“Mais que reduzir o desmatamento, é preciso diminuir o uso do fogo”

22 de janeiro de 2024 | Notícias

jan 22, 2024 | Notícias

Karina Custódio*

Em entrevista publicada na newsletter “Um grau e meio”, Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), conta como podemos diminuir a área queimada na Amazônia, os desafios para a redução do desmatamento no Cerrado e antecipa as dificuldades para a preservação dos biomas em 2024.

Leia edição completa aqui.

Quais as dificuldades que a ciência pode ajudar a enfrentar no combate ao desmatamento do Cerrado e da Amazônia em 2023?

Não tem como combater o desmatamento sem saber quem está desmatando. Apesar de termos avançado bastante no entendimento de onde o desmatamento está acontecendo com o avanço do Deter – sistema de combate ao desmatamento da Amazônia -, ainda existe muita dificuldade em ter bons dados sobre a estrutura fundiária para entender ao certo quem está por trás da conversão florestal e se essa é legal ou não. Outra informação fundamental para ajudar a dimensionar a legalidade do desmatamento é a disponibilidade das autorizações para supressão de vegetação nativa.

A ciência também pode ajudar muito a entender e descrever os impactos do desmatamento e do fogo a curto, médio e longo prazo, sobre a vegetação nativa, sobre a biodiversidade e a capacidade de recuperação dessas áreas. Um grande gargalo para que isso aconteça é o pouco investimento em pesquisa de campo para avaliar e validar esses impactos.

Quais foram os fatores para redução do desmatamento na Amazônia?

A melhoria na governança ambiental na esfera federal teve de fato um impacto na redução do desmatamento em 2023. Como na Amazônia cerca de metade do desmatamento ocorria em terras públicas, era esperado que as ações governamentais de comando e controle tivessem um resultado positivo para a redução do desmatamento.

Os investimentos feitos para fortalecer as instituições federais que atuam na causa ambiental como IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), e uma maior articulação com outros órgãos como a Polícia Federal e as secretarias estaduais, geraram ações e operações muito exitosas e isso acabou aumentando o risco para os desmatadores, e desestimulando o desmatamento, principalmente o ilegal.

Alguns estados tiveram uma queda maior de desmatamento, como o Pará e o Amazonas. Acha que isso é reflexo de um esforço nacional?

Como o Pará e o Amazonas são estados onde uma porção importante do desmatamento acontecia em terras públicas, as medidas nacionais surtiram um efeito, ainda mais quando apoiadas pelos esforços estaduais.

Uma coisa bem interessante é que a redução do desmatamento nesses estados não teve o mesmo impacto do que a redução da área queimada. Nesse caso, isso se deu muito pelo efeito da seca severa que atingiu a Amazônia em 2023, acabando por potencializar o risco de incêndios na porção centro-norte, tanto do Amazonas quanto do Pará. Assim, enquanto o desmatamento reduziu mais no sul destes estados, o fogo aumentou na região norte, demonstrando um maior impacto da seca.

O aumento do fogo da Amazônia já era previsto? Foram adotadas medidas para diminuir a área queimada?

As medidas objetivaram reduzir o desmatamento, prioritariamente, mas que tiveram sim impacto na redução do fogo. Imagina se tivéssemos o mesmo nível de desmatamento que tivemos em 2022? Aí teríamos uma probabilidade muito alta de o fogo nessa área desmatada escapar e ter uma área ainda maior afetada por incêndios.

A redução do desmatamento, não deixa de ser uma medida para controlar os incêndios. Muita coisa foi feita para reduzir as fontes de ignição decorrente do desmatamento, mas eu acredito que precisaríamos de mais investimentos em prevenção por conta do nível de risco climático que a Amazônia enfrentou em 2023 e provavelmente vai enfrentar nos próximos anos.

E é claro assim que, mesmo sabendo que tanto o PREVfogo, quanto o Corpo de Bombeiros, o ICMBio e as brigadas trabalharam muito combatendo os incêndios de 2023, a Amazônia é muito grande e os esforços de combate ao fogo nunca serão suficientes. Por isso, temos que trabalhar a questão da prevenção e do MIF (Manejo integrado do fogo). Para que esse fogo das queimadas não escape e não se torne um incêndio, as fontes de ignição precisam diminuir, ou seja, as queimadas precisam diminuir, e quando elas precisarem acontecer, que sejam melhor manejadas.

O SAD Cerrado mostrou um aumento no desmatamento no final de 2023, período do ano em que geralmente está em queda. Por que isso aconteceu?

O desmatamento do Cerrado foi muito atípico em 2023. Continuamos com uma tendência alta mesmo em meses que normalmente isso não ocorre. Acredito que isso foi em decorrência do aumento da governança sobre a Amazônia e da percepção de que no Cerrado, por conta do Código Florestal, as pessoas podem desmatar legalmente. Implantar uma maior governança e transparência sobre os elementos que indicam a legalidade ou não do desmatamento vão ajudar bastante a inibir os desmatamentos ilegais no bioma.

Você acha que essa redução no desmatamento está em um ritmo suficiente para frear a degradação da floresta?

A redução do desmatamento é fundamental para redução da degradação, mas para garantir a redução da degradação é preciso reduzir o uso do fogo. O clima colabora bastante com o potencial de degradação. Um exemplo foi o que aconteceu ano passado, quando a gente teve uma redução do desmatamento. Foi um ano muito seco e aí aqueles poucos desmatamentos geraram incêndios florestais.

Jornalista do IPAM*

Foto de capa: Leonardo Maracahipes/IPAM**



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