Simpósio reforça a importância dos produtores de cacau em SAFs no Pará

19 de junho de 2023 | Notícias

jun 19, 2023 | Notícias

A importância de aperfeiçoar a cadeia produtiva, promover a sustentabilidade nas áreas plantadas e valorizar os produtores de cacau pautaram as discussões do II Simpósio sobre Sistemas Agroflorestais com Cacaueiro, ocorrido entre 14 e 15 de junho, em Altamira (PA). Em seis painéis, foram discutidos temas como o papel dos sistemas agroflorestais na mitigação das mudanças climáticas para a cadeia cacaueira, a viabilidade econômica em sistemas agroflorestais, oportunidade de empreendedorismo, comercialização e acesso a mercados, tecnologias e inovações para ampliar a produtividade e recomendações de políticas públicas programa para o setor. 

O evento contou com a participação de 300 pessoas, entre pesquisadores, professores, estudantes, produtores rurais, cooperativas, agentes do poder público, consultores, técnicos agropecuários e profissionais da indústria. 

“É fundamental a gente fazer essa soma de esforço institucional, de conhecimento técnico, de ciência para promover uma cacauicultura em sistemas agroflorestais produtiva, que dê rentabilidade e que possa se orgulhar de dizer: essa cadeia é sustentável”, declarou Lucimar Souza, diretora adjunta de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). 

A diretora apresentou 26 propostas para fortalecer o setor, entre elas: implementar política de regulamentação fundiária, aumentar as operações de crédito, ampliar as pesquisas, fortalecer instituições de pesquisas, consolidar experiência de compensação ambiental, processo acesso a informações, rastreabilidade, fomentar a produção de cacau em SAFs para ampliar a oferta de produtos nos mercados, verticalizar a produção, fortalecer os pequenos negócios, estruturar as linhas de crédito, promover o turismo rural no território da Transamazônica, implementar um programa de restauro, assistência técnica rural voltada a SAFs, capacitação de produtores com trocas técnicas coletivas e criação de plataforma com casos de sucesso da cadeira da cacauicultura.  

Papel dos produtores 

Ampliar o incentivo aos produtores foi um ponto de consenso entre os debatedores. “O produtor precisa sobreviver. O produtor não consegue pensar no verde se está no vermelho. Os SAFs são importantes para a diversificação da produção, que gera mais riqueza para o produtor”, afirmou Lucimara Chiari, diretora-geral da Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira). “O Brasil é o que tem mais potencial de crescimento, sem derrubar uma árvore sequer. Pelo contrário, recuperando terras degradadas, plantando árvores. O cacau é ecofriendly, amigo da natureza”. 

“Precisamos agregar valor à produção e diminuir as taxas de desmatamento. Conquistar novos mercados com maior retorno econômico”, defendeu Maria Olatz, coordenadora do projeto da GIZ. 

O Secretário Adjunto de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado, Raul Protázio, chamou a atenção para o fato dos regimes de chuva já não serem mais os mesmos e apontou que “precisamos olhar para o agro do futuro. Essa agricultura dos próximos 50 anos precisa ser sustentável, precisa estar adaptada às mudanças climáticas para reduzir emissões”. 

“Temos o desafio de tirar essa grande população da invisibilidade econômica”, reforçou Walkymário Lemos, chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental. 

O secretário de Produção Familiar do Estado do Pará, Cássio Pereira, apontou que as “recomendações apresentadas durante o evento são todas pertinentes, mas chamou a atenção para a necessidade de uma articulação de todos os atores ligados a cadeia para o fornecimento de assistência técnica aos produtores e da necessidade de focar esforços na agregação de valor como produção”. 

Presente ao simpósio, o prefeito de Altamira, Claudomiro Gomes da Silva, afirmou que a agricultura ainda é olhada com menos importância e defendeu a mudança de cultura para identificar oportunidades que garantem valorização da agricultura, meio ambiente e turismo. “Nós já temos 2 mil agricultores atendidos, com assistência técnica rural, mostrando que através da tecnologia, ele não precisa avançar na floresta”, exemplificou. 

