Brigadistas Kalungas contribuem para transformar manejo do fogo no Cerrado

18 de setembro de 2023 | Notícias

set 18, 2023 | Notícias

Por Bibiana Alcântara Garrido*

“O tempo de antigamente não é como hoje, né? As brigadas vão evoluindo, buscando os conhecimentos da comunidade e passando as novas técnicas. O clima está totalmente diferente, então a gente vai atualizando e desenvolvendo um bom serviço para o território”, diz José Gabriel dos Santos Rosa, supervisor de brigadas estadual do Prevfogo em Goiás e responsável pelas brigadas quilombolas no território Kalunga.

José Gabriel, supervisor de brigadas do PrevFogo em Goiás (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

Gabriel integra a brigada do povoado de Engenho II desde a primeira turma. Aos 21 anos, tinha acabado de concluir os estudos quando apareceu a oportunidade. “É um serviço de suma importância, não só para o território onde eu vivo, mas mundialmente. O fogo, a mudança climática… está no mundo todo. Mas o mais importante que eu vejo é preservar o meu território. A gente não pode deixar acabar. Se é preservado, é porque nossos anteriores cuidaram, então acredito que nossa missão é continuar o trabalho”, afirma.

O Sítio Histórico Kalunga é o maior quilombo do país em extensão, com mais de 261 mil hectares que se distribuem pelas cidades de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás. Da área total, 83% está coberto por vegetação nativa, o que indica o papel da comunidade na proteção do Cerrado. O estado de Goiás, por sua vez, tem 30% de vegetação nativa remanescente. Os dados são de uma análise do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) a partir da plataforma da rede MapBiomas.

Apoio à comunidade

Em atividade desde 2011, as brigadas Kalungas contribuíram para a transformação do manejo do fogo no bioma: a conexão entre saberes ancestrais quilombolas e técnicas adaptadas a um clima em mudança resultou na diminuição dos impactos negativos de incêndios descontrolados no território e no fortalecimento de uma visão integrada do fogo.

Se a comunidade tinha o costume tradicional de fazer queimas em suas roças familiares, direcionadas ao plantio de subsistência, conta Gabriel, o trabalho das brigadas funcionou como prevenção e educação ambiental para que essas queimas fossem feitas de forma controlada, perto da época de chuvas, com acompanhamento dos brigadistas.

“A gente começou a apoiar a comunidade, colocando para eles que o clima mudou e que não chove mais como antes, aí foram observando e se adequando às normas. Hoje tá assim: se o pessoal quer fazer uma queima na roça, a primeira coisa que fazem é procurar a brigada para ter informações”, explica o supervisor.

Relação com o fogo

Diferente de outros ecossistemas, o Cerrado é um bioma que pode se beneficiar do fogo natural – ocorrido na transição das estações seca e chuvosa, causado por raios, de menor frequência e intensidade – ou das queimas prescritas para controle de material inflamável, como folhas e galhos secos no solo, que poderia alimentar incêndios descontrolados de grande proporção. Esses, por sua vez, sejam causados por acidentes ou intencionalmente criminosos, têm impacto negativo no bioma.

Brigadistas Kalungas durante combate ao fogo (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

“A contribuição de povos e comunidades tradicionais, como os Kalungas, na conservação do Cerrado foi e é fundamental para a manutenção dos serviços ecossistêmicos prestados pelo bioma, como a distribuição de água pelo nosso país. É preciso ter um olhar atento e políticas mais bem direcionadas para que essas pessoas possam ter melhores condições de vida e de trabalho, para que as culturas sejam respeitadas e para que outros modelos socioeconômicos, em harmonia com o meio ambiente, tenham condições de se desenvolver plenamente”, avalia Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM.

Mais da metade da vegetação nativa do Cerrado desapareceu entre 1985 e 2022: no lugar das áreas desmatadas, agricultura e pastagem cresceram 520% e 51%, respectivamente. Ainda de acordo com análise do IPAM, a partir da plataforma MapBiomas Brasil, 62% da vegetação nativa ainda viva no bioma está dentro de propriedades rurais particulares. Apenas 12% está em unidades de conservação e terras indígenas. Outros 13% se encontram em vazios fundiários, áreas sem informações de uso ou categoria fundiária.

Propriedades rurais privadas concentram 68,2% da área queimada no bioma nesses 38 anos, sendo os estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão com maior ocorrência de fogo. No território Kalunga, a maior recorrência na área queimada está nas proximidades da rodovia GO-241 e das cidades de Cavalcante e Araí.

Imersão no território

Entre 11 e 14 de setembro, o IPAM realizou uma imersão sobre o Cerrado no território em parceria com a comunidade Kalunga, pesquisadores, o Prevfogo e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Foram convidados representantes da imprensa e criadores de conteúdo.

“O objetivo foi proporcionar uma troca de experiências entre pesquisadores do IPAM, comunidade local, pesquisadores da Universidade Estadual de Goiás, Ibama e comunicadores sobre aspectos do fogo no Cerrado”, comenta Carolina Guyot, pesquisadora no IPAM e na iniciativa Tô no Mapa.

Visita à área queimada (dir.) em atividade prescrita, pela brigada quilombola de Engenho II (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

A classificação de dados de área queimada foi um dos temas discutidos. Pesquisadores, brigadistas e comunidade local concordam que o mapeamento das cicatrizes de fogo no Brasil pode ser melhorado com mais informações sobre as queimas prescritas no Cerrado, previstas dentro do MIF (Manejo Integrado do Fogo), de maneira a diferenciar esses registros, captados por imagens de satélite, das ocorrências de incêndios, por exemplo.

Para Gabriel, o compartilhamento também mostrou resultados do trabalho das brigadas. “É uma troca muito importante que traz novos conhecimentos, novas formas de avaliar os resultados das pesquisas feitas dentro do território. É de suma importância a gente ver como está mantendo preservado o território, com as queimas nas épocas certas. A gente também tenta repassar um pouco do que a gente sabe. Isso é de grande valia não só para o território, mas para todos os envolvidos”.

O Prevfogo mantém cinco brigadas para atuar na prevenção, controle e combate a incêndios florestais e vegetacionais na região do Cerrado Kalunga. São cerca de 75 brigadistas baseados no município de Cavalcante, onde fica a maior porção do quilombo.

 

*Jornalista de ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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