Por Bibiana Alcântara Garrido*
Esta entrevista foi publicada originalmente na Um Grau e Meio, newsletter com análises exclusivas sobre clima, meio ambiente e sociobiodiversidade, produzida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
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Thelma Krug é pesquisadora titular aposentada do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), por oito anos vice-presidente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança no Clima).
Depois de concorrer à presidência do painel composto por 195 países, Thelma Krug encaminha tratativas finais para assumir o cargo de presidente do Conselho Diretivo do GCOS (Global Climate Observing System), dentro da Organização Meteorológica Mundial.
O tema da edição correspondente foi a onda de eventos climáticos extremos no primeiro semestre de 2023.
A série de eventos climáticos extremos no planeta em 2023 se compara a outro ano da nossa história recente?
Como, na verdade, eu estava mais envolvida com o IPCC, olhando resultados e conclusões contidas nos relatórios, não vou ter dados objetivos para responder particularmente a essa questão.
Faço lembrar o relatório do IPCC, principalmente do Grupo 1, que foca na parte física da mudança do clima. Esse relatório já apontava que as quatro últimas décadas foram, sucessivamente, mais quentes. Se essa tendência continuar a ser observada, como acredito que será, vamos ter esta década como uma das mais quentes.
O IPCC raramente olha para anos específicos, quem atende mais essa questão é a Organização Meteorológica Mundial, que faz essas comparações.
Mas já colocava como certo, porque o IPCC usa uma linguagem de calibração associada à avaliação que autores fazem de publicações e dados, o que leva a ter várias evidências, mostrando que é virtualmente certo que os extremos desde 1950 tornaram-se mais frequentes e intensos em quase todas as regiões do globo.
E tem uma questão importante devido à interferência humana. Sempre, ao longo da história, houve a variabilidade natural do clima, mas o que está se observando é que os eventos extremos ocorrendo estão acima do que seria esperado para algo natural.
Eventos extremos na última década, principalmente de calor, teriam sido extremamente improváveis se não houvesse a influência humana no sistema climático. Essa diferenciação é importante. Nós estamos vivendo eventos extremos que têm uma digital humana na sua frequência e intensidade.
Mais de 60 mil mortes foram registradas na Europa pelas ondas de calor em 2022. Quais os desafios de contabilizar as mortes por clima extremo no Brasil e onde estamos nesse caminho?
É claro que os europeus têm um risco muito maior a eventos de extremo calor, já que eles não contam com uma estrutura contra o calor, por exemplo, ar-condicionado e ventilador.
Nos países tropicais, a gente vai ter um problema maior com as populações mais vulneráveis que não têm acesso a estruturas para lidar com dias muito quentes. Eu vejo o seguinte: as pessoas que têm morbidades, ou seja, já têm uma tendência a ser menos resistentes a eventos de calor; pessoas que têm doenças cardiovasculares; seriam mais sensíveis, menos resilientes a extremos de calor.
Falo de extremos de calor porque para esses eventos o IPCC tem uma confiança muito maior de um aumento já observado, de intensidade e frequência, praticamente em todo o mundo.
O que não ocorre, por exemplo, com fortes precipitações, um campo em que a gente tem uma lacuna de estudos e dados que levariam a uma interpretação como no caso dos eventos de calor, incluindo ondas de calor.
Eu vejo assim muitas das mortes que poderiam ocorrer estariam associadas a pessoas que já têm morbidades, e que fariam com que esses eventos extremos aumentassem ou acelerassem acidentes vasculares cerebrais e outros dessa natureza.
Difícil dizer como isso vai ser contabilizado. Eu faço uma relação com a Covid-19. Muitos dos eventos da Covid, a pessoa pegava, morria, e depois ‘não, não morreu por causa da Covid, foi por conta de uma outra coisa’. Mas, na verdade, o que aconteceu foi que aquela pandemia provocou uma aceleração de outros eventos na saúde que aceleraram também as mortes.
Nós tivemos muitos eventos de mortes que não foram colocados como mortes pela Covid, e acredito que isso também vai ocorrer com as mortes decorrentes de eventos extremos, particularmente de calor. Faço a analogia porque vejo isso de forma muito clara.
