Comunicação e artes têm papel-chave para a luta dos povos indígenas

1 de novembro de 2021 | Notícias

nov 1, 2021 | Notícias

O terceiro ciclo de debates do Amazoniar, que teve como tema “Cultura e arte dos povos indígenas como forma de resistência”, chegou ao fim na quinta-feira (21/10). Durante o último encontro, o comunicador Erisvan Guajajara e a artista plástica Daiara Tukano abordaram um ponto que outros convidados – como Denilson Baniwa e Daniel Munduruku – levantaram ao longo deste ciclo: o índio não é um ser do passado. Pelo contrário, as comunidades indígenas estão usando várias tecnologias para contar a história sob sua perspectiva e levar suas mensagens para mais pessoas.

A Mídia Índia é um exemplo disso. Fundado em 2017, o coletivo formado por jovens comunicadores indígenas surgiu com a proposta de dar visibilidade a povos tradicionais na luta e na resistência por seus direitos. “Estamos usando ferramentas de comunicação a que não tínhamos acesso antigamente e as usamos para denunciar, registrar e dizer ao mundo que ainda precisa conhecer a verdadeira história do povo indígena. Buscamos dar visibilidade ao indígena do século 21: o indígena jornalista, professor, médico, deputado”, disse Guajajara, um dos criadores do coletivo.

Presente em todas as plataformas digitais, a iniciativa conta atualmente com 200 colaboradores de diferentes povos e tem contribuído muito para a união e mobilização dos indígenas. “Temos que fortalecer essa união e nossos modos de defesa com campanhas, vídeos e produção de conteúdo para mostrar o que vem acontecendo nas bases. A luta dos nossos povos não garante só a vida dos povos indígenas, mas do planeta e da humanidade”, destacou.

Tukano relembrou como a comunicação contribuiu para a integração e fortalecimento dos movimentos indígenas. “Uma vez achei no projeto Armazém Memória documentos do primeiro jornal Kaingang de Porto Alegre, feito no mimeógrafo e desenhado à mão, chamando os parentes para a luta com aquilo que tinha acesso. Se nós temos direitos hoje constituídos, isso veio de uma luta maravilhosa e muito peculiar”, contou. “Essa articulação dos povos indígenas traz a inteligência de podermos trabalhar muito bem juntos dentro da diversidade e pluralidade.”

Veja o vídeo do encontro “Perspectiva indígena: os povos tradicionais através da fotografia e do audiovisual” na íntegra:

A arte como símbolo de resistência e afeto

As diversas expressões artísticas também são uma linguagem para comunicar todo o conhecimento tradicional dos povos indígenas e suas mensagens de resistência. Autora da maior obra de arte indígena contemporânea do mundo – “Selva Mãe do Rio Menino”, mural nas paredes do Edifício Levy, em Belo Horizonte (MG) -, Tukano buscou mesclar nessa pintura a história da exploração extrativista em Minas Gerais e a resistência dos povos da região.

“De todos os estados brasileiros, acho que Minas é o que tem o pior nome: são mineiros, garimpeiros. Essa história da exploração da terra nos machuca na nossa memória indígena. É uma região que viveu um fortíssimo genocídio e ainda tem povos que, lamentavelmente, precisam enfrentar o luto pelo assassinato dos rios, como foi o episódio do Rio Doce”, contou. “BH tem algo que não sei se é ironia ou cinismo: metade das ruas tem nome dos estados e elas são cruzadas por ruas que têm nomes de povos indígenas – que o pessoal só ouve falar pela placa, mas não faz ideia de quem são. Então, pensei em como eu poderia somar à luta dos parentes que são de lá, sendo uma pessoa de outro lugar.”

Embora a obra de Tukano retrate episódios de violência, ela também conta com um ingrediente especial: o afeto. “Aprendi que o Rio Doce / Uatu é o avô do povo Krenak. Meu avô já estava no final da vida, com 110 anos de idade, e eu fiquei pensando muito na sua infância, que, evidentemente, foi diferente da que eu tive. Mesmo tendo crescido na cidade, eu pude pular no rio, brincar, ter uma alegria que é o relacionamento afetivo com o nosso rio”, disse. “Acredito profundamente que a nossa luta se tece justamente através deste afeto, do pertencimento aos nossos povos, à nossa família, mas também ao nosso território como família. É apenas através do afeto que a gente pode “cavucar” mentes e corações daqueles que estão um pouco desligados, para que também aprendam a amar a vida. É disso que estamos falando o tempo inteiro enquanto movimento indígena: amar e respeitar a vida.”

Atitudes que ajudam a dar visibilidade e a quebrar estereótipos

São simples e diversas as formas como a sociedade pode ajudar a dar visibilidade e a quebrar estereótipos. Para Erisvan, além de compartilhar os trabalhos feitos pelas organizações, veículos de comunicação e coletivos indígenas, é fundamental educar as crianças de modo a evitar a reprodução de comportamentos pejorativos. “No dia do índio, por exemplo, não pinte as crianças na sala de aula. Coloque-os para assistir um filme que conte sobre a realidade dos povos indígenas hoje, use livros que falem do enfrentamento dos direitos e defesa das marcações de terra”, recomendou.

A educação deve incluir, ainda, a não violência e estimular o conhecimento sobre outros povos. Segundo Tukano, o fundamental é respeitar e dar espaço ao protagonismo e à autonomia dos povos indígenas. “A gente tem que quebrar essa dinâmica de relacionamento abusivo em que outros se apropriam de nossa cultura e se colocam como protagonistas o tempo inteiro. Estamos justamente fazendo parte de uma geração que preza, constrói e cultiva essa autonomia de falar por nós mesmos em todos os espaços. Espalhe a mensagem: povos indígenas existem e resistem”, concluiu.

Sobre o Amazoniar

O Amazoniar é uma iniciativa do IPAM para promover um diálogo global sobre a floresta amazônica e sua influência nas relações entre o Brasil e o mundo.

O primeiro ciclo da série focou nas relações comerciais entre Brasil e Europa. O segundo abordou o papel dos povos indígenas no combate ao desmatamento e na conservação da floresta, sua contribuição para a ciência e para a cultura, bem como seu impacto no desenvolvimento sustentável da região. Já o terceiro, que aconteceu entre setembro e outubro de 2021, teve como foco “Cultura e arte dos povos indígenas como forma de resistência”.

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