Por Camila Santana*
O rio é parte integrante da rotina da agricultora e ribeirinha Luana Prado de Oliveira. Logo cedo, recolhe água para a merenda de café com beiju da família. É de onde vem também a fonte de irrigação para cultivo da macaxeira, abóbora e hortaliças que planta. A fonte de água mata a sede, provê o banho e a higiene da louça. Em frente à casa de palafita, o rio é, ainda, o meio utilizado para se deslocar até a cidade ou a escola e onde aporta atendimento médico, que chega de barco de tempos em tempos.
No último ano, a estiagem histórica na Amazônia afetou completamente o modo de vida de Luana e sua família, baixando os rios além do nível crítico. Infelizmente, as projeções climáticas indicam que secas e enchentes na região devam ficar mais frequentes. É o que mostra um estudo recém-publicado na Communications Earth & Environment que aponta: 50% das localidades não indígenas e 54% das aldeias indígenas da Amazônia brasileira estão propensas ao isolamento por causa de secas extremas.
A pesquisadora associada do IPAM (Instituto de Pesquisas da Amazônia) Marcia Macedo compôs a equipe que analisou o comportamento dos rios durante secas anuais entre 2000 e 2020, inclusive as severas de 2005, 2010, e 2015-2016. “Observamos que os níveis baixos dos rios, típicos da época de seca foram ainda mais baixos e duraram mais de 100 dias, um mês a mais durante as secas extremas. A maior parte dos afetados está no estado do Amazonas”, explicou Macedo.
Letícia Santos de Lima, pesquisadora que coordenou o estudo, ressaltou que esta deve ser a nova realidade da Amazônia. “Há anos cientistas alertam sobre o aumento substancial na frequência e intensidade de eventos extremos que a bacia amazônica está enfrentando. Essas secas passadas, bem como a mais recente, de 2023-2024, estão mostrando que os impactos sobre os ecossistemas se estendem severamente à população amazônica”, alertou.
Os impactos do esvaziamento dos rios na Amazônia vão além dos cenários desérticos onde espelhos d’água dão lugar a enormes bancos de areia. Além do isolamento total das comunidades por semanas ou até meses, a pesquisa aponta que famílias ribeirinhas como a de Luana podem ter problemas de acesso a alimentos, combustível e suprimentos médicos, devido à impossibilidade de transporte hidroviário, escassez de peixes e fechamento das escolas.
Este ano a seca já afeta 10 mil pessoas, isolando comunidades e causando desabastecimento no Amazonas. Até o momento, 20 das 62 cidades do estado já estão em situação de emergência. Na capital Manaus, o Rio Negro desceu 54 centímetros só em julho. Em Rondônia, o verão amazônico deve registrar recordes de seca e calor e a situação dos rios deve atingir um estado crítico.
Qualidade da água
Outro dado ao qual o estudo chama a atenção é sobre o impacto desses eventos extremos na qualidade da água. Como os níveis de água superficial e subterrânea podem diminuir durante as secas, o uso de poços é alterado. Em resumo, a qualidade da água pode piorar, ficando imprópria para consumo. O artigo cita que “estudos anteriores mostraram evidências de aumento nas internações no Acre em 2005 associadas tanto a doenças transmitidas pela água quanto a doenças respiratórias devido à poluição do ar por causa de incêndios florestais”.
O grupo de pesquisadores ressaltou que é preciso melhorar o planejamento para mitigação e adaptação de longo prazo para a seca, incluindo o diálogo com a sociedade civil e o suporte de uma ciência robusta. “Nesse sentido, uma abordagem transdisciplinar que combine perspectivas das ciências naturais e sociais, bem como conhecimentos tradicionais das comunidades amazônicas e percepções locais das mudanças ambientais, pode ser a forma mais eficiente e socialmente justa de enfrentar esse problema complexo”, traz a pesquisa.
*Jornalista do IPAM