Já quando a gente fala, por exemplo, de extremos de frio, a gente vê em São Paulo pessoas morrerem de frio, eu diria que é mais fácil associar essas mortes do aquelas decorrentes de extremos de calor. Pessoas em situação de rua passam por eventos de extremo frio, seriam e são extremamente vulneráveis, como também ao calor. Mas talvez haja maior resiliência ao calor.
Ainda falta uma tomada de consciência global sobre a emergência e necessidade de ação climática, ou hoje é uma questão de vontade política?
Com o que a gente tem já de conhecimento científico sobre a mudança do clima, apesar de muitas áreas, como da atribuição, termos ainda incertezas, nada seria impeditivo para que o governo tomasse ações. E não é de hoje.
Há tempos o IPCC vem indicando. A cada novo relatório, a confiança [das informações] vai aumentando, com dados mais robustos. Então, há muito tempo o IPCC já vinha indicando a necessidade, até urgente, de serem tomadas ações de mitigação ambiciosas. Até já se coloca a velocidade com que a gente deve iniciar essas ações, que vão custar muito dinheiro.
Para o 1,5°C estima-se que a gente teria gastos da ordem de trilhões, anualmente. Não é uma coisa elementar. Mas à medida que o aquecimento vai aumentando, o custo da inação é sempre maior.
Tanto o custo da inação que vai trazer riscos não só pela questão dos óbitos decorrentes de maiores e mais frequentes extremos, não só das pessoas ‒ e é difícil monetizar o valor da vida humana ‒ mas também da infraestrutura.
A gente já viu isso, inclusive nos países desenvolvidos, eventos extremos de uma ordem tão grande que houve perdas para restaurar e restabelecer a infraestrutura que existia. Eu não sei se essa contabilização está sendo feita nos países de forma a entender que as ações agora nos levariam a um custo econômico muito menor do que aquele que a gente vai ter na falta de ações concretas.
É claro que todos os países colocaram suas contribuições nacionalmente determinadas, todo mundo está querendo contribuir. A gente sabe que a mudança do clima tem que ser tratada coletivamente, mas é claro que a gente também entende que os países em desenvolvimento não foram os maiores culpados pela situação que a gente tem hoje na mudança do clima.
Seria natural isso estar contemplado no texto da convenção do clima, que os países desenvolvidos auxiliassem os países em desenvolvimento não só financeiramente, mas também com transferência de tecnologia, treinamento.
Muitos desses países em desenvolvimento, em suas contribuições nacionalmente determinadas, condicionaram a implementação de ações de mitigação e adaptação, que tem uma lacuna grande, a recursos vindos da cooperação internacional de governo. Dependendo da forma de atuação, partes do mercado poderiam também ser fonte de financiamento para países em desenvolvimento.
Como é coletivo, é difícil. Porque não pode ter, por exemplo, um país desenvolvido querendo ajudar um país em desenvolvimento e os outros não. Não acho que exista justiça climática dessa forma.
São questões de ética, muito profundas, que alguns países podem ter vontade política, mas isso não está dentro de uma forma coletiva entre aqueles que a gente espera sentar à mesa e colocar uma quantidade de recursos suficientes para ajudar os países em desenvolvimento de uma maneira generalizada.
Julho pode ter sido uma amostra da vida com 1,5°C a mais na temperatura média global. Como isso se diferencia do limite recomendado pelo IPCC?
O fato de exceder 1,5°C em um ano é totalmente diferente de ter, de forma sustentada, esse 1,5°C sendo mantido ao longo do tempo. É a diferença entre climatologia e meteorologia.
A parte do clima está falando de mudanças de tendência, olhando para observações de 20~30 anos. O que acontece com a mudança do clima é que as variabilidades anuais não ficam mais iguais em uma média, vão apresentando tendência de aumento.
O que está acontecendo agora é que, se excedeu 1,5°C, ano que vem pode não exceder. A partir de 2100 é a gente limitar esse aumento na temperatura média global a 1,5°C e permanecer, no futuro, de forma sustentada após 2100. É isso que se busca: uma forma sustentada de limitar o aquecimento a partir de determinado tempo.
Qual é o Brasil que nos aguarda em 2030, seguindo os parâmetros e compromissos atuais?
A gente sabe que no Brasil o maior gargalo está relacionado ao desmatamento, e não é só desmatamento da Amazônia. Houve uma redução do desmatamento na Amazônia, mas um aumento no Cerrado.
