Comunidades amazônidas podem ficar isoladas devido a secas extremas

8 de agosto de 2024 | Notícias

ago 8, 2024 | Notícias

Por Camila Santana*

O rio é parte integrante da rotina da agricultora e ribeirinha Luana Prado de Oliveira. Logo cedo, recolhe água para a merenda de café com beiju da família. É de onde vem também a fonte de irrigação para cultivo da macaxeira, abóbora e hortaliças que planta. A fonte de água mata a sede, provê o banho e a higiene da louça. Em frente à casa de palafita, o rio é, ainda, o meio utilizado para se deslocar até a cidade ou a escola e onde aporta atendimento médico, que chega de barco de tempos em tempos.

No último ano, a estiagem histórica na Amazônia afetou completamente o modo de vida de Luana e sua família, baixando os rios além do nível crítico. Infelizmente, as projeções climáticas indicam que secas e enchentes na região devam ficar mais frequentes. É o que mostra um estudo recém-publicado na Communications Earth & Environment que aponta: 50% das localidades não indígenas e 54% das aldeias indígenas da Amazônia brasileira estão propensas ao isolamento por causa de secas extremas. 

Barcos ancorados em margem de rio em Manaus mostra impacto das secas extremas na Amazônia

Rio próximo a Manaus durante a seca de 2023. Foto: Bibiana Garrido/IPAM

A pesquisadora associada do IPAM (Instituto de Pesquisas da Amazônia) Marcia Macedo compôs a equipe que analisou o comportamento dos rios durante secas anuais entre 2000 e 2020, inclusive as severas de 2005, 2010, e 2015-2016. “Observamos que os níveis baixos dos rios, típicos da época de seca foram ainda mais baixos e duraram mais de 100 dias, um mês a mais durante as secas extremas. A maior parte dos afetados está no estado do Amazonas”, explicou Macedo.  

Letícia Santos de Lima, pesquisadora que coordenou o estudo, ressaltou que esta deve ser a nova realidade da Amazônia. “Há anos cientistas alertam sobre o aumento substancial na frequência e intensidade de eventos extremos que a bacia amazônica está enfrentando. Essas secas passadas, bem como a mais recente, de 2023-2024, estão mostrando que os impactos sobre os ecossistemas se estendem severamente à população amazônica”, alertou. 

Os impactos do esvaziamento dos rios na Amazônia vão além dos cenários desérticos onde espelhos d’água dão lugar a enormes bancos de areia. Além do isolamento total das comunidades por semanas ou até meses, a pesquisa aponta que famílias ribeirinhas como a de Luana podem ter problemas de acesso a alimentos, combustível e suprimentos médicos, devido à impossibilidade de transporte hidroviário, escassez de peixes e fechamento das escolas.

 

Este ano a seca já afeta 10 mil pessoas, isolando comunidades e causando desabastecimento no Amazonas. Até o momento, 20 das 62 cidades do estado já estão em situação de emergência. Na capital Manaus, o Rio Negro desceu 54 centímetros só em julho. Em Rondônia, o verão amazônico deve registrar recordes de seca e calor e a situação dos rios deve atingir um estado crítico. 

Qualidade da água 

Outro dado ao qual o estudo chama a atenção é sobre o impacto desses eventos extremos na qualidade da água. Como os níveis de água superficial e subterrânea podem diminuir durante as secas, o uso de poços é alterado. Em resumo, a qualidade da água pode piorar, ficando imprópria para consumo. O artigo cita que “estudos anteriores mostraram evidências de aumento nas internações no Acre em 2005 associadas tanto a doenças transmitidas pela água quanto a doenças respiratórias devido à poluição do ar por causa de incêndios florestais”. 

O grupo de pesquisadores ressaltou que é preciso melhorar o planejamento para mitigação e adaptação de longo prazo para a seca, incluindo o diálogo com a sociedade civil e o suporte de uma ciência robusta. “Nesse sentido, uma abordagem transdisciplinar que combine perspectivas das ciências naturais e sociais, bem como conhecimentos tradicionais das comunidades amazônicas e percepções locais das mudanças ambientais, pode ser a forma mais eficiente e socialmente justa de enfrentar esse problema complexo”, traz a pesquisa.

*Jornalista do IPAM



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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