Vitais na preservação, áreas com CAR registram 75% do desmatamento do Cerrado

30 de janeiro de 2024 | Notícias

jan 30, 2024 | Notícias

Lucas Guaraldo*

Imóveis rurais com CAR (Cadastro Ambiental Rural) concentraram 75% de todo o alerta de desmatamento detectado no Cerrado em 2023, uma perda de 879 mil hectares de vegetação nativa. Dados foram divulgados nesta terça-feira pelo SAD Cerrado (Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado) desenvolvido pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). A área desmatada dentro desses imóveis equivale a quase 6 vezes a cidade de São Paulo.

Atualmente, 62% da vegetação nativa do Cerrado está dentro de propriedades rurais submetidas às regras do Código Florestal, que permitem o desmatamento de 80% da área total das propriedades do bioma fora da Amazônia Legal. Além disso, apesar do bioma cobrir um quarto de todo o território nacional, somente 12% está sob alguma forma de proteção – seja unidades de conservação, territórios indígenas ou territórios quilombolas – e apenas 3% do bioma é protegido integralmente por Unidades de Conservação.

“Diferentemente da Amazônia, a maior parte do desmatamento no Cerrado ocorre nos imóveis rurais privados, mas também é nessas propriedades que está concentrada a maior parte da vegetação nativa remanescente no bioma. Para reduzir o desmatamento nessas áreas, é necessário fortalecer e dar transparência ao sistema de licenciamento do desmatamento. Além disso, é preciso fortalecer o código florestal, através da validação do CAR, assim como estabelecer políticas voltadas para o incentivo à conservação em áreas privadas”, aponta Tarsila Andrade, pesquisadora do IPAM.

No Matopiba, principal fronteira agrícola do Brasil, grandes propriedades concentraram cerca de 36% dos alertas de desmatamento, enquanto as médias e pequenas responderam por 23% e 16%, respectivamente. Em 2023, a região do Matopiba foi responsável por 75% de todo o desmatamento no Cerrado, cerca de 793 mil hectares. A região concentra os maiores remanescentes do bioma e os municípios que registraram alertas de desmatamento no ano.

A categorização do tamanho de propriedades rurais é definida pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e baseadas na quantidade de Módulos Fiscais dentro de uma propriedade. A dimensão dos módulos muda de acordo com o município, podendo variar, no Cerrado, entre 5 e 110 hectares. Pequenas propriedades são aquelas com até 4 módulos, enquanto as grandes possuem mais do que 15. Propriedades médias são aquelas que possuem entre 4 e 15 módulos fiscais.

No oeste baiano, por exemplo, 63% dos alertas de desmatamento na porção de Cerrado do estado foram registrados em grandes propriedades. Como resultado, o estado viu a abertura de novas áreas de Cerrado aumentar 92% em relação a 2022, atingindo 159 mil hectares, sendo 100 mil hectares dentro de grandes propriedades.

Desmatamento acelerado

Os alertas de desmatamento no Cerrado apontam uma área afetada de  mais de 1 milhão de hectares em 2023, um aumento de 30% em relação aos alertas identificados pelo SAD Cerrado em 2022, quando foram derrubados 815 mil hectares do bioma. Dos 12 meses de 2023, 10 registraram aumento na área desmatada em relação ao ano anterior.

No Piauí, a área derrubada atingiu 131 mil hectares no ano passado, um aumento de 67% em relação a 2022, enquanto o Tocantins registrou um aumento de 37% e 233 mil hectares desmatados. No Maranhão, estado que mais registrou alertas de desmatamento no Cerrado, o aumento foi de 36%, somando 308 mil hectares da vegetação nativa derrubada do bioma. 

Área desmatada por estado no Cerrado em 2023, segundo SAD Cerrado.

Além disso, os dez municípios que mais desmataram o Cerrado e que concentram 19% de toda a perda de vegetação nativa no bioma – cerca de 206 mil hectares – estão localizados no Matopiba, sendo quatro no Cerrado baiano, quatro no Maranhão, um no Tocantins e um no Piauí. 

