O que é grilagem de terras e como combater esse crime na Amazônia

7 de março de 2024 | Amazoniar (PT), Notícias

mar 7, 2024 | Amazoniar (PT), Notícias

A grilagem de terras é o apossamento de terras mediante falsos títulos de propriedade. Esse é um crime antigo e que ameaça a sociobiodiversidade dos biomas brasileiros, incluindo a Amazônia. Na região, metade do desmatamento entre 2019 e 2021 ocorreu em terras públicas por meio da grilagem.

Como uma instituição de pesquisa que busca soluções para a conservação da Amazônia, o IPAM tem propostas para combater essas fraudes. Elas estão na cartilha recém-lançada pela iniciativa Amazoniar “Por uma Amazônia livre de grilagem”, disponível online e de forma gratuita.

 

Clique aqui para ler a cartilha “Por uma Amazônia livre de grilagem”

 

Saiba a origem da grilagem, como ela mudou a roupagem nos tempos modernos e propostas para combatê-la.

 

De onde vem a grilagem?

Sua origem remonta aos tempos do Brasil Império (1822-1889), quando pessoas colocavam um documento falso de propriedade dentro de uma caixa com grilos para dar ao papel um aspecto antigo.

Os insetos roíam as bordas das folhas e suas fezes lhes davam uma cor amarelada. Uma vez “envelhecido” pelos grilos, o documento dava a impressão de verdadeiro, o que facilitava o seu reconhecimento. Assim, ficava permitida a ocupação ilegítima e ilegal de determinada área.

Os grilos deixaram de ser usados nos dias atuais para dar lugar ao uso fraudulento do SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural). Grileiros se utilizam indevidamente do CAR (Cadastro Ambiental Rural), um documento autodeclaratório, para tentar validar uma terra pública como propriedade privada.

O CAR, no entanto, não é um instrumento fundiário e sim uma conquista do Código Florestal para monitoramento da conservação ambiental no país. Na cartilha “Por uma Amazônia livre de grilagem”, você confere o caminho ilegal traçado pelos fraudadores para realizar a grilagem.

 

Qual é o impacto da grilagem

A grilagem ameaça a sociobiodiversidade da Amazônia e contribui significativamente tanto para a crise climática quanto para a perda da resiliência da floresta que pode levar ao chamado ponto de inflexão.

Além disso, esse crime contribui com o aumento de insegurança alimentar e causa prejuízos para a produção agrícola, aumentando a frequência e intensidade de incêndios e queimadas na região.

 

Confira o primeiro episódio da série do projeto Amazoniar sobre grilagem.

Quais estratégias podem ser tomadas para acabar com a grilagem

Para combater esse tipo de crime, é fundamental que haja ações coordenadas entre setor público, privado e sociedade civil, e não é preciso estar no território para contribuir. Confira abaixo algumas propostas do IPAM para eliminar fraudes, principalmente em terras públicas.

1. Cancelar e prevenir a criação de registros irregulares de imóveis rurais em sobreposição às áreas de florestas públicas não destinadas

Ferramenta essencial para a regularização ambiental no Brasil, o CAR (Cadastro Ambiental Rural) vem sendo indevidamente usado por grileiros. O banimento de cadastros fraudulentos da base de dados do SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) é a maneira mais imediata de combater a grilagem.

Estudo do Amazônia 2030 indica que mais de 100 mil imóveis rurais registrados no sistema nacional estão sobrepostos às áreas de florestas públicas não destinadas na Amazônia. Na prática, uma área quase do tamanho do Uruguai poderia ser protegida da grilagem na região com o cancelamento desses cadastros.

2. Definir um uso para todas as florestas públicas ainda não destinadas

A Amazônia brasileira tem 56,5 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, área equivalente ao tamanho da Espanha. Para uma redução definitiva da grilagem, é fundamental que os governos estaduais e federal retomem rapidamente os processos de destinação dessas florestas públicas.

Isso significa designar essas áreas, de acordo com suas características, em categorias que permitam sua conservação ou uso sustentável, tal como dita a Lei de Gestão de Florestas Públicas. São exemplos de destinação as unidades de conservação e as terras indígenas, que juntas estocam cerca de 56% do carbono da Amazônia brasileira.

3. Fortalecer a fiscalização e a punição aos grileiros

O aumento nos índices de desmatamento ilegal na Amazônia está, em grande medida, atrelado à fragilização dos órgãos de comando e controle ambiental entre 2018 e 2022. Reforçar a fiscalização e punir quem comete e financia crimes ambientais é fundamental para combater a grilagem e reduzir o desmatamento ilegal imediatamente.

O PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia) comprova a eficácia de uma forte política de fiscalização ambiental. Entre 2004, quando foi implementado, e 2012, o Brasil conseguiu reduzir em 83% o desmatamento na Amazônia. Interrompido em 2018, o PPCDAm voltou a ser implementado apenas em 2023. Desde então, os resultados do Plano vêm se traduzindo numa rápida redução dos índices de desmatamento na região.

4. Promover cooperação entre setores para apoiar ações do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos contra a grilagem

Institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil vêm apoiando ações do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos no controle de danos socioambientais no país. Entre os exemplos de cooperação mencionados na cartilha está a parceria entre o IPAM e o MPF (Ministério Público Federal), que busca o cálculo da quantidade de carbono emitido devido ao desmatamento ilegal da Amazônia para a reparação de danos climáticos. Uma ação civil pública que estimou a emissão de 1,5 milhão de toneladas de carbono em decorrência de desmatamento ilícito projetou uma compensação 181,3% maior do que seria o valor exigido por danos ambientais locais.

5. Criar uma força tarefa nos Estados amazônicos contra a grilagem

O combate à grilagem poderia ganhar força com uma maior cooperação entre os governos estaduais amazônicos. Uma ação eficaz contra esse crime pode ser a criação de um grupo de trabalho especializado na região, no âmbito do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. Formado pelos nove Estados amazônicos, o Consórcio da Amazônia Legal tem como missão “acelerar o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira de forma integrada e cooperativa, considerando as oportunidades e os desafios regionais”.

6. Colocar em prática e melhorar mecanismos de rastreabilidade

Mecanismos de rastreabilidade para, literalmente, “rastrear” e identificar a ligação de produtos com o desmatamento (legal ou ilegal) são uma das grandes demandas do mercado internacional. Dois elementos fundamentais para combater a grilagem e o desmatamento na Amazônia são, portanto, a implementação, colocando em prática medidas já existentes, e o melhoramento contínuo dessas ferramentas. Assim, seria possível acabar com o incentivo à grilagem por parte de mercados e investidores e eliminar o crime das etapas de produção de mercadorias como commodities agrícolas e da pecuária – soja, milho e carne, por exemplo.

7. Apoiar iniciativas populares para o combate à grilagem

A cartilha destaca várias iniciativas de organizações não governamentais e da sociedade civil que atuam na justiça climática para a conservação da Amazônia. Entre elas está o PLIP (Projeto de Lei de Iniciativa Popular) Amazônia de Pé, que conta com o apoio do IPAM. Qualquer cidadão brasileiro pode contribuir assinando o PLIP em postos de coleta presencialmente. No site da iniciativa, é possível encontrar os endereços de todos os postos, ou propor a instalação de um novo ponto de coleta de assinaturas na sua cidade. Para que possa ser apresentado pelo povo brasileiro ao Congresso Nacional, é preciso que 1% do eleitorado apoie o projeto – isso dá mais ou menos 1,5 milhão de pessoas.



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Saiba mais em brasil.un.org/pt-br/sdgs.

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