Por Sara Leal*
Representantes de quatros povos indígenas participaram de uma formação para brigadistas na cidade de Tocantínia, no Tocantins, entre os dias 12 e 15 de dezembro. O curso é organizado pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), junto ao Woodwell Climate Research Center, e à COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
A proposta de conteúdo foi apresentar bases de dados geoespaciais que facilitem a elaboração de mapas para serem usados nas diferentes terras indígenas – considerando aproximações com conhecimentos ancestrais associados ao fogo e a seus usos tradicionais. O encontro foi uma continuação de uma primeira formação realizada no final de março, em Brasília.
Participaram 10 brigadistas indígenas, dos estados do Tocantins, Mato Grosso e Roraima, dos povos Bororo, Xerente, Wapichana e Karajá-Xambioá. “O objetivo do curso é fortalecer a autonomia dos brigadistas indígenas na elaboração de mapas. Apresentamos o Qgis, um software gratuito, para que os brigadistas tenham mais ferramentas de geoprocessamento e sensoriamento remoto à mão. Com isso, as informações dos satélites podem auxiliar no dia a dia do combate ao fogo”, explica Ray Pinheiro, pesquisador no IPAM.
A iniciativa também envolveu duas atividades na TI (Terra Indígena) Xerente: um diálogo com os anciões e jovens da aldeia para troca de conhecimentos sobre o fogo e seu manejo; e coleta de dados pelo ACI (Alerta Clima Indígena), aplicativo desenvolvido pelo IPAM com o apoio dos parceiros, como COIAB, CIR (Conselho Indígena de Roraima), Cocalitia (Comissão dos Caciques e de Lideranças Indígenas da Terra Indígena Arariboia) e Instituto Raoni. A ferramenta possibilita a criação de alertas para proteger as TIs contra possíveis ameaças e mapear informações sobre seus usos tradicionais, facilitando a autogestão do território.
Sabedoria ancestral e tecnologia
Segundo Pedro Paulo, presidente da associação dos brigadistas Xerente, os indígenas já possuem conhecimento tradicional com relação ao uso do fogo, mas precisam de novas ferramentas para conciliar com a sabedoria ancestral. “É necessário que nós povos indígenas que sempre protegemos e cuidamos de nossos territórios, sejamos valorizados e tenhamos condições para combater os incêndios. Não basta apontar soluções de longe, mas sim ir até o território, conhecer a região de perto e ouvir as pessoas que ali vivem, como nesta oportunidade criada com o curso”.
Um sensor de qualidade do ar foi instalado na TI Xerente como parte do projeto “Da reação à preparação: Utilização de dados para combater as queimadas, aumentar a conscientização e promover a resiliência climática nas TIs e UCs da Pan-Amazônia”. O monitoramento em tempo real está disponível no site da PurpleAir.
Romário Srowasde, da TI Xerente, ressaltou a importância de aliar a tecnologia com os conhecimentos tradicionais indígenas. “As duas sabedorias se complementam. As estratégias que nós, povos indígenas utilizamos, tem por base o equilíbrio e respeito à natureza. Por isso, é fundamental buscarmos aprender com os anciões”, explicou.
Welder Karajá, membro da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) ressaltou que “o curso proporciona ferramentas que, aliadas ao nosso conhecimento, auxiliam a proteger nossos territórios. Com elas, podemos mapear áreas queimadas e fazer planos de manejo”.
Manejo do fogo para redução de impactos
O pesquisador do IPAM Filipe de Arruda participou da conversa com jovens e anciões da aldeia Funil, localizada na TI Xerente, falando sobre o MIF (Manejo Integrado do Fogo). Segundo ele, a prática visa relacionar o conhecimento das comunidades tradicionais com os conhecimentos científicos e novas tecnologias.
“O intuito é aliar o conhecimento teórico que temos com o conhecimento prático das brigadas. É também uma oportunidade importante para desmitificar o manejo do fogo, que tem como principal objetivo evitar grandes queimadas durante períodos mais quentes. Sem ele, as queimadas poderiam atingir maiores extensões”, ressaltou.
Segundo Manuela Machado, pesquisadora do Woodwell, a troca de experiências e ferramentas é fundamental para que os debates e negociações em torno do tema sejam nivelados. “Eles [indígenas] têm um conhecimento milenar muito rico sobre o fogo o que lhes dá domínio da técnica de manejo tradicional. Porém, em um mundo acelerado como o nosso, é importante conectar os tomadores de decisões com a realidade das comunidades indígenas, pois o que é definido nas cidades tem impacto direto na vida nas aldeias”, completou.
Acesse a cartilha completa do curso.
Faça o download do manual de uso do ACI.
*Jornalista no IPAM, sara.pereira@ipam.org.br