Agricultura familiar

De acordo com a legislação (Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006), agricultor familiar é o empreendedor familiar rural que pratica atividades no meio rural e:

  • Não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
  • Utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
  • Tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;
  • Dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2006, o Brasil tem 4.367.902 estabelecimentos rurais familiares, que representam 84,4% de todos os estabelecimentos rurais do país. Eles ocupam 24,3% da área destinada a essas propriedades, equivalente a 80,25 milhões de hectares, cobertos por pastos (45% dessa área), florestas (28%) e plantios (22%).

A produção familiar responde por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 59% do rebanho suíno, 50% de aves e 30% da população de gado bovino. Nota-se, portanto a importância e garantia de investimento nesse setor da produção.

Modelo produtivo e desmatamento

O processo histórico de ocupação da região de influência da rodovia Transamazônica (BR-230) nas últimas décadas promoveu a perda significativa de grandes extensões de florestas e da sua capacidade de prover serviços ambientais múltiplos. As altas taxas de desmatamento para o estabelecimento de atividades produtivas baseadas, principalmente, na pecuária extensiva e na agricultura de corte-e-queima, pouco têm contribuído para a melhoria na qualidade de vida da população local.

A falta de oportunidades que viabilizem um novo modelo produtivo para a região voltado para a intensificação da produtividade e rentabilidade justifica este cenário, caracterizado pela constante necessidade de abertura de novas áreas de florestas para o estabelecimento de pastagens e culturas anuais, as quais são abandonadas após cinco a oito anos, e onde o fogo entra como principal ferramenta de manejo.

De forma a apoiar iniciativas que promovam uma mudança efetiva no modelo de desenvolvimento rural na região, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) vem, desde 2001, em parceria com a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) e lideranças rurais da região da Transamazônica, colaborando tecnicamente para a elaboração e a implementação de projetos focados na promoção da redução do desmatamento na região, adoção de alternativas produtivas sustentáveis e melhoria na qualidade socioambiental.

Uma das principais contribuições do IPAM se deu na elaboração e consequente processo de adoção como política pública do governo federal, em 2004, da proposta conhecida como ProAmbiente. Este nasceu de uma demanda dos movimentos sociais, voltado para o fortalecimento da agricultura familiar na região a partir do manejo integrado das propriedades e da compensação pelos serviços ambientais prestados. Apesar de inovador, o Programa ProAmbiente, nunca foi operacionalizado e consolidado por diversas razões, entre elas, a falta de um marco legal que permitisse o pagamento pelos serviços ambientais prestados pelo produtor, a falta de continuidade de assistência técnica e a perda de prioridade do programa na agenda do governo federal.

A partir daí, o IPAM em parceria com a FVPP e com apoio da Embaixada dos Países Baixos, promoveu um estudo na região, entre 2007 e 2008, para entender o potencial destes produtores registrados no ProAmbiente na promoção de reduções de emissões causadas por desmatamento e queimadas em suas propriedades.

O IPAM, acreditando na valorização desse setor, vem trabalhando com agricultores familiares da Amazônia, especificamente nas áreas de influência do Xingu e da Transamazônica.

A descrição de alguns dos projetos do IPAM encontra-se a seguir.

Projeto desmatamento evitado em pequenas propriedades rurais na região da rodovia Transamazônica

A proposta nasceu de uma demanda dos próprios movimentos sociais da Amazônia, que sentiam a necessidade de valorizar um novo papel da produção familiar para o desenvolvimento rural na Amazônia. O conceito inovador da proposta está no papel que passa a ser representado pelo produtor familiar, deixando de ser apenas fornecedor de produtos primários, adquirindo um caráter multifuncional que associa produção econômica, conservação do ambiente e prestação de serviços ambientais.

O projeto teve como objetivo estabelecer uma iniciativa de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD) na região do polo do ProAmbiente[2] da Transamazônica, que compreende os municípios de Senador José Porfírio, Anapu e Pacajá, e está inserido na mesorregião Sudoeste do Estado do Pará.

