Por Lucas Guaraldo*
Durante o seminário “Mudanças Climáticas: uma abordagem interdisciplinar”, a pesquisadora Lívia Laureto, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), apresentou dados sobre a grilagem de terras na Amazônia causadas, principalmente, pelo uso irregular do CAR (Cadastro Ambiental Rural) e as consequências ambientais da ocupação irregular dessas áreas.
Entre 2019 e 2021, por conta da grilagem, mais da metade do desmatamento registrado na Amazônia brasileira ocorreu em terras públicas. A invasão de território da União tem sido o principal motor da aceleração do desmatamento amazônico, que saltou 113%, entre 2013 e 2022, segundo dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite).
“Para nós que trabalhamos com grilagem, o padrão já é muito claro. As terras são ocupadas, desmatadas e queimadas em sequência, frequentemente para a abertura de pastagens. A Amazônia hoje contribui com 77% das emissões brutas brasileiras por causa do desmatamento e das queimadas. Isso, em grande parte, é motivado e possibilitado pela grilagem de terras na região” destacou a pesquisadora.
Atualmente, mais de 100 mil imóveis rurais registrados no SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) estão sobrepostos, total ou parcialmente, a florestas públicas não destinadas, de acordo com levantamento do estudo Amazônia 2030. No total, 16 milhões de hectares se encontram indevidamente ocupados na floresta amazônica, uma área semelhante ao Uruguai.
“A gente vê uma tendência muito clara de concentração do desmatamento e dos focos de calor em áreas griladas dentro de florestas públicas da Amazônia. Fica nítido que o CAR tem sido usado de maneira fraudulenta como uma ferramenta de grilagem das terras públicas. A grilagem também foi responsável por 70% do desmatamento que ocorreu dentro de terras indígenas. Isso mostra que as fraudes no CAR atingem outras áreas além das florestas públicas”, apontou.
O seminário foi organizado pela Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente) em parceria com o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e com apoio do CNPG (Conselho Nacional de Procuradores-Gerais), em Brasília, nos dias 20 e 21 de setembro. Participaram das apresentações magistrados e representantes da sociedade civil, povos indígenas e institutos de pesquisa.
Fiscalização do impacto climático
Como forma de mitigar o uso irregular do CAR, pesquisadores do IPAM trabalharam junto ao MP para dimensionar o impacto ambiental do desmatamento ilegal de cada propriedade. A partir de uma análise geográfica das áreas desmatadas ilegalmente, é possível calcular e monetizar o impacto climático e as multas apropriadas para ação.
“Nós fizemos uma análise geográfica dessa propriedade e calculamos a densidade de carbono e a emissão de CO2 causada por esse desmatamento. Essa medida pode ser usada para justificar as multas e punir apropriadamente os responsáveis pelo desmatamento dessas áreas. A procuradoria forneceu para a gente a área de CAR que já estavam registradas em processos em andamento e, a partir daí, soubemos a área desmatada ilegalmente”, explicou Lívia Laureto.
Fraude no CAR
De acordo com estudo do Amazônia 2030, que contou com a participação de pesquisadores do IPAM, mais de 100 mil imóveis rurais registrados no SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) apresentam sobreposições totais ou parciais às florestas públicas não destinadas amazônicas. No total, as propriedades ocupam indevidamente uma área de 16 milhões de hectares.
Durante sua apresentação, Lívia destacou que 44% dos cadastros ilegais são referentes a grandes propriedades com mais de 15 módulos fiscais. O módulo fiscal é uma unidade de medida, em hectares, definido a partir das características do uso do solo em cada município. Na Amazônia, a maior parte dos municípios têm módulos fiscais de 100 hectares.
“É nítida a prevalência de áreas de grande porte. Quando a gente analisa esses registros para buscar os que têm o maior potencial de ser grilagem, a gente identifica que os registros dos imóveis rurais de grande porte geralmente têm indícios de grilagem. Não são pequenos produtores, mas sim pessoas que ocupam áreas muito grandes com intenções de desmatar e utilizar economicamente aquela terra”, concluiu.