Lays Ushirobira*
O Amazoniar – iniciativa do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) para promover um diálogo global sobre a Amazônia – lança nesta quinta-feira (03/08) uma nova série de vídeos, desta vez sobre a principal causa do desmatamento no Brasil: a grilagem. A apropriação ilegal de terras públicas está diretamente relacionada aos recordes de desmatamento na região. Foram nessas áreas, que são patrimônio público, onde ocorreu mais da metade do desmatamento do bioma entre 2019 e 2021, de acordo com análises do IPAM.
O lançamento coincide com o início dos Diálogos Amazônicos, evento da sociedade civil e movimentos sociais entre 4 e 6 de agosto, em Belém (PA), para a formulação de estratégias baseadas nas demandas das comunidades da região. Os diálogos serão seguidos pela realização da Cúpula da Amazônia, que reunirá autoridades dos países por onde passa o território amazônico, com o intuito de consolidar um posicionamento regional sobre a floresta.
Neste ciclo, a equipe do Amazoniar se propõe a desvendar junto com seu público, em seis episódios, como a grilagem acontece na prática, quais são seus impactos na Amazônia e no mundo, e o que pode ser feito para combater esse crime. “Um dos grandes objetivos do Amazoniar é democratizar informações sobre a Amazônia. Queremos que qualquer pessoa, independentemente de seu nível de conhecimento sobre o bioma, possa embarcar nessa jornada de aprendizagem coletiva conosco. A conservação da Amazônia é de interesse e responsabilidade de todos e a boa notícia é que há soluções para isso”, explica Lucas Ramos, coordenador do Amazoniar no IPAM.
“Muitas pessoas pensam que as áreas públicas são ‘terra de ninguém’, mas na verdade os grileiros estão ocupando uma terra que é de todos. Existe uma responsabilidade compartilhada de cuidar do território amazônico. Ninguém ganha com o desmatamento”, completa Alcilene Cardoso, educadora popular, pesquisadora do IPAM e apresentadora da série.
Veja o primeiro episódio da série sobre grilagem do Amazoniar:
A grilagem na prática: como se dá a ocupação ilegal de terras públicas?
A grilagem é um crime antigo e sua origem remonta aos tempos do Brasil Império (1822-1889). Cardoso explica que, na época, indivíduos colocavam um título falso de propriedade dentro de uma caixa com grilos para que os insetos pudessem deteriorar o documento e dar a ele um aspecto antigo, o que facilitava para que as pessoas atestassem ser proprietárias daquela determinada área.
De lá para cá, os grilos deixaram de ser usados e a prática passou a funcionar a partir do registro falso de terras no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR). Como o CAR é autodeclaratório, grileiros desenham no sistema supostos imóveis particulares, para simular um direito sobre aquela terra que na verdade não pertence a eles. Estudos do IPAM mostram que, até o fim de 2020, mais de 14 milhões de hectares das chamadas florestas públicas não destinadas (FPNDs) estavam registrados ilegalmente como propriedade particular no sistema.
“Pessoas e empresas dificilmente entram em áreas para grilar sem saber que são públicas. Na maioria das vezes, os grileiros fazem um levantamento para identificar se aquela é uma terra pública, plana, com fácil acesso à água e às estradas. Aí começa um ciclo: entra-se na área, burlando o documento de propriedade; a floresta é desmatada; e então se inicia um processo parecido com especulação imobiliária, para vender as áreas para produção de grãos ou outras atividades”, conta Cardoso.
Além de ser uma grande ameaça à sociobiodiversidade da Amazônia, a grilagem e o desmatamento contribuem para o desequilíbrio climático e, consequentemente, impactam negativamente a produção de alimentos e a economia do país, e comprometem o bem-estar das próximas gerações no mundo todo, explica a pesquisadora.
Soluções para combater a grilagem
A incidência da grilagem aumentou significativamente com o enfraquecimento da fiscalização ambiental nos últimos anos, mas a boa notícia é que há soluções para combater o crime. Uma delas é a destinação das FPNDs, onde ocorre grande parte do desmatamento em terras públicas.
Elas são áreas públicas que estão sob o domínio do governo estadual ou federal e ainda não receberam uma destinação para se consolidar como unidade de conservação, terra indígena ou reserva extrativista, por exemplo. Como explica Cardoso no primeiro episódio da série do Amazoniar, pela Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.284/06), essas terras devem ser voltadas para conservação ou uso sustentável de seus recursos, em especial pelas populações originárias e tradicionais.
“Temos muitas florestas públicas não destinadas e que estão na mira da grilagem. O tamanho dessa área é o equivalente a duas vezes o estado de São Paulo. Precisamos olhar essas florestas como uma possibilidade para reduzir o desmatamento”, alerta.
Sobre o Amazoniar
O Amazoniar é uma iniciativa do IPAM para promover um diálogo global sobre a Amazônia e sua importância para as relações do Brasil com o mundo. Nos ciclos anteriores, foram organizados diálogos sobre as relações comerciais entre Brasil e Europa; o papel dos povos indígenas no desenvolvimento sustentável da região e sua contribuição para a ciência e a cultura; e o engajamento da juventude pela floresta e seus povos nas eleições de 2022.
Com a proposta de levar a Amazônia para além de suas fronteiras, o Amazoniar já realizou projetos especiais, como um concurso de fotografia, cujas obras selecionadas foram expostas nas ruas de Glasgow, na Escócia, durante a COP 26; uma série de curtas que compôs a exposição “Fruturos – Amazônia do Amanhã”, do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; além das cartilhas Cenários possíveis para a Amazônia no contexto das eleições brasileiras de 2022 e Soluções para o desmatamento na Amazônia. A iniciativa também produziu uma série de entrevistas com representantes de comunidades tradicionais durante as negociações do Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia.
Para fazer parte do diálogo global sobre a Amazônia, inscreva-se na newsletter do Amazoniar.
*Jornalista e consultora de comunicação do IPAM