“Não é só o [desmatamento] ilegal que destrói a Amazônia: o legal também”

9 de novembro de 2021 | Notícias

nov 9, 2021 | Notícias

“A catástrofe se aproximou de nós. Todas as vozes precisam ser escutadas sob pena da gente perder tempo e atrasar ainda mais aquilo que já devíamos ter começado”. Com essas palavras, a coordenadora de projetos da FVPP (Fundação Viver, Produzir e Preservar), Ana Paula dos Santos Souza, deu início à participação da sociedade civil no debate “O futuro da Amazônia: conciliando produção agropecuária e conservação da floresta”, transmitido na segunda-feira (8/11), no espaço do Brazil Climate Action Hub na COP26.

“Não é só o [desmatamento] ilegal que destrói a Amazônia”, continuou, “e talvez seja essa a parte mais dura, porque o legal também destrói. Por trás da mineração, do agrotóxico e do monocultivo, dessa produção e metabolização voraz dos recursos, há uma lógica perversa movida por uma ganância sem limites”, lamentou Souza.

Também participaram do evento, no primeiro de dois painéis de discussão, o diretor-executivo no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) André Guimarães; a diretora de Ciência no IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar; o governador do Estado do Pará e representante do Consórcio de Governadores da Amazônia Legal, Helder Barbalho; o CEO da Klabin, Cristiano Teixeira, e o enviado especial do departamento de Mudança Climática do Ministério de Clima e Meio Ambiente da Noruega, Hans Brattskar.

No segundo painel estiveram o cofacilitador da Coalizão Brasil, Marcello Brito; a líder de estratégia de envolvimento em meio ambiente e agricultura para a América Latina na Bayer, Alessandra Fajardo; o cientista e economista ambiental no Woodwell Climate Research Center, Glenn Bush; e o diretor-geral na FCDS (Fundación para la Conservación y el Desarrollo Sostenible), Rodrigo Botero.

Conservar no presente para garantir o futuro

A fala da coordenadora vai ao encontro do que o pesquisador no IPAM Marcelo Stabile disse, horas antes, apresentando a iniciativa do CONSERV na Conferência do Clima: “Há uma necessidade de parar não apenas o desmatamento, mas sobretudo o desmatamento legal”. Desenvolvido pelo IPAM, pelo Woodwell Climate e pelo EDF (Environmental Defense Fund), o CONSERV apresenta uma das possibilidades de futuro para conciliar a produção agropecuária e a conservação da Amazônia Legal, ao compensar grandes produtores rurais por manterem a vegetação nativa que poderiam, por lei, suprimir em suas propriedades.

Na Amazônia Legal, o percentual que pode ser derrubado corresponde a 20% dos imóveis rurais, isto é, 11 milhões de hectares. Em um ano de atividade do mecanismo, foram nove contratos com produtores, 25 pagamentos realizados e uma área de mais de 11 mil campos de futebol, metade do território de Glasgow, conservada – isso significa 133 milhões de toneladas de carbono estocado no solo que, se desmatado, equivaleria a 22% das emissões do Brasil em 2019 . “Estamos trabalhando para escalar o CONSERV chegando a vinte contratos e a mais de 20 mil hectares conservados nos próximos meses”, anunciou Stabile.

Se o CONSERV atua em parceria multissetorial para a conservação da Amazônia e do Cerrado, a visão e a atuação do setor público foi evidenciada no debate pelo Consórcio de Governadores da Amazônia Legal. “Nós, estados subnacionais, compreendemos a importância de dialogar de forma coletiva no olhar da região amazônica. Com a constituição e o fortalecimento do consórcio, temos debatido uma construção que possa ser uníssona, para ampliar o nível de representação, considerando as peculiaridades de cada estado da Amazônia”, afirmou o governador do Pará. Os estados que compõem a Amazônia Legal são: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. De acordo com Barbalho, o Pará abriga nove dos 35 milhões de brasileiros que vivem no bioma amazônico.

Cadeia alimentar mundial

Bush destacou a importância da agricultura brasileira para a economia mundial e para a cadeia alimentar do planeta. Segundo o economista ambiental, a produção agrícola do país responde por 7% do crescimento global de suprimentos. “As relações entre o clima e a produtividade do setor agrícola brasileiro devem levar em conta o financiamento aos produtores para conservar a floresta e diminuir o desmatamento”, pontuou.