“A lista dos alertas identificados pelo SAD Cerrado mostra que o desmatamento se concentra nos mesmos estados e municípios. Esse padrão que temos visto de grandes áreas sendo desmatadas e concentradas em regiões específicas é preocupante pois pode impactar o clima, reduzindo a eficiência dos serviços ecossistêmicos como a disponibilidade de água no lençol freático, que leva à falta de abastecimento de água tanto para a agricultura como para a população local”, destaca Fernanda Ribeiro, pesquisadora do IPAM. 

São Desidério, líder do ranking anual, registrou  sozinho 36 mil hectares desmatados – 118% a mais do que em 2022, quando o município foi responsável pela conversão  de 16 mil hectares. Balsas, no sul do Maranhão, aumentou seu desmatamento em 11%, com a perda de 28 mil hectares. 

O município com maior área desmatada do Tocantins, Rio Sono, perdeu 19 mil hectares de vegetação nativa – 95% a mais do que o desmatamento de 2022, ocupando o quinto lugar no ranking. Baixa Grande do Ribeiro, município que mais desmatou no Piauí, perdeu 15 mil hectares de vegetação, aumento de 201% que o fez ocupar a oitava posição. 

Área desmatada nos 10 municípios que mais desmataram no cerrado em 2023 no Matopiba, segundo SAD Cerrado.

Proteção e organização fundiária

Seguindo a tendência observada ao longo do ano, foram detectados 27 mil hectares de áreas desmatadas em Unidades de Conservação localizadas no Cerrado – um aumento de 93% em relação a 2022. A Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins foi a reserva mais atingida, tendo perdido mais de 6 mil hectares de vegetação nativa, seguido pelo Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, que perdeu 5,9 mil hectares.   

Vizinhas, as Unidades de Conservação fazem parte do mosaico de áreas protegidas que também inclui o Parque Estadual do Jalapão, a Área de Proteção Ambiental Serra da Tabatinga e a Área de Proteção Ambiental Serra da Ibiapaba. O mosaico ocupa áreas no coração do Matopiba e tem sofrido com a pressão da expansão agrícola na região.

Pesquisadoras do SAD também alertam para o avanço do desmatamento em áreas consideradas vazios fundiários, ou seja, áreas sem jurisdição ou definição de uso clara. A categoria totalizou  94 mil hectares derrubados em 2023 – um aumento de 48% em relação a 2022, quando 64 mil hectares foram perdidos. Essas áreas não possuem domínio claro e, portanto, é difícil encaixá-las em projetos de políticas públicas para a região.

“Tendo em vista que mais da metade da vegetação nativa remanescente está  sob domínio privado, novas estratégias de conservação que contemplem áreas privadas, como por exemplo incentivos econômicos para proprietários abrirem mão do direito de desmatar, são essenciais para a manutenção da biodiversidade e serviços ecossistêmicos no Cerrado. Isso passa pela viabilização de incentivos e por uma formação de alianças com diálogo aberto entre os setores público e privado, além da participação da sociedade civil e comunidades locais”, destaca Fernanda.

Sobre o SAD Cerrado

O Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado é um projeto de monitoramento mensal e automático que utiliza imagens de satélites ópticos do sensor Sentinel-2, da Agência Espacial Europeia. O SAD Cerrado é uma ferramenta analítica que fornece alertas de supressão de vegetação nativa, trazendo informações sobre desmatamento no bioma desde agosto de 2020.

A confirmação de um alerta de desmatamento é realizada a partir da identificação de ao menos dois registros da mesma área em datas diferentes, com intervalo mínimo de dois meses entre as imagens de satélite. O método é detalhado no site do SAD Cerrado.

Os relatórios de alertas para 2023 e períodos anteriores estão disponíveis neste link. No painel interativo, é possível selecionar estados, municípios, categorias fundiárias e o intervalo temporal para análise.

O objetivo do sistema é fornecer alertas de desmatamentos maiores de 1 hectare, atualizados mês a mês. Pesquisadores entendem que o SAD Cerrado constitui uma ferramenta complementar a outros sistemas de alerta de desmatamento no bioma, como o DETER Cerrado, do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), otimizando o processo de detecção em contextos visualmente complexos.

Acesse os dados georreferenciados clicando aqui.

jornalista do IPAM, lucas.itaborahy@ipam.org.br*

Foto de capa: Maria Alves Garcia**

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