ações prioritárias para enfrentar os desafios climáticos no município e foi construído a partir do diálogo com diversos setores da sociedade. A experiência de Rio Branco exemplifica como a produção científica aliada à articulação institucional pode resultar em estratégias concretas para fortalecer a resiliência local, demonstrando o potencial das parcerias entre governos, centros de pesquisa e a sociedade civil na agenda adaptativa da Amazônia.
Apesar de já contar com esse plano estruturado, até 2023 a capital acreana ainda não havia implementado as medidas propostas. O município foi atingido por enchentes em 41 dos últimos 52 anos, com episódios de grau médio, grande ou extraordinário em quase metade desse período. Só em 2023, mais de 20 mil pessoas foram impactadas pelo transbordamento do Rio Acre e de igarapés, levando a prefeitura a decretar situação de emergência. O plano identifica essas enchentes como vulnerabilidades de alto risco e atribui parte do agravamento dos impactos à ocupação desordenada do solo, à negligência com o Plano Diretor e à ausência de infraestrutura urbana adaptada às novas condições climáticas. Para o IPAM, o caso de Rio Branco mostra que o planejamento, por si só, não é suficiente: é preciso transformar estratégias em ações concretas e contínuas, sob risco de repetição de tragédias anunciadas.
Além do apoio do IPAM no Acre, o Instituto também avança na discussão sobre mitigação e adaptação às mudanças climáticas em Manaus e em Belém.
Participação das populações na formulação das políticas
Cada impacto climático não tratado por meio da adaptação tende a se multiplicar em severidade e efeitos negativos. Pinho reforça que, ao contrário da mitigação, a agenda de adaptação deve ser implementada em nível local e com envolvimento direto das comunidades afetadas.
Graduada em Biologia pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), Pinho destaca que há amplo consenso científico sobre como o engajamento das populações tradicionais na elaboração de políticas climáticas torna as medidas mais efetivas. O conhecimento tradicional, seja ele ecológico ou culturalmente relevante para o ecossistema, favorece a eficácia, a abrangência e o monitoramento das estratégias de adaptação.
Com a participação local, diz ela, há maiores chances de as políticas serem mais abrangentes, além de terem o monitoramento e o aprendizado adaptativo facilitado, em caso de as ações adotadas não funcionarem, fazendo com que as estratégias precisem ser repensadas.
Principais soluções
Na visão institucional do IPAM sobre adaptação proteger os territórios naturais — especialmente os indígenas, ribeirinhos, extrativistas e de populações tradicionais — é a estratégia mais urgente. Essa proteção pode ser concretizada , segundo o policy brief, por meio da destinação adequada das Florestas Públicas Não Destinadas e do fortalecimento da autonomia das populações residentes, garantindo acesso a saúde, água potável, energia e infraestrutura básica, reduzindo a dependência da navegabilidade em períodos de seca.
Outro ponto levantado por Pinho é a criação de um sistema que contemple a sazonalidade dos rios amazônicos, considerada um dos principais componentes de risco da região. Ela destaca que a vida das populações amazônidas está profundamente conectada à dinâmica das águas — seja na pesca, na agricultura ou na mobilidade.
O IPAM produziu um documentário, lançado em 2024 durante o Proteja Talks em Manaus, sobre a seca do Rio Negro em 2023 e os impactos sofridos pela população. Além de relatos e entrevistas com moradores e populações tradicionais, o filme convida cientistas a explicar o evento extremo e as saídas para o equilíbrio climático. Assista ao trailer:
Um conjunto de medidas adaptativas consideradas “sem arrependimentos” pode ser adotado de forma imediata e trazer benefícios mesmo diante das incertezas climáticas, indica o estudo do IPAM divulgado em 2025. Entre essas soluções estão: 1) a descentralização da energia com foco em fontes renováveis, como a solar; 2) o fortalecimento da infraestrutura básica e dos serviços de saúde e educação em cidades pequenas; 3) a melhoria da governança dos recursos hídricos; e 4) o incentivo à bioeconomia sustentável, baseada na valorização da biodiversidade e dos saberes tradicionais.
As ações, além de reduzirem a vulnerabilidade das populações amazônicas, também contribuem para conservar os ecossistemas da floresta e evitar perdas socioeconômicas mais graves no futuro.
Além das medidas citadas, o IPAM também propõe estratégias adaptativas voltadas para diferentes setores e territórios da Amazônia. Entre elas estão o apoio à agricultura de baixo impacto, com sistemas integrados e restauração de pastagens degradadas; a gestão sustentável da pesca com tecnologias adaptadas ao clima; e a promoção da piscicultura de baixo impacto ambiental. O policy brief ainda defende o uso de soluções baseadas na natureza nas cidades, o fortalecimento dos sistemas de alerta precoce para eventos extremos e a ampliação de políticas públicas para proteção dos territórios indígenas e tradicionais, considerados essenciais para manter a floresta em pé e mitigar os impactos das mudanças climáticas.
*Jornalista do IPAM, anna.rodrigues@ipam.org.br