Anna Júlia Lopes*
O desmatamento é o principal responsável pela redução das chuvas na Amazônia Legal nas últimas décadas. Estudo publicado na revista Nature Communications mostra que a derrubada da floresta responde por 74% da queda de precipitação na estação seca registrada nos últimos 35 anos, além de contribuir para 16,5% do aumento da temperatura máxima do ar na região. O artigo foi liderado pela USP (Universidade de São Paulo) e contou com a participação do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Os pesquisadores analisaram dados coletados entre 1985 e 2020 e identificaram que a combinação entre desmatamento e mudança climática global está transformando a floresta.
Julia Shimbo, pesquisadora do IPAM e coordenadora científica da rede MapBiomas, foi uma das autoras da publicação. Ela explica que o trabalho tentou, de forma inédita, esclarecer o que está acontecendo com o clima da Amazônia.
Segundo Shimbo, para obter o resultado do artigo, foi feito um cruzamento de dados históricos de mudança de uso da terra e desmatamento com dados de clima (temperatura e níveis de chuva). Conforme a Coleção 10 do MapBiomas Brasil, lançada em agosto, a Amazônia perdeu quase 50 milhões de hectares nos últimos 40 anos, ou seja, uma perda de quase 15% da vegetação nativa da floresta.
A partir desta pesquisa, os dados de cobertura e uso da terra com dados climáticos de temperatura e precipitação serão disponibilizados na nova plataforma do MapBiomas, também lançada em agosto, de forma aberta e gratuita, possibilitando a visualização do cruzamento destes dados entre outros. O lançamento do novo módulo, chamado MapBiomas Atmosfera, está previsto para acontecer ainda neste ano, antes da COP, em Belém.
O artigo mostra que as áreas mais preservadas seguem relativamente estáveis, mas que o chamado arco do desmatamento já enfrenta aumento das secas, calor mais intenso e risco de alteração do regime climático.
O alerta vem em um momento crítico. Em 2024, o Brasil registrou a maior seca da sua história, com impactos severos na agricultura, na geração de energia e no abastecimento de água em diversas regiões. Na ocasião, a Amazônia enfrentou uma das secas mais severas já registradas, exacerbando uma crise ambiental na região, com uma combinação de níveis baixos de precipitação, temperaturas elevadas e o uso descontrolado do fogo.
“Tendo um cenário de mais desmatamento, aumento de temperatura e menos chuva, a gente tem — além da perda de vegetação — uma floresta mais suscetível ao fogo e mais suscetível à degradação. A floresta vai perdendo a sua resiliência climática para se preparar frente às mudanças climáticas globais”, afirma Shimbo, que cita o chamado “efeito martelo”, conceito citado em artigo anterior do IPAM que trata de uma alta pressão nos ecossistemas, resultando na perda de grande parte da biodiversidade e dos serviços da floresta.
Segundo os autores do estudo, a perda de cobertura florestal afeta diretamente o ciclo da água, reduzindo a umidade que sustenta as chuvas no próprio bioma e em outras partes do continente. Esse processo aumenta a vulnerabilidade da Amazônia a incêndios florestais, prejudica a agricultura e ameaça a segurança alimentar global.
Como já abordado pelo IPAM em diferentes ocasiões, a floresta é responsável por irrigar a agricultura brasileira através do seu regime de chuvas, já que mais de 90% do agronegócio no país não tem sistema de irrigação próprio. Com o desmatamento da Amazônia, a redução das chuvas compromete as plantações no país e no restante do continente, afetando a produção agrícola e colocando em risco o fornecimento mundial de alimentos.
De acordo com a pesquisadora, além de afetar a agricultura brasileira, uma Amazônia mais quente e mais seca cria um “efeito cascata”, impactando ainda os povos e comunidades tradicionais que dependem dos serviços da floresta.
Na avaliação de Shimbo, a meta principal, no momento, é zerar o desmatamento na região. Depois, ela diz, as prioridades devem ser garantir que as unidades de conservação e os territórios indígenas sejam devidamente protegidos; e incentivar o setor privado a buscar estratégias para um manejo mais sustentável da floresta — levando em conta que a maior parte da área desmatada ocorre em propriedades rurais privadas.
Outro ponto também citado pela ecóloga são as FPNDs (Florestas Públicas Não Destinadas). Como estudos do IPAM já mostraram, a crescente ocupação ilegal dessas áreas é hoje um dos maiores motores do desmatamento na Amazônia. Shimbo defende uma destinação urgente para essas florestas, que são consideradas mais vulneráveis justamente por ainda não terem uma destinação determinada legalmente.
*jornalista do IPAM