As condicionantes desse desmatamento são distintas, né? Na Amazônia, o desmatamento é ilegal, com a ocupação de terras públicas e grilagem, mineração ilegal, particularmente em terras indígenas.
Tem casos específicos para a Amazônia que diferem do desmatamento no Cerrado, também nos outros biomas brasileiros, mas eles não são tão intensos. De uma certa forma, a gente tem que ter o olhar completo.
O compromisso que o Brasil assumiu mais recentemente, de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, já é extremamente importante. E eu gosto de olhar para essa questão do desmatamento, não pelo lado de que ‘os outros países desmataram, então a gente pode desmatar’. Esse argumento, para mim, é muito frágil, não tem sustentação, pois os maiores afetados pelo desmatamento somos nós mesmos. São as populações que estão vivendo na Amazônia.
De certa forma, se colocou no relatório do IPCC de mitigação que o próprio desmatamento, através do deslocamento de bactérias de organismos desses locais que poderiam estar vindo para ocupar o lugar de populações, poderia criar uma nova pandemia. Não é descartável uma nova pandemia ao trazer esses organismos que não são de contexto humano para essa convivência.
Existem elementos fortíssimos, e a gente sabe porque já se explorou isso na ciência, afinal, a Amazônia é um dos biomas mais estudados do planeta, que indicam os danos do desmatamento ao ciclo biológico, à biodiversidade, os mais prejudicados seriam nós mesmos.
Nosso olhar tem que ser para nossa população. E através da resolução de um problema que é nosso, estaríamos exatamente ajudando a resolver a questão de maneira regional e global.
O Brasil tem, sim, condições, mas nos últimos anos, um governo que não tinha o menor conhecimento para entender a importância de olhar a Amazônia de uma maneira sustentável, porque sabemos que podemos fazer isso, não indicando formas sustentáveis da gente poder avançar, mas estimulando criminalidade, tornando os ilícitos lícitos, nos deixou numa situação agora extremamente preocupante.
Nós estamos numa situação muito diferente de 2004, quando o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) foi colocado e tínhamos uma alta taxa de desmatamento na Amazônia Legal. Os planos foram extremamente eficientes junto com outras ações, tomadas inclusive pelo setor privado. Moratórias que também tiveram um efeito interessante.
Quando você olha que o Brasil conseguiu fazer uma redução de mais de 80% num período de menos de 10 anos, se colocando como o país que conseguiu fazer a maior redução de desmatamento no mundo, a gente fala que é possível fazer isso de novo.
Só que fazer isso de novo, eu acho factível, mas eu acho que a situação agora é um pouco mais grave. A gente vai precisar de forma imediata de ações de controle e combate. Minha visão pessoal, é que dentro do PPCDAm esse é um dos quatro pilares que têm maior ação imediata. Outros, como o fomento a ações produtivas sustentáveis, por exemplo, levam tempo para criar.
Criar uma rede para fazer isso chegar ao mercado, como a gente conseguiu fazer com o açaí, não se faz do dia para a noite. A questão do zoneamento territorial, que a gente conseguiu melhorar muito ‒ com o CAR (Cadastro Ambiental Rural) a gente conseguiu avançar, mas ainda temos dificuldades a serem enfrentadas. Finalmente, outro pilar importante seria ter ações normativas, através de pagamento de serviços ambientais e taxação, por exemplo.
Eu vejo que se nós conseguirmos de fato chegar a esse desmatamento ilegal zero, e se conseguirmos ter uma visão para o Cerrado de forma semelhante, acredito, sim, que vamos ter 2030.
O maior vetor no Cerrado foi a expansão da soja, mas o Brasil já avançou tanto em aumentar a produtividade da soja sem crescer a área, em colocar um maior valor agregado à nossa soja. Temos vários aspectos que a gente pode explorar, trazendo um olhar que não seja só na Amazônia, mas também para esse bioma que tá do lado, é como uma continuidade.
A ciência no Brasil é extremamente avançada. Se nós tivermos governos com visão do que esses biomas tem, do que as florestas em pé tem, e que poderiam ser exploradas de uma maneira sustentável, eu acredito, também, que a gente pudesse ter uma estratégia de Estado.
Uma estratégia de Estado e não de governo, me preocupo muito com isso. O governo anterior foi um exemplo claro da dificuldade que nós temos nessa implementação. Um governo não pode fazer o que bem entender, colocando em risco as populações locais. Acho que isso, no mínimo, é algo que tem que ser criminalizado.