Estudo do IPAM 

O estado do Pará tem aproximadamente 5 milhões de hectares de passivo ambiental – áreas desmatadas ilegalmente e que devem ser recuperadas – em reserva legal e áreas de preservação permanente, segundo estudo preliminar apresentado pelo IPAM no evento. Do total, 97,3% são viáveis para a cultura do cacau em SAFs.  

“Em diferentes condições de viabilidade. Algumas vão precisar de mais assistência técnica, mais investimentos em tecnificação, mas, conforme a capacidade de investimento, seria possível implementar a cacauicultura em SAFs nesta região de passivo”, explica Graciela Froehlich, pesquisadora do IPAM. 

Caso 100% das áreas de passivos viáveis fossem recuperadas com sistemas agroflorestais, seriam necessários em torno de 2,8 bilhões de mudas do cacau e o potencial de geração de receita para o Estado seria de cerca de R$ 1,1 trilhão. 

Para que isso aconteça, é fundamental que haja interesse e adesão dos agricultores e agricultoras. Por isso, na fase atual da pesquisa, estão sendo entrevistados pequenos, médios e grandes produtores, além de assentados para conhecer seu interesse na recomposição de áreas com sistemas agroflorestais. 

No simpósio, o Instituto Arapyaú também apresentou estudos sobre a produção sustentável de cacau. O Ministério da Agricultura e Pecuário deu detalhes sobre o programa Carbono + Verde, que entre 13 cadeias produtivas, vai beneficiar produtores que aliam boas práticas com produção sustentável. 

Novos mercados 

O simpósio também foi um espaço para observação do mercado internacional. Bernardo Todeschini, adido agrícola do Brasil na União Europeia, informou que os europeus consomem o cacau brasileiro e que as portas estão abertas para o crescimento do consumo, desde que respeitados critérios como não ser produzido em área desmatada, estar de acordo com a lei brasileira e que tenha a diligência devida – investigação para garantir a oportunidade de negócio. “De tudo que a UE importa, 5,3% são cacau e derivados. Não é irrelevante. Conformidade pode proporcionar expansão do mercado”, ressaltou. 

Além disso, foram apresentadas estratégias da CEPOTX (Cooperativa Central de Produção Orgânica da Transamazônica e Xingu) e projeto de internacionalização de amêndoas de cacau, capitaneado pelo Procacau (Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Cacauicultura), do governo do Pará, que prevê, por exemplo, selo estadual do cacau e do Guia do chocolate da Amazônia. 

Anna Paula Lossi, presidente-executiva da AIPC (Associação da Indústria Processadoras de Cacau), afirmou que o Brasil atende todas as exigências do mercado internacional, mas precisa ter mecanismos para provar isso, entre elas, a sustentabilidade e a rastreabilidade, que serão licenças para operar. “Tem que se preparar para o mercado commodities para exportar no futuro”, afirmou, ressaltando que hoje 5º maior consumidor do mundo, o país tem enorme potencial de crescimento. “Enquanto a Alemanha tem consumo de 9 quilos por habitante por ano, no Brasil são 3 quilos por habitante, em média”. 

Experiências 

Não haveria produção agroflorestal na cadeia do cacau, não fosse o esforço dos produtores que usaram o simpósio para contar histórias e inspirar. Élido Trevisan, agricultor de Medicilância (PA) e um dos pioneiros da produção do produto na Transamazônica, é famoso por ter o melhor suco de cacau da região e contou a história do Sítio Lindo Dia, que hoje produz cacau em 50 hectares, mas que até dar resultado exigiu muita persistência. Hoje, conta, que os tempos são de melhores e mais fáceis. “A tecnologia nos ajuda a ter acesso a quem nos dá informações”, afirmou. 

Izete Souza, ou Dona Nena, é a criadora da Filhas do Combu, fábrica do cacau amazônico 100% orgânico produzido na paradisíaca Ilha do Combu. Ela conta que, até aprender, “queimou três liquidificadores”, mas depois teve a sorte de receber a visita do chef de cozinha Thiago Castanho, que passou a usar o produto e a despertar a curiosidade de outros profissionais também famosos. “De repente todo mundo chegava lá, queria conhecer, batia foto, divulgava na rede social e começamos a virar roteiro turístico”, definiu. 

