Por Bibiana Alcântara Garrido*
Em artigo publicado na revista científica Nature Ecology & Evolution nesta terça-feira (16), pesquisadores do Brasil e do exterior alertam que os incêndios se tornaram o principal fator de degradação da Amazônia brasileira, passando a ameaçar ganhos ambientais na proteção do bioma, como a efetividade do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal).
O grupo de cientistas recomenda esforços “urgentes e coordenados” para eliminar os riscos do fogo descontrolado, incluindo a cooperação e apoio internacional em pesquisa e governança.
“Primeiro, é preciso entender o que levou ao aumento do fogo. Com mais dados em mãos, as políticas podem ter maior efetividade. Uma das hipóteses que consideramos para explicar a alta nos incêndios é a ocorrência de uma queima antecipada, aproveitando o início da estação seca amazônica, para evitar sanções mais severas no final do ano, quando teremos que lidar com os efeitos fortes e esperados do El Niño”, explica Paulo Moutinho, cientista sênior no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e um dos autores do artigo.
Apesar da queda de 42% registrada no desmatamento da Amazônia brasileira no primeiro semestre de 2023, na comparação com o mesmo período do ano passado, o fogo continuou subindo. De janeiro a julho deste ano, os focos de incêndio no bioma tiveram alta de 10,76% em relação a 2022.
Pela primeira vez, indicam os pesquisadores, o fogo parece se desassociar do desmatamento na região. Atividades que costumavam aparecer uma depois da outra nos indicadores, agora seguem rumo inverso.
“O fato de o fogo ter se dissociado do desmatamento neste ano ocorre por conta da situação de seca severa que temos enfrentado, devido aos efeitos do El Niño [aquecimento das águas do Pacífico Equatorial] e do AMO [aquecimento das águas do Atlântico Tropical]. A floresta fica mais inflamável com a seca fora do normal, e se tivéssemos as mesmas altas taxas de desmatamento do ano passado, os incêndios em 2023 seriam ainda mais insuportáveis”, comenta Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM, também autora do texto.
Só 19% dos focos detectados pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), nos primeiros seis meses de 2023, estavam relacionados a desmatamentos recentes – uma queda, cita a publicação, comparada aos 39% registrados em 2022.
Além da ação humana, o contexto climático oferece condições para o aumento do fogo: um El Niño ativo, com efeitos de mais calor e mais seca, em retroalimentação com as mudanças climáticas, que têm como consequência a alteração de padrões e ciclos naturais, como o da chuva.
“O futuro da Amazônia sob as mudanças climáticas – mesmo se o desmatamento ilegal for zero – permanece pouco claro com as ameaças da emergência no clima, da seca e do fogo”, dizem os pesquisadores em um trecho. “As consequências da inação sobre o fogo na Amazônia e a desatenção aos tipos e causas do fogo são severas e devem ser evitadas”, ressaltam em outro.
Junto à articulação internacional, os autores indicam o comprometimento de países amazônicos para os avanços considerados necessários na gestão “equitativa e segura” contra os incêndios. Também sinalizam que a perda de vegetação nativa deve ser reduzida de maneira concomitante, bem como a transição de uma economia baseada em commodities agrícolas para uma bioeconomia sustentável.
*Jornalista de ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br