Ailton Krenak diz que a Terra sobreviverá sem a humanidade, propondo uma reflexão sobre o fato de que somos nós que dependemos do planeta, não o contrário. Como a senhora vê a interação humana com e na natureza em um futuro possível e equilibrado?
Eu concordo. A sobrevivência humana está sustentada por ecossistemas saudáveis, uma biodiversidade rica e inúmeros serviços que esses ecossistemas oferecem. É impossível a gente imaginar uma terra habitável com a degradação.
A gente pode estar tornando inabitáveis muitas partes do planeta, tornando a própria agricultura inviável. Já estamos vendo isso.
Para além da ação humana, os eventos climáticos extremos estão se somando e fragilizando a estrutura do funcionamento e da resiliência dos ecossistemas. Nós estamos numa situação complexa.
Se a gente eliminar a contribuição humana, já vamos reduzir um pouco [o impacto]. mantendo ecossistemas e florestas mais resilientes. Mas é o que a gente chama de eventos compostos: a digital humana associada aos extremos climáticos. Isso é colocado no IPCC. A Amazônia brasileira será mais afetada por queimadas no século 21, por queimadas e eventos compostos – que somam extremos de seca e de calor, por exemplo.
Talvez a gente ainda não tenha consciência da importância de ter uma biodiversidade rica, ecossistemas saudáveis. A natureza é extremamente vulnerável. E a contribuição da natureza para o bem-estar humano, para a sobrevivência, vai diminuindo e colocando em risco um desenvolvimento justo e sustentável, tanto agora quanto no futuro.
Se não houver um esforço de mitigação enorme nas áreas que devem ser feitas, nas emissões de combustíveis fósseis e da indústria, perderemos cada vez mais.
A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) já está fazendo estudos sobre culturas mais resilientes a temperaturas, se preparando para um futuro que a gente não sabe qual vai ser. Essa é uma dificuldade que a gente tem: para onde vamos? De qualquer forma, isso não deveria inibir ações para conservar ecossistemas e biodiversidade na sua totalidade.
A ecoansiedade se tornou tema e sentimento frequente, principalmente entre jovens. De outro lado, a juventude também é vista como a esperança de gerações anteriores para “salvar” o planeta. O que nos diz o princípio intergeracional do IPCC sobre a responsabilidade pelo problema climático e por buscar as soluções? Como esse e outros princípios podem nos guiar para uma ação mais justa no âmbito social, para além do científico?
Meu neto de 11 anos estava fazendo um mapa da Europa, com todas as cidades, e coloriu como ele via a situação daquele continente em 2050. Pintou tudo de vermelho. Para ele, não tinha futuro.
É interessante ver o que as mudanças climáticas e a percepção de inação estão trazendo para a cabeça das crianças, principalmente. Vejo que a geração futura vai ter uma consciência maior, as escolas já estão tratando do tema com materiais apropriados, mas não podemos esperar que essa geração cresça para sermos mais eficientes na implementação de medidas de mitigação. Não temos esse tempo.
Os jovens também estão mais conscientes, mas a voz deles não está sendo muito ouvida, assim como a voz da ciência não está sendo ouvida. É um problema seríssimo. Não falta ciência, nem conhecimento. Nós temos diferentes opções de futuro. O futuro que teremos, vai depender do que fizermos agora.
O IPCC fala muito de governança inclusiva, no sentido dos governos não serem os únicos responsáveis pelos futuros que nós vamos escolher. Trazendo empresas e a sociedade civil de uma maneira geral, é onde a gente vê a participação da juventude com essa premência de querer preservar o futuro sustentável.
Para o próximo ciclo, o IPCC colocou a discussão de como envolver melhor os jovens, por exemplo, com eventos anuais que permitam entender como a ciência está avançando e dando mais informações que eles possam colocar à mesa.
As trajetórias de futuro vão depender de mudanças dramáticas, ou seja, transformações, transições na energia, nos processos industriais, na agricultura, na parte de uso da terra, resíduos. Tem que ser muito mais eficiente, rápido e profundo. Isso vai custar dinheiro. Na minha visão, se as empresas não tomarem ação transformativa perderão competitividade.