“A agricultura poderia ser um motivador muito grande do desenvolvimento econômico, mas ao mesmo tempo tem muita pressão sobre nossos recursos e o desmatamento é uma dessas respostas que estamos vendo”, complementou Botero.

O que a ciência mostra

Com dados do MapBiomas, Alencar lembrou que “apesar de a pecuária ser a principal atividade que ocupa terras já desmatadas no Brasil, quase metade dessas áreas são de péssima qualidade. Isso indica que podemos investir para melhorar nossa produção e até reduzir as emissões”. A diretora ainda comprovou em números a aceleração do desmatamento no país: cerca de ⅓ de tudo o que foi desmatado no Brasil de 1500 até hoje foi derrubado nos últimos quarenta anos.

Na Amazônia, que voltou a enfrentar um ritmo de desmatamento de mais de 10 mil km² por ano, mais da metade das derrubadas tem ocorrido em terras públicas – principalmente em Florestas Públicas Não Destinadas e em áreas de florestas sobrepostas com CAR (Cadastro Ambiental Rural). “Se alguém me perguntasse: ‘Ane, o que você faria?’, eu começaria pelos desmatamentos de Mudança de Uso da Terra, que são a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil”, sugeriu Alencar.

“A gente precisa de comando e controle inteligente articulado como já tivemos um dia. Destinar as áreas públicas e tirá-las do mercado de terras é fundamental. Dar um sinal de que investir em áreas protegidas é importante também. Isso já derrubaria o desmatamento ao nível de 2012, quando tivemos o menor índice da série histórica”, completou a diretora. Em 2012 o desmatamento na Amazônia Legal ficou abaixo de 5 mil km².

Escutas plurais

Representantes do setor privado e de governos internacionais se colocaram no debate como parte da mudança para uma escuta ativa das diferentes vozes envolvidas quando o assunto é clima. “Esse processo de escuta que hoje o setor privado tem com comunidades indígenas e de agricultores é um ponto em comum para todos nós, porque o desmatamento constrange a todos nós”, afirmou Teixeira.

“Em 2007, o Brasil era pioneiro tanto nas políticas quanto no trabalho da sociedade civil com povos indígenas e povos da floresta”, comentou Brattskar. “Anos depois vemos um grande engajamento e isso mostra que podemos ir em frente pela diminuição do desmatamento na Amazônia. Tenho muita esperança e quero ouvir o que vocês têm a dizer para trabalharmos ainda mais nessa cooperação.”

Caminhos possíveis

Guimarães trouxe para a conversa o questionamento sobre a responsabilidade da geração atual para o controle da crise climática. “A gente percebe nas passeatas, nas reivindicações dos jovens, nas críticas de grupos indígenas, que estamos entrando em uma nova era. O que nós vamos ter que construir daqui para a frente? Este é o desafio que essa humanidade vai ter que cumprir. É isso que eles estão nos cobrando, e é isso que nós vamos ter que entregar.”

O engajamento de empresas em metas de sustentabilidade, lembrou Fajardo, também entra na conta para a redução de emissões de gases do efeito estufa. “Essa balança entre produzir e preservar tem que estar em pleno equilíbrio.”

“Esta COP talvez seja o exemplo da mudança de comportamento. Com tanta representação de jovens, de populações tradicionais e do setor corporativo, temos uma ebolição de todos os processos transformativos”, disse Brito.

Para Souza, endossada nas demais falas durante o debate, a saída está na atuação conjunta. “Não será uma única iniciativa que resolverá nossos problemas, e não será um único segmento social que terá o poder de deter a catástrofe climática. O que a gente está fazendo aqui é um exercício solidário. Movimentos sociais não salvam o mundo, mas todo o nosso tempo neste mundo será de luta. Contem conosco”, concluiu a coordenadora.

Confira a agenda que o IPAM preparou para levar à Conferência.

E acesse a programação do Brazil Climate Hub para participar virtualmente de eventos que ocorrem no espaço em Glasgow, na Escócia, até 12 de novembro.



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Saiba mais em brasil.un.org/pt-br/sdgs.

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