Por Sara R. Leal¹
O agronegócio brasileiro é uma das bases da riqueza produzida pelo país. A atividade responde hoje por mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e emprega mais de 17 milhões de pessoas em sua cadeia, atravessando crises econômicas nacionais e internacionais sem perder tal posição. Em 2020, mesmo com a pandemia, o setor apresentou um aumento de 4,1% de suas exportações na comparação com 2019, segundo dados do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
O setor é extremamente competitivo nos mercados estrangeiros. Somente em 2020, o agronegócio obteve um saldo positivo de U$ 87,7 bilhões no comércio internacional. Atualmente, o Brasil é o terceiro maior exportador de alimentos do mundo.
Segundo projeções da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a demanda mundial por alimentos deve aumentar quase 50% nos próximos dois anos. O país tem plenas condições de suprir parte dessa conta com investimentos no campo, de forma a aumentar ainda mais sua produtividade e, ao mesmo tempo, manter os ativos ambientais brasileiros.
Esse é um ponto ainda a melhorar no agronegócio brasileiro. O custo do protagonismo tem sido tangível também pelo lado negativo: supressão da vegetação nativa de 46,8% do Cerrado e de 17% da Amazônia; emissões de dióxido de carbono na atmosfera, que prejudicam o equilíbrio climático e afetam o regime de chuvas; poluição de rios e de lençóis freáticos; perda de habitat para biodiversidade, bem como de outros serviços ecossistêmicos.
Essas perdas podem, em um futuro bem próximo, sobrepor-se aos ganhos, pois a produção brasileira é baseada nos serviços que o ambiente até hoje forneceu gratuitamente, como água e clima estável. Adicionam-se a esse cenário novas demandas globais, que pressionam cadeias de produção por mais transparência e responsabilidade ambiental e deixam claro que o setor passa por transformações.
Pensando nesses desafios, o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), no âmbito do projeto CONSERV, lança a partir de hoje a série de textos “Garantindo o futuro na prática”, cuja finalidade é contribuir e estimular a construção de um novo paradigma do uso do solo no Brasil, por meio de técnicas de intensificação da produção agropecuária e de políticas públicas voltadas à terra.
Nas próximas segundas-feiras, entre maio e junho, começando hoje, cinco temas serão explorados: sistema de rotação de pasto, confinamento e semiconfinamento; melhoramento genético; safra, safrinha, plantio direto e integração lavoura-pecuária-floresta; controle biológico de pragas; e gestão ambiental-produtiva. As mudanças no setor não se restringem a essas questões, mas passam por elas.
Para o diretor executivo do IPAM, André Guimarães, é preciso repactuar o próximo ciclo de desenvolvimento do agronegócio brasileiro. “O futuro do setor está na integração e no diálogo entre os diversos atores da sociedade, a fim de criar um pacto baseado em novos moldes, no qual exportadores, sociedade e floresta saiam ganhando”, explica.
Além da intensificação da produção por meio de práticas agroflorestais, Guimarães acrescenta que é necessário redirecionar investimentos, desenvolver e implementar novas tecnologias no campo, acabar com o desmatamento e buscar uma regularização fundiária justa e adequada para o Brasil.
Confira a primeira matéria da série aqui.
De olho no futuro
Atualmente, o agronegócio ocupa 30,2% das terras brasileiras. Essa é uma área mais do que suficiente para aumentar a produção agropecuária em larga escala. Estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) demonstra que, em uma região de pasto de baixa produtividade, é possível quadruplicar o número de cabeças por hectare e ainda alocar parte significativa da propriedade para a produção de outros alimentos, energias, reflorestamento ou preservação.
Com crédito dirigido, fiscalização e assistência técnica em regiões prioritárias, a produção agropecuária na Amazônia pode mais do que dobrar, liberando áreas para outras atividades, conforme aponta artigo científico elaborado por pesquisadores do IPAM e do Woodwell Climate Research Center. O aumento e as melhorias na produtividade, segundo os autores, permitiriam que áreas fossem disponibilizadas para a expansão da produção de grãos, restauro e outras atividades suficientes para que o Brasil atenda à crescente demanda, sem depender da conversão de novas áreas.
Diferente do sistema tradicional – extensivo –, a intensificação da produção aproveita todo o potencial da área utilizada e também dos animais. São métodos e tecnologias eficientes que já existem e podem ser colocados em prática em curto prazo, trazendo mais lucratividade e auxiliando na regulação do clima.
A evolução do agronegócio exige, além da intensificação, mais eficiência no uso de insumos e recursos naturais, práticas de baixo carbono e incentivos para manter as vegetações nativas além do percentual previsto no Código Florestal, que varia de 20% a 80% de acordo com o bioma onde se encontra o imóvel rural.
Para contribuir com esse último caminho, em 2020, o IPAM colocou em execução um mecanismo privado e de adesão voluntária no estado de Mato Grosso. O CONSERV é um programa focado em grandes e médios produtores rurais que escolheram manter suas matas e que, em troca, recebem aportes periódicos.
A iniciativa é uma forma de reconhecer os produtores envolvidos em atividades de conservação, além do que é requirido por lei, e um dos passos para mudar o paradigma e mostrar que é possível conciliar produção e conservação – um cenário no qual a floresta é poupada e o produtor continua a lucrar.
Leia todas as matérias da série Garantindo o futuro na prática:
Introdução: Futuro do agronegócio passa pela valorização do solo brasileiro.
Melhoramento genético do rebanho.
Regularização ambiental e benefícios para produtor que cumpre a lei.
¹Jornalista e analista de Comunicação no IPAM, sara.pereira@ipam.org.br