“Enquanto povos originários, temos preocupação com essas promessas”

11 de novembro de 2021 | Notícias

nov 11, 2021 | Notícias

Coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Alberto Terena participou na quarta-feira (10/11) do debate “Como as leis de desmatamento da UE, do Reino Unido e dos EUA afetarão o Brasil”, realizado no espaço do Brazil Climate Action Hub na Zona Azul da COP26. Membro do Conselho Terena, ele trouxe à mesa o pensamento de povos indígenas diante das negociações globais pelo clima: “Enquanto povos originários, temos preocupação com essas promessas porque sabemos que as ações são outras”, disse, ressaltando que não se trata de proteger somente ecossistemas, mas também a vida das pessoas que neles habitam.

Terena chamou a atenção para a importância da representatividade indígena nas discussões. “Nós temos que ter a humildade de não ver o outro como inferior. Temos a nossa forma de viver, mas isso não quer dizer que estamos atrasados. Já foi falado que vivemos na pobreza porque vivemos na floresta, mas, para nós, a floresta é riqueza, é vida! Nossa representação dentro desses encontros mundiais, com nossa pequenez, é para que pelo menos vocês ouçam e ajudem de fato a preservar nosso planeta”, e cobrou: “Precisa ter rigor no que está sendo acordado, porque enquanto houverem outros interesses, vão continuar nos matando e destruindo a natureza.”

O evento foi moderado pela diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar. Participaram ainda o pesquisador no Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), Paulo Barreto; a ativista de Consumo e Produção Sustentáveis na FERN, Nicole Polsterer; o diretor executivo na EIA (Agência de Investigação do Meio Ambiente), Alexander von Bismarck; a diretora de Políticas na RSPB (Sociedade Real para a Proteção de Pássaros), Beatriz Luraschi; e a pesquisadora na divisão de Meio Ambiente e Direitos Humanos no Human Rights Watch (Observatório de Direitos Humanos, em português), Luciana Téllez Chávez.

Legislação internacional

Mudanças na regulamentação do comércio internacional da União Europeia, dos Estados Unidos e do Reino Unido visam impactar o mercado global de suprimentos para diminuir, ou até mesmo erradicar, a presença de produtos oriundos do desmatamento nas cadeias produtivas. Esse foi o ponto de partida da conversa, que teve como proposta protagonizar diversas vozes sobre as consequências dessas iniciativas regulatórias para o Brasil, para as populações tradicionais e para os povos indígenas.

“Estamos tentando criar consequências para as empresas mais poderosas do mundo, que se beneficiam em negócios, passando por cima dos objetivos das pessoas locais que protegem a terra e o meio ambiente. A luta vai continuar sendo local, porque nenhuma luta vai ser travada na alfândega europeia. A questão é como nós podemos utilizar essas ferramentas para fortalecer parcerias”, afirmou von Bismarck.

Definir e aprimorar

Em processo de estruturação, as novas regras carecem de detalhamento e podem não contemplar todas as atividades responsáveis pelo desmatamento ilegal no Brasil, alertou Luraschi. “A legislação do Reino Unido foi aprovada ontem e foi um grande momento, mas muito ainda precisa ser feito sobre como irá funcionar na prática. Existem limitações bastante graves e um dos exemplos é que outros ecossistemas do Brasil, que têm muita importância para a biodiversidade, talvez não estejam dentro da definição de ‘floresta’ no texto da lei, e não estariam protegidos.”

Outro ponto a ser definido diz respeito aos commodities que serão objeto da regulamentação britânica. “Acreditamos que somente soja e óleo de palma vão entrar na lei e isso não é suficiente. O Reino Unido tem uma pegada de carbono de couro e carne, que deveriam também ser incluídos”, destacou a diretora.

Para Barreto, a necessidade de legislações internacionais “é um sintoma de que nossas políticas nacionais são fracas e os países estrangeiros estão olhando para elas e dizendo que temos um problema”. Ele elencou passos que tornariam a lei brasileira eficaz – como rastrear o ponto de origem de desmatamentos -, uma vez que, como observado em estudos, pode ocorrer uma espécie de “escoamento” de derrubadas legalizadas para outras áreas não legalizadas.

A regulamentação das finanças também foi levantada pelo pesquisador: “A maior parte da carne produzida no Brasil é consumida aqui, e não será afetada por essas legislações. São empresas com capital aberto nas bolsas internacionais e seus acionistas estão financiando o desmatamento na Amazônia. Há uma necessidade de regulamentação das finanças da carne e da soja, porque a origem do desmatamento também está ligada ao mercado financeiro internacional.”

Valorizar o que vem da floresta

A diretora de Ciência do IPAM reconheceu o avanço nas legislações e pontuou que uma contrapartida seria ainda mais efetiva. “Além de criar barreiras para produtos que vêm do desmatamento, por que não tirar também as barreiras de produtos que vêm da floresta? Por que não comprar mais castanha do Brasil, valorizar e favorecer esses mercados?”, questionou Alencar.

Polsterer sugeriu que produtos de zero desmatamento devem ser priorizados e melhor remunerados. “Se comprovado que o produto é feito sem nenhum tipo de desmatamento, isso deverá ser levado em conta na hora de uma licitação, por exemplo, para dar um preço melhor. Assim, construímos cadeias produtivas de confiança diretamente com as comunidades que trabalham com esses produtos, para detectar não somente onde estão os problemas, mas também as áreas que são soluções.”

Direitos humanos

Apesar de reconhecido internacionalmente, lembrou Téllez Chávez, o direito de populações tradicionais a serem consultadas sobre empreendimentos que envolvem seu local de moradia não é oficialmente reconhecido pela Constituição brasileira. O direito à Consulta Livre, Prévia e Informada garante que populações tradicionais participem da discussão e do planejamento de projetos na região de seus territórios – e que tenham autonomia para decidir, inclusive, pela continuidade ou não das atividades.

“No caso brasileiro, já foi dito oficialmente que indígenas não precisam mais de terra”, disse a pesquisadora, “outros países deveriam considerar o impacto aos direitos humanos em suas avaliações de risco para investimentos e parcerias, para que as partes envolvidas busquem justiça e compensação.”

Acompanhe a agenda que o IPAM preparou para levar à Conferência.

E confira a programação do Brazil Climate Action Hub para participar virtualmente de eventos que ocorrem no espaço em Glasgow, na Escócia, até 12 de novembro.

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