Para Sarah Brogni, o cacau chega por acaso. O pai dela, cansado da vida nas estradas vende o caminhão e compra um sítio que, há 42 anos, é onde nasce o delicioso chocolate Ascurra. “Minha história com cacau nasce, não da necessidade, mas por amor”, confidencia, propondo um desafio. “Daqui há cinco anos quando se digitar chocolate na internet, quero que apareça o chocolate amazônico e da transamazônica.” 

A Fazenda Yrerê, na Bahia, também teve a história contada. Criada pela família de Gerson Marques, a propriedade leva o visitante a ter uma experiência com cacau. “Queremos que o turista saia deslumbrado, contando que viveu uma grande experiência”, citou. “Vendo, cheirando, comendo. É o turismo de afeto. Esses é um dos melhores produtos a se vender no mundo.”  

Mercado 

No Brasil há 93 mil produtores de cacau, com propriedades médias entre 5 e 10 hectares. Ao todo, são 620 mil hectares plantados que geram 200 mil empregos diretos e indiretos e uma receita anual de R$ 21,6 bilhões. Existem 20 indústrias chocolateiras no país e outras 30 cooperativas e centros de comercialização de cacau. Em média, são produzidos 300 quilos de cacau por hectare. “Já tivemos média de 700 quilos. Se atingirmos 450 quilos por hectare, teríamos R$ 1 bilhão de renda bruta no bolso do produtor”, calculou Guilherme Salata, porta-voz da CocoaAction Brasil.  

Diagnóstico no Pará 

Para conhecer a cadeia produtiva do cacau, o IPAM fez uma pesquisa com 430 produtores de seis cidades do Estado: Altamira, Brasil Novo, Medicilândia, Senador José Porfírio, Tucumã e Uruará. Segundo os dados preliminares, a atividade ainda é prioritariamente masculina: apenas 15% das produtoras são mulheres. A educação também preocupa, 6 em cada 10 produtores têm o primeiro grau incompleto – só 1% tem superior completo. Apenas 24% possuem efetivamente título de posse da terra, embora 86% tenham declarado possuir algum documento do lote, 75% dos lotes já passaram por algum parcelamento e 68% possuem CAR (Cadastro Ambiental Rural).  

Além disso, 64% não participam de organização social, 81% têm acesso a assistência técnica rural, um terço deles participou de algum treinamento sobre manejo de cacau, 61% têm mais de uma área de cacau, revelando não ser uma produção em área contínua, e 89% têm até 10 hectares – 51,7% são sistemas agroflorestais. Entre os entrevistados, 69,5% não tiveram acesso ao crédito e 68% produzem até 4 mil quilos por ano.  

O estudo ainda passará por refinamento dos dados, mas já projeta algumas recomendações: integrar as bases de dados oficiais, fazer regularização fundiária e ambiental. “Precisamos pensar regularização a partir de cadeias produtivas. A gente tem uma oportunidade de pensar num modelo baseado na cadeia produtiva do cacau”, defendeu Edivan Carvalho, coordenador do IPAM no Pará. 

Apoio 

A iniciativa contou com apoio da AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento), da GIZ (Cooperação Brasil-Alemanha para o desenvolvimento sustentável) e do Governo do Estado do Pará, através Sedap/Funcacau. O Simpósio foi uma realização do MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária); da CEPLAC; do governo do Pará, por meio da Sedap (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca) e da Semas (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade); do IPAM; da SBSAF (Sociedade Brasileira de Sistemas Agroflorestais); e da GIZ (Cooperação Brasil-Alemanha para o desenvolvimento sustentável) e ainda contou com o apoio de diversas organizações parceiras. 

Reveja o evento 

Acesse o Youtube do IPAM e confira a íntegra do simpósio:  

www.youtube.com/ipam_amazonia 



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Saiba mais em brasil.un.org/pt-br/sdgs.

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