História de sucesso na gestão da Reserva Extrativista Médio Juruá foi contada no palco da 5ª edição do PROTEJA Talks, em Belém e pode ser vista no YouTube.
Karina Custódio*
Um dos primeiros extrativistas a se tornar gestor de unidades de conservação no ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Manuel Cunha lidera a administração da Reserva Extrativista do Médio do Joruá, localizada no estado do Amazonas. Filho de Joaquim Xavier, seringueiro e patriarca da comunidade São Raimundo, Manuel e seus 13 irmãos foram criados em meio a luta por direitos básicos.
Parte de sua família veio do Nordeste para viver da seringa e no estado do Amazonas viveu em condições análogas à escravidão, Manuel Cunha não só presenciou a luta do pai, mas fez parte dela. No início dos anos 1990, ele ajudou a criar a primeira associação de trabalhadores rurais do Médio do Juruá, a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), que pretendia vender diretamente a borracha extraída. Mas a luta das comunidades passou por muitas represálias dos comerciantes da borracha que possuíam os seringais.
“Os patrões deram um golpe baixo na gente, suspenderam. Suspender era uma palavra que eles davam para impedir de você ir para a floresta tirar a borracha. Então eles suspenderam todos aqueles seringueiros que faziam parte da associação”, relata.
Foi aí que as comunidades começaram a reivindicar o próprio território. Nesse processo, Manuel chegou a entrar em conflito com a polícia e ser ameaçado de morte pelos então donos da terra. A demanda só foi atendida sete anos depois, com a promulgação pelo Governo Federal, em 1997, do decreto de criação da Reserva Extrativista do Médio do Juruá.
Construção coletiva do manejo sustentável
A conquista do território precedeu outro grande desafio: valorizar a produção extrativista. Antes a borracha extraída na reserva viajava até o Acre para ser beneficiada e vendida. Fora da unidade de conservação, ela era valorizada. Mas, internamente, sua venda era incapaz de sustentar as 13 comunidades que vivem no Médio Juruá. O gerenciamento, feito pelos próprios extrativistas, conseguiu superar o obstáculo.
“A borracha tinha cinco atravessadores até ela chegar em Sena Madureira, no Acre. Nós conseguimos eliminar os cinco através de nossa Associação, e aí em vez da gente vender a borracha crua começamos a vender beneficiada e conseguimos agregar muito mais valor sobre ela.”
A nova reserva foi criada quando a extração da seringa era desvalorizada no país, em um cenário onde o desmatamento na Amazônia Legal aumentava, passando de 18,2 mil hectares desmatados em 2001, para 25,3 mil em 2003. Em contrapartida, no Médio Juruá, o manejo sustentável se fortaleceu e o desmatamento diminuiu. Cerca de 164 hectares foram desmatados em 2001. Já em 2003, o desmatamento caiu para 47 hectares, conforme dados do PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite). A reserva tem mais de 253 mil hectares de extensão.
Além da borracha, o gestor conta que as comunidades trabalham com cadeias produtivas de oleaginosas e peixes, chegando a aumentar a população de pirarucus e tambaquis na região, que antes estavam em ameaça de extinção no estado do Amazonas. A venda do pescado é feita pela marca “Gosto da Amazônia”, projeto que comercializa a produção de diversas comunidades ribeirinhas e extrativistas.
Uma educação pelo futuro da floresta
O manejo sustentável trouxe mais do que renda para as famílias do Médio Juruá. Nas palavras do próprio Manuel Cunha, ele trouxe direitos.
“No Médio Juruá nós encontramos os caminhos de fazer o desenvolvimento sustentável para manter a comunidade organizada, e trazer melhoria da qualidade de vida, empoderamento e garantia dos direitos”, salienta.
A conquista do acesso à educação é destaque na fala de Manuel. Ele descreve que este foi um dos direitos mais negados durante a semi escravidão vivida pelos seringueiros. A primeira escola implantada foi invadida por um dos proprietários do terreno e transformada em uma maromba para gados, local onde os animais eram armazenados durante a cheia dos rios. Para ele, a ação coletiva mudou essa realidade.
“Hoje a gente tem faculdade dentro das comunidades. Temos 45 filhos de seringueiros, filhos de extrativistas, fazendo faculdade sem ir para a cidade, a faculdade foi ao nosso encontro na floresta”, ratifica.
Um momento em que seu pai, Joaquim Xavier, pediu educação para a família é descrito com emoção por Manuel Cunha. Ele relembra que a resposta do então dono do seringal foi que: “para cortar a seringa não precisa saber ler e escrever”.
Depois de 33 anos de luta por território, preservação e direitos, Manuel respondeu à negativa: “Para cortar seringa não precisa, mas para gerenciar a produção, precisa saber ler e escrever”.
Jornalista IPAM*