Por Lucas Guaraldo*
A Um Grau e Meio conversa com Laura Olivia Tavares Souto, médica residente em metabologia e endocrinologia.
Nessa entrevista, aborda os efeitos fisiológicos da prática de esportes e atividades ao ar livre expostas ao calor extremo, assim como seus riscos para a saúde e cuidados paliativos que podem ser adotados.
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Quais são os efeitos físicos da prática de esportes ao ar livre em temperaturas extremas?
O mais óbvio é o aumento da temperatura corporal. Nessas condições de calor extremo, o organismo vai ter mais dificuldade de dissipar o calor gerado pelo exercício por conta da temperatura, que é até um pouco daquela sensação ruim que a gente tem nessas situações. Nosso corpo sempre quer estar em homeostase [capacidade do corpo de manter sua temperatura estável], então se você está fazendo atividade física em um ambiente muito quente, seu corpo vai se esforçar para manter essa homeostase.
Para tentar se resfriar, nosso corpo aumenta o fluxo sanguíneo na pele, vai ter mais sudorese e a demanda de sangue do músculo também vai ser bem maior, aumentando a frequência cardíaca. Isso tudo diminui um pouco nossa performance física e por conta do suor perdemos sódio, potássio e magnésio.
Imagino que isso tem um limite. O que acontece quando a gente chega no limite do nosso corpo de manter essa homeostase, mas a atividade física e o calor continuam?
Se você ultrapassar o limite, vai chegar o momento em que seu corpo vai parar e você vai dar um desmaio. Se você expor o seu corpo num ambiente extremo como esse, extremamente quente e que não permita a homeostase, vai chegar em um momento que ele chega no limite. Passar desse limite pode significar desmaio, parada cardíaca e até mesmo morte.
Temos um exemplo disso, mesmo que não seja exatamente uma atividade física, mas foi isso que aconteceu com a menina no show da Taylor Swift no Rio de Janeiro. Ela não estava fazendo um exercício, mas ela estava em um show que demandava tanta energia quanto um exercício. O corpo dela foi desidratado, perdendo sais e ela perdeu a consciência por causa desse desequilíbrio. Foi um caso extremo.
Por que esse tipo de situação é tão perigosa fisiologicamente?
É muito baseado na questão da sobrecarga cardiovascular A gente tem respostas fisiológicas, naturais. Então eu e você, a gente tá aqui conversando, minha frequência cardíaca tá num basal ali na casa de é 60 a 100, esse é o valor normal.
Se a gente começar a fazer exercício, naturalmente, o coração da gente vai bater mais forte. Depois de um exercício nosso coração pode estar batendo a 150, por exemplo. Isso significa que seu coração está com problema? Não, significa que ele está respondendo a um estímulo.
Então se a gente se expõe num lugar em que o calor elevado faz nosso corpo aumentar o fluxo de sangue e a demanda por oxigênio, seu coração vai ter que bater mais rápido para acompanhar. Se você faz exercício físico no calor extremo, vai ter um momento que seu coração não vai dar conta de atender a demanda do corpo. Ele teria que bater a 300, mas ele só chega a 200.
Antes desse extremo, quais são alguns sintomas que surgem a partir do momento em que estamos expostos a esses cenários?
O sintoma característico desse desequilíbrio é o tremor. Muito tremor. Tem que ficar de olho também na questão da desorientação, cansaço e confusão mental. Pensando em algo mais dramático, esses sintomas podem evoluir para uma perda de consciência.
O que pode ser feito para tornar a prática de esportes de alta intensidade nesse contexto menos danosa?
Se você tem que se expor a uma situação como essa, se você é um atleta profissional, por exemplo, e tem que jogar em um campo muito quente, a aclimatação gradual é fundamental. Você precisa treinar o seu corpo para isso e não se expor a tudo de uma vez. Da mesma forma que se alguém for correr uma maratona eu preciso treinar meu corpo aos poucos. Essa é a primeira coisa.
A segunda coisa é a hidratação. Geralmente recomendamos 30 a 35 ml de líquido por quilo, então é algo diferente para cada pessoa. É importante que você se hidrate antes, durante e depois e fique de olho nos sintomas mais típicos de quando nosso corpo vai chegando no limite dessa exposição. É preciso respeitar os limites.
Outra coisa é a roupa. Então escolha roupas mais leves, que deixem você transpirar, que não seja roupa tão pesada. Escolher o melhor horário e local, como início da manhã e final da tarde, que são momentos de temperatura mais amena.
No Brasil temos pausas para hidratação durante partidas de futebol quando a temperatura passa de 28 °C. Isso é suficiente para garantir essa hidratação?
Não. Não sei quais são os critérios usados para criar essas pausas, mas não é o suficiente porque esses atletas precisam ser treinados para isso. A gente precisa fazer isso tudo antes. Aclimatar o corpo às temperaturas elevadas e se hidratar em vários momentos.
*jornalista do IPAM, lucas.itaborahy@ipam.org.br