Vários estudos científicos vêm destacando a importância das comunidades indígenas para a preservação das florestas, incluindo a amazônica. De acordo com o MapBiomas, entre 1985 e 2020, os territórios indígenas já demarcados ou aguardando demarcação foram os que mais preservaram suas características originais. Em grande parte, isso se deve ao modo de vida e à cultura dos indígenas.
No entanto, mesmo depois de tantos anos de invasão de seus territórios e diante da urgência climática, ainda temos um longo caminho a percorrer para que suas culturas sejam compreendidas e respeitadas. Isso foi o que compartilharam o artista e educador Denilson Baniwa e a comunicadora Alana Manchineri durante o encontro que abriu o terceiro ciclo do Amazoniar, na quinta-feira (09/09), e teve como tema Quebrando estereótipos sobre os povos indígenas.
“Acho maravilhoso que a Amazônia esteja em debate, mas precisamos ampliar isso. Assim como nossos corpos e existências estão interligados, os biomas também estão. Um rio poluído na Amazônia pode afetar São Paulo, por exemplo. Cuidamos da Amazônia pensando no coletivo. Vivemos todos no mesmo planeta e ele é único”, disse Baniwa, destacando que a preservação do bioma é chave para o futuro de todos globalmente.
A coletividade é um dos elementos essenciais da cultura indígena. “O índio é um ser coletivo, não apenas individual. Tem momentos em que precisamos nos deslocar e passar vários dias fora de casa para contribuir com a mobilização e a defesa dos nossos povos”, explicou Manchineri, que é coordenadora dos jovens comunicadores da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Ela se conectou ao debate de Brasília, onde está desde o dia 22/08 participando da mobilização nacional dos indígenas no Acampamento Luta Pela Vida e na Marcha das Mulheres Indígenas, em protesto contra a tese do marco temporal, cujo julgamento foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal em 15/09, depois de quatro semanas de discussões.
Veja o vídeo do encontro na íntegra:
Adaptar-se a outras culturas para sobreviver
Para Baniwa, os povos indígenas são os que mais procuram entender outras culturas, fato que está relacionado, em grande medida, a uma questão de sobrevivência.
“Numa conversa sobre trabalho, me disseram ‘você fala tão bem português que nem parece indígena’, pensando que estariam me elogiando. Essa é uma das coisas que mais ouço desde que saí do Rio Negro. Não consigo compreender como uma pessoa se interessa mais pelo modo como falo e se preocupa menos com o que penso e sou num contexto mais amplo”, ele relatou. “Se hoje falo bem o idioma é porque de certa maneira o meu povo e tantos outros foram obrigados a entender as tecnologias e saberes de outros povos não-indígenas para sobreviver. Se eu não falasse português, talvez eu não estaria vivo hoje”, ressaltou.
Manchineri compartilhou também uma experiência que viveu numa escola da periferia de Rio Branco (AC), localizada numa área em que há muitos povos indígenas. Lá, ela realizou um trabalho de pesquisa durante um ano pela sua universidade, contribuindo para a quebra de alguns estereótipos. “A primeira pergunta que fiz quando chegamos foi se havia indígenas ali. Era possível ver pelos traços que alguns alunos eram de famílias indígenas, mas, naquele momento, ninguém se identificou como tal e vimos outras crianças zombando dessa questão”, ela relatou. “Passamos o ano todo levando a cultura indígena para eles, fizemos formação com os professores e os alunos. Ao final daquele ano, repeti minha pergunta e muitos se identificaram como indígenas e as outras crianças passaram a respeitá-los.”
De acordo com Manchineri, um primeiro ponto positivo do projeto foi poder mostrar para as crianças que indígenas ocupam o espaço acadêmico. “Quando entrei na universidade, me deparei com um universo diferente, em que muitos acham que nós não merecemos estar na academia. Não é um espaço que foi constituído para a nossa ocupação”, explicou. Além disso, o projeto permitiu aproximar mais os estudantes da vida nas aldeias. “Muitos ficaram impressionados ao entender que a vida na cidade e na aldeia são completamente diferentes. Conseguimos quebrar a ideia absurda de que os indígenas são preguiçosos e que estar longe do território não significa deixar de ser indígena”, completou.
Participe dos próximos encontros do Amazoniar
O Amazoniar é uma iniciativa do IPAM para promover um diálogo global sobre a floresta amazônica e sua influência nas relações entre o Brasil e o mundo. Inscreva-se para os próximos encontros do terceiro ciclo:
23/09 às 10h (Brasília) – Ouça essa história: a riqueza da literatura e das lendas indígenas
07/10 às 10h (Brasília) – Vozes indígenas: cantos tradicionais e atuais e como se misturam
21/10 às 10h (Brasília) – Perspectiva indígena: os povos tradicionais através da fotografia e do audiovisual
Concurso de fotografia Amazoniar
Como parte do terceiro ciclo do Amazoniar, o IPAM lançou um concurso de fotografia, com o tema “Amazônia pelo Planeta”. Ele está aberto para pessoas de qualquer idade e nacionalidade, e tem como objetivo principal incentivar o registro de realidades da Amazônia, além da produção cultural e artística na região.
Uma comissão de jurados selecionará 20 fotografias ao todo. Os vencedores terão suas fotos exibidas, em formato digital ou por meio de projeção, em Glasgow, na Escócia, durante a Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança Climática (COP 26), e no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, ao lado de exposição com previsão de inauguração no fim do ano. Confira todas as regras e participe!
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