Por Bibiana Alcântara Garrido*
Os irmãos Sophia Mota e João Victor Mota começaram a fotografar o projeto de restauração florestal da aldeia Jauarituba, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no Pará, em maio deste ano. Poucos meses depois das primeiras captações de imagens, os dois acabaram filmando um incêndio por fogo acidental que destruiu o plantio.
Estudantes do 1° ano do Ensino Médio na escola Nossa Senhora de Fátima, localizada em Jauarituba, eles fazem parte do Coletivo Audiovisual Tupinambá, uma iniciativa da comunidade escolar voltada à produção de conteúdo sobre a vida na Resex. Neste caso, o trabalho também acabou por mostrar o desafio do combate ao fogo na região.
“A gente tirou foto lá tudinho. Estava tudo plantado, bonito já o cacaueiro. Só que a gente teve que voltar depois, outro dia, e já tinha começado a pegar fogo. As árvores no caminho, na beira da estrada, estavam todas pegando fogo, só que não era um fogo muito alto ainda. A gente viu um bocado de fumaça que vinha de dentro do mato. Nessa hora, a vimos uns porcos fugindo também”, conta Sophia, durante conversa em frente à sua escola em Jauarituba.
“O fogo já tinha devastado quase tudo. Lá onde os porcos estavam tinha queimado, a gente sentia que estava quente. Era só cinzas. Dava para ver as patinhas deles todas queimadas”, acrescenta Victor.
As chamas se espalharam por Jauarituba depois que um fogo de roçado saiu do controle. O uso tradicional do fogo por povos e comunidades, por vezes, prevê a queima do solo para o preparo da roça. Ocorre que esse manejo deve ser acompanhado de medidas de prevenção e controle, para que não haja o risco de o fogo escapar e atingir a vegetação nativa.
O Manejo Integrado do Fogo inclui envolvimento comunitário e planejamento para, por exemplo, realizar a queima da roça levando em conta fatores como o calor, vento e a umidade, com auxílio de aceiros para bloquear a passagem do fogo. Em Jauarituba, a comunidade se prepara para aprimorar as práticas diante das previsões de uma seca extrema em 2024.
Sophia e Victor registraram a área queimada e a fuga dos animais perto do Observatório Tupinambá, nome dado ao projeto de restauração na aldeia. Chegando em casa, lembram, foram logo contar aos pais a cena que haviam presenciado, mas os mais velhos só acreditaram depois de ver a gravação.
Já era mês de setembro. O incêndio só viria a ser completamente apagado em novembro, com o apoio das brigadas do Prevfogo, do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e dos bombeiros.
Foram em torno de 1,6 mil hectares de floresta queimados por incêndio, segundo dados a Coordenação de Manejo Integrado do Fogo do ICMBio. Thiago da Costa Dias, analista ambiental e chefe substituto da Resex, atuante como ponto focal do Manejo Integrado do Fogo na unidade de conservação, comenta que foram 49 dias de combate e mais de 150 pessoas envolvidas. O valor total da operação foi calculado em R$ 4,5 milhões, aproximadamente.
“Nós também contamos com o apoio de brigadas comunitárias voluntárias, formadas em cursos do ICMBio. Ano passado, participaram dos combates e foram fundamentais, sendo elas as brigadas de Anã, de Maripá e a brigada Guardiões do Território Kumaruara – essa última, indígena e formada principalmente por mulheres. Além das brigadas, comunitários e aldeados também foram importantíssimos no combate, auxiliaram guiando equipes em campo, participando do monitoramento dos incêndios controlados, apoiando na logística e carregando equipamentos”, lembra Thiago.
Em Jauarituba, casa de Sophia e Victor, os moradores contam que ainda não têm suas brigadas voluntárias – essa é uma das principais demandas da aldeia: receber formação e instrução para atuar na prevenção e no combate a incêndios. O vídeo produzido pelo Coletivo Audiovisual Tupinambá, inicialmente pensado para a inscrição em um concurso cultural do ICMBio, ajudou a informar a região sobre o manejo do fogo na Resex.
Além do custo financeiro, as perdas para a população local envolvem também a segurança alimentar, com comprometimento de espécies nativas usadas para a alimentação, como a maniva, bacaba, o uxi, cumaru e cupuaçu; além de animais como porcos, jabutis, cutias e cobras.
Com o título “A Resex e seus instrumentos de gestão territorial, mudanças climáticas e manejo integrado na UC”, o trabalho está na sequência de outros vídeos divulgados pelo coletivo, com foco também em temas como a seca.
“Temos que parar de poluir nosso meio ambiente na terra e no rio também. Quem sofre são os peixes, que são uma das nossas fontes de alimento. E se formos poluir lá, vão acabar sendo extintos. Se desmatar a floresta, os animais vão para longe, e como a gente vai sobreviver?”, questiona Victor.
Para o estudante, que quer ser veterinário, e Sophia, que deseja se formar engenheira florestal, as ferramentas audiovisuais foram úteis para mostrar o que estava acontecendo. Ambos pretendem continuar produzindo novos materiais, mas destacam que precisam de equipamentos, como celulares com mais recursos e capacidade.
Os irmãos relatam que ano passado foi a primeira vez que viram um incêndio dessas proporções. “É muito triste, né?”, comenta Victor, ao se referir às mortes de animais. O futuro também os preocupa, com condições climáticas que podem criar ambientes mais secos e suscetíveis ao fogo.
“Podia melhorar se a gente pudesse parar de desmatar e plantar mais árvores frutíferas, que elas dão a sombra para a gente poder descansar à tarde. A natureza precisa evoluir, não diminuir”, complementa Sophia.
*Jornalista de ciência do IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br