Vejo que os jovens podem ter uma participação mais ativa, inclusive buscando governos locais, para trazer maior comunicação com a população, entendendo que também são parte da solução e do enfrentamento às mudanças climáticas.
Algo que gostaria de comentar?
O Brasil está de volta e eu também. Passei por um processo de candidatura à presidência do IPCC e, lamentavelmente, não consegui ter sucesso nessa empreitada.
Sem modéstia, tínhamos uma mulher qualificada, com 21 anos de experiência no painel, oito como vice-presidente. Com uma carreira não só de pesquisadora, mas que tem uma ponte entre a ciência e a implementação de políticas públicas, pelas três distintas vezes que estive em Brasília, tanto no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, quanto no Ministério do Meio Ambiente. Nos dez anos de negociações na convenção do clima.
Um leque de experiências múltiplas, que eu vejo como sendo importantes requisitos para ocupar a presidência do IPCC. Lamentavelmente acho que os critérios objetivos para uma pessoa assumir uma organização científica vão além.
Foi uma perda para o IPCC, no meu modo de entender, e foi, para mim, uma vitória para o Brasil. Saímos vitoriosos desse processo por ter um Brasil mostrando força, uma mudança de governo que agora coloca a mudança do clima e a ciência do clima num patamar bastante diferente daquele que nós tivemos num passado recente.
Isso foi mostrado pela presença significativa que tivemos em Nairobi, contando, inclusive, com a ministra Marina Silva.
O Brasil mostrou que tem a capacidade de ter pessoas qualificadas, me considero uma delas por toda a trajetória que tive por uma trajetória que tive ao longo de 72 anos de idade, e por ter sido representante de uma capacidade científica que o Brasil tem não só entre homens, mas entre mulheres. As mulheres têm sido muito atuantes no IPCC, na elaboração de relatórios de avaliação.
Acho que essa demonstração colocou outros candidatos até temerosos, isso foi dito explicitamente por alguns. Da forma como eu vi esse processo todo acontecer, eu viajei praticamente o mundo todo levando a minha campanha de canto a canto do planeta. Não faltou esforço. Agora, eu particularmente acho que os países em desenvolvimento têm uma enorme dificuldade de fazer o que o Brasil fez nessa campanha, para se tornar competitivo.
Os países desenvolvidos estavam fazendo campanhas muito ativas. Ou seja, para se tornar competitivo tem que fazer o mesmo. São 195 governos membros e como chegar nesses 195 governos para dizer o que você espera fazer no próximo ciclo, se eleito presidente? Entendendo que há limitações enormes, já que a autoridade do IPCC é o seu painel.
Você não muda se os países não quiserem mudar. Se eles quiserem continuar produzindo enciclopédias a cada 6~7 anos, você não muda isso.
Na minha opinião, não estamos entregando, enquanto IPCC, uma ciência no tempo necessário para dar aos governos subsídios para implementação de políticas públicas domésticas e elementos científicos para levar às negociações do clima. Não pode esperar seis anos, tem que ser rápido. A ciência está evoluindo de forma excepcional. Agora, eu teria capacidade de fazer isso se eleita? Não se os países não quisessem.
Vejo uma desvantagem competitiva de países em desenvolvimento, considerando todo o esforço que o governo brasileiro fez, e nem assim, com todos os países reconhecendo, a gente não conseguiu. Tem que mudar isso, caso contrário a gente não vai conseguir países em desenvolvimento ocupando posições na forma que esse processo eleitoral vem avançando. Isso me preocupou muito.
Não ter sido eleita não foi uma questão pessoal, pelo contrário, saí muito fortalecida pelo fato de ter trazido à tona como a participação dos países em desenvolvimento tem sido feita nos relatórios do IPCC, e também na forma que poderíamos avançar a trazer maior estímulo para produção de ciência nesses países, principalmente os que vem produzindo pouco; além de estímulo à participação de autores, de maneira mais representativa regionalmente.
Gostaria de deixar clara a liderança que o Brasil tomou, com o presidente Lula pessoalmente apoiando minha candidatura. Creio que saímos todos fortalecidos. Agora me sinto livre, com conforto para atuar de forma diferente, porque enquanto vice-presidente, ou presidente do IPCC, continuaria tendo limitações, não poderia expressar pontos que coloquei, inclusive, nesta entrevista.
*Jornalista de ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br