Por Lucas Guaraldo*
Em reunião com a ministra Marina Silva e servidores do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, lideranças locais apresentaram material com demandas e vivências das populações tradicionais e agricultores familiares sobre as áreas de destinação de terras públicas federais. O estudo elaborado por lideranças e pesquisadores foca na destinação de áreas públicas no sul do Amazonas como estratégia de combate ao desmatamento e à grilagem na região, além de identificar demandas em áreas já destinadas dentro dos municípios. O objetivo é chamar a atenção para as demandas sociais e subsidiar políticas de destinação e regularização fundiária nos municípios.
Apesar da redução de 50% do desmatamento na Amazônia em relação ao ano anterior, municípios do sul do Amazonas viram o desmatamento aumentar em 2023. Segundo os pesquisadores envolvidos no projeto, a destinação de terras públicas para conservação poderá reduzir drasticamente o desmatamento e as emissões decorrentes da derrubada de florestas, protegendo a biodiversidade local e os recursos naturais.
“Com esse estudo, é possível calcular as emissões de carbono que deixam de acontecer como consequência da destinação dessas áreas e também mapear as espécies e nascentes protegidas por esse processo. Percorremos esses municípios e vimos lugares que perderam 80% do espelho d’água. Esse sumiço dos rios, em especial no Cerrado, mas que também afeta o sul do Amazonas, é preocupante. Sem água, não vamos a lugar nenhum”, destacou Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e um dos autores do estudo.
A pesquisa contou com a participação de cientistas do IPAM, IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil), WCS (Wildlife Conservation Society), Idesam e Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas (ADSSA). Relatos dos moradores foram coletados durante a oficina “Construindo soluções sustentáveis e coletivas sobre as áreas não destinadas do Sul do Amazonas”, que mapeou as demandas focadas, principalmente, nas Florestas Públicas não Destinadas da região.
Escuta popular
Durante o processo de coleta, foram ouvidos representantes locais de oito municípios: Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Novo Aripuanã e Pauini. Ao todo, a área incluída nas demandas da população chega a 9.5 milhões de hectares de floresta amazônica que podem ser destinados para a conservação, criação de assentamentos, demarcação de terras indígenas ou regularização fundiária.
Participantes da dinâmica também relataram casos de violência sofridos por pequenos produtores, indígenas e comunidades tradicionais em decorrência da invasão e grilagem de terras públicas. Dentre os principais ataques sofridos pelos moradores estão tentativas de assassinato e intimidação de lideranças rurais, depredação ambiental e expulsão de moradores.
Para garantir que as demandas populares fossem devidamente registradas, houve a inclusão da metodologia de Espaços Públicos Socioambientais junto a cartografia social, baseada na consulta participativa e na representatividade das demandas sociais. Também foram ministradas oficinas de direito fundiário, com o objetivo de explicar o histórico fundiário brasileiro e desenvolver um mapeamento social que desse mais visibilidade às populações fragilizadas das demandas em seu território.
“As atividades possibilitaram a autonomia de lideranças, que indicaram nos mapas uma grande diversidade de informações sobre o território que ocupam. Foram apontados conflitos, localização de povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e atividades econômicas, assim como a necessidade de reconhecimento, regularização fundiária e a destinação de áreas públicas desses territórios. Tanto a oficina de direitos fundiários quanto a de cartografia participativa foram importantes para dar voz às lideranças, mas também ajudaram na maior compreensão sobre o espaço que ocupam”, destacam Josimar Fidelquino, secretário executivo da ADSSA e Rebecca Maranhão, pesquisadora do IPAM que também assina a nota.
As atividades também serviram para evidenciar ainda mais o avanço do desmatamento no sul do Amazonas. Entre 2020 e 2022, a região passou por um intenso processo de derrubada de vegetação nativa, em especial nos municípios de Apuí e Lábrea. O estudo também identificou assentamentos, imóveis rurais e as Florestas Públicas Não Destinadas como áreas críticas para o desmatamento na região.
Florestas Públicas Não Destinadas
As Florestas Públicas não Destinadas fazem parte do Cadastro Nacional de Florestas Públicas e ocupam uma superfície de 57,5 milhões de hectares, mais do que a área da Espanha. Por lei, elas devem permanecer como florestas e públicas, voltadas para conservação, ocupação indígena ou para uso sustentável de seus recursos, em especial pelas populações originárias e tradicionais.
A falta de um uso definido e a demora na destinação destas florestas, contudo, coloca-as na mira de grileiros e, consequentemente, do desmatamento ilegal, dos crimes ambientais e dos conflitos agrários. Segundo dados do IPAM, cerca de 50% do desmatamento da Amazônia Legal ocorre em terras públicas – dois terços do desmatamento em terras públicas da Amazônia em áreas com o CAR (Cadastro Ambiental Rural) fraudado.
Jornalista do IPAM, lucas.itaborahy@ipam.org.br*