Karina Custódio* e Mariana Abuchain**
Comemorado em 11 de fevereiro, o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência foi criado em 2016. Naquele ano, as mulheres representavam 28% de todos os cientistas no mundo. De lá para cá, esse número cresceu para 33,3%, conforme dados da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
No Brasil, as mulheres constituem 43,7% das pesquisadoras, de acordo com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Já no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), as mulheres são maioria, constituindo 63% dos analistas de pesquisa e pesquisadores da organização.
A divisão social e histórica do trabalho constrói estereótipos ligados ao feminino, dificultando a entrada e permanência de mulheres na ciência, que lidam com comentários sobre sua capacidade e desafios para alcançar cargos de liderança. Para entender o que leva uma menina a escolher uma área historicamente dominada por homens, conversamos com três pesquisadoras do IPAM. Cada uma delas contou detalhes do que as fez entrar e permanecer na carreira da ciência.
Raquel: de um livro de Horticultura até as políticas públicas

A menina Raquel, com 4 anos, se prepara para as quadrilhas em Belém do Pará.
O cotidiano de Raquel Poça, analista de pesquisa do IPAM, é ocupado pelo pensamento em políticas públicas para a Amazônia. Diariamente, ela analisa e cria novas propostas para ampliar a conservação do bioma. Formada em engenharia agronômica, a primeira coisa que a fez se interessar em ciência foi um livro de horticultura, que havia sido descartado e foi encontrado pelo pai.
Raquel só tinha cinco anos quando folheava o grande livro enquanto a mãe cozinhava. Por meio dele, entendeu que cada alimento continha seus nutrientes e se interessou por saber de onde eles vinham. A curiosidade a fez cursar a faculdade de agronomia, onde percebeu que a maioria dos colegas eram homens. Mais tarde, viu esse cenário se repetir no mercado de trabalho e na área de políticas públicas, onde atua.
“Ter mais mulheres na análise e construção de políticas impacta muita coisa! A mulher foi construída socialmente para ter esse olhar sobre o cuidado, e isso se reflete quando ela pensa em política pública, que nada mais é que criar condições de igualdade para a população poder viver melhor, em diferentes aspectos”, aponta Poça.
A pesquisadora relembra que, no passado, a ausência feminina impediu que mulheres tivessem acesso à terra, sendo raramente registradas como proprietárias de terrenos em áreas rurais. Apenas o nome do marido, considerado o chefe da família, ia parar nos documentos, complicando a vida de mulheres que se divorciavam ou se tornavam viúvas.
Raquel Poça, hoje pesquisadora, articula com diversos setores para influenciar positivamente as políticas públicas da Amazônia.
Segundo ela, esse cenário tem mudado. A política de reforma agrária, por exemplo, foi construída a partir da percepção de que, em geral, quando mulheres são as proprietárias dos lotes de assentamentos, eles não são vendidos nem esvaziados, tornando a política mais efetiva a longo prazo. Por isso, hoje, elas têm prioridade na destinação de terrenos.
Em sua trajetória pela pesquisa, Raquel enfrentou muitos desafios, mas também muitas vitórias, as quais pretende aumentar. Entre seus planos para o futuro estão dialogar ainda mais com os diversos atores e propor novas soluções para a Amazônia, influenciando a criação de cidades mais sustentáveis e uma produção rural mais equilibrada, respeitando a vida e diversidade da floresta.
Bianca: do mundo de Beakman à programação

A menina Bianca fotografada pela avó em Mato Grosso, onde vivem.
Para Bianca Rabelatto, agrônoma e analista de pesquisa no IPAM , o interesse pela ciência surgiu cedo. Sempre curiosa, assistia ao O Mundo de Beakman, programa de TV infantil voltado para experimentos científicos. Ao ser questionada pela professora sobre o que queria ser quando crescer, disse: “cientista!”.
No segundo ano do ensino médio, Bianca entendeu que gostaria de impactar o mundo positivamente. Daí surgiu a vontade de fazer algo relacionado à conservação e ao meio ambiente, e foi trilhando caminhos para isso.
Para ela, os desafios na ciência são muitos e, para as mulheres, existem ainda mais. “Na ciência de conservação você precisa ir a campo coletar dados e fazer entrevistas. Às vezes preciso falar de forma mais firme para que me deem credibilidade, só pelo fato de ser mulher”, relata.
Bianca, já pesquisadora, em intercâmbio como cientista visitante na Suíça.
Hoje, Bianca trabalha no projeto GALO (Global Assessments from Local Observations), do IPAM, produzindo análise de dados, por meio de programação. No projeto, está iniciando a aquisição de dados voltados para a produtividade agrícola, feita diretamente com os produtores. Com essas informações, cria gráficos exploratórios e os integra com os dados de produtividade agrícola para descobrir qual a relação da floresta com a produção do campo.
“Uma descoberta que me deixou muito feliz foi que as florestas têm uma relação positiva com a produtividade. Os dados que coletamos mostraram que o aumento da porcentagem de florestas reduz a quebra de safra e chance de maior produtividade”, explica. O resultado completo do estudo deve sair nos próximos meses.
Larissa: das aulas de biologia às mudanças climáticas

A menina Larissa se interessou por ciência graças às revistas de curiosidade e aulas de biologia.
Larissa Castro, analista de pesquisa no IPAM e bióloga, desde pequena soube que gostaria de seguir na área da pesquisa. “A primeira vez que me interessei pela área ambiental foi na aula de biologia, ainda na escola. Quando fiz minha primeira graduação, em Engenharia Ambiental, tive uma matéria sobre ecologia e foi aí que pensei: “é isso que quero estudar!”, relata.
Após se formar em biologia, ingressou no mestrado para estudar protozoários de vida livre e passou por desafios para publicar e, em seguida, se integrar ao mercado de trabalho. Hoje, diz ter se encontrado no trabalho que realiza no IPAM.
Além do mestrado, considera ter ministrado aulas como uma grande conquista profissional. “Agora eu quero continuar na área que eu estou, trabalhando com a questão do clima e desenvolvimento sustentável. Me encontrei nessa área que tem impacto social”, afirma.
Contribui em um projeto que estuda a migração das populações relacionadas à mudança climática. “Vamos às localidades, entrevistamos várias pessoas e representantes de sindicatos, associações e secretarias”, completa.
Como pesquisadora, Larissa trabalha com impacto social, entendendo como as populações reagem às mudanças climáticas.
Um dos objetivos do estudo é entender o que leva as pessoas a ficarem em suas localidades, mesmo com a ocorrência de eventos climáticos extremos, e como minimizar esses impactos. “Esse sentimento tradicional de ‘eu quero ficar aqui, viver nesse lugar, meus filhos vão viver aqui’, e como melhorar as políticas públicas para essas pessoas”, explica.
Para Larissa, um dos incentivos para que mais meninas se interessem pela ciência é conhecer mulheres que já fizeram a diferença no ramo.
Analista de comunicação do IPAM*
Estagiária da equipe de comunicação**