Programa PetrobrasAmbiental – Recuperação produtiva de pequenas propriedades na rodovia Transamazônica (BR-230):

Passados 30 anos do estabelecimento dos grandes projetos de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ao longo da rodovia Transamazônica, a pressão demográfica, os processos sucessórios e a falta de alternativas econômicas sustentáveis pressionam as pequenas unidades familiares a avançar sobre suas áreas de preservação legal.

O Projeto Petrobras Ambiental, que começou em dezembro de 2009 e durou dois anos, tinha por objetivo frear esse processo, via implantação de sistemas agroflorestais (SAFs) já testados pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), centrados na cultura do cacau, mas capazes ao mesmo tempo de fixar carbono, aumentar a renda das unidades familiares e adequá-las às práticas de preservação legalmente exigidas.

O projeto atuou em assentamentos do Incra ao longo da Transamazônica, nos municípios de Altamira, Uruará, Medicilândia e Anapu, no estado do Pará.

Construção de arranjo associativo intermunicipal entre municípios da Transamazônica

A fim de ampliar a escala dos projetos envolvendo comunidades de agricultores familiares na região e envolver o poder público local nos esforços de combate ao desmatamento e queimadas na região, o IPAM, em parceria com a FVPP, iniciou em 2008 um intenso processo de debate e conscientização nas secretarias de meio ambiente e agricultura de cinco municípios: Altamira, Anapu, Brasil Novo, Pacajá e Senador José Porfírio.

Esta iniciativa do IPAM, apoiada pela Embaixada Britânica, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e, mais recentemente, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, focou primeiramente na sensibilização do poder público local e movimentos sociais da região sobre a relação entre fogo, desmatamento e mudanças climáticas e seus impactos, de forma a motivar a construção participativa de estratégias capazes de reduzir as emissões de gases de efeito estufa associadas às mudanças de uso da terra.

Numa escala maior, esta proposta também busca viabilizar a efetiva adoção de um novo modelo de desenvolvimento rural para a região baseado em alternativas produtivas sustentáveis, que garantam a segurança alimentar das populações, a conservação dos recursos naturais, o melhor aproveitamento das áreas já abertas com emprego de novas tecnologias e intensificação da produtividade, reduzindo significativamente a pressão sobre áreas de floresta em pé e, com isso, a valoração de serviços ambientais.

A união destes municípios em um arranjo associativo intermunicipal é uma oportunidade de efetivar a redução do desmatamento e obter maiores receitas com a preservação, incluindo o acesso a fundos nacionais e internacionais relacionados a mudanças climáticas, como o Fundo Amazônia, o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas, entre outros. Esses possíveis recursos devem servir para a efetivação de um modelo de desenvolvimento rural diferenciado, baseado na manutenção da floresta em pé, que possa se tornar uma referência para a região amazônica e para os diferentes países detentores de florestas tropicais.

O arranjo cresceu para a formação do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da Transamazônica e Xingu (CIDS), que atualmente conta com 12 municípios.

Assinatura do memorando de intenções entre os cinco municípios

Com o objetivo de estabelecer uma primeira formalização da parceria institucional, os cinco municípios assinaram o “Memorando de Intenções para a Construção de Arranjo Intermunicipal para um Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável Baseado na Redução de Desmatamento e Queimadas”, se comprometendo a no prazo de até 12 meses:

  • Estabelecer um modelo de arranjo institucional intermunicipal que viabilize ações estratégicas integradas para a redução do desmatamento e queimadas;
  • Definir estratégias conjuntas para a redução do desmatamento e queimadas;
  • Encaminhar os procedimentos legais para garantir a formalização deste arranjo institucional;
  • Elaborar um plano de trabalho conjunto incluindo a concepção de um Programa REDD.

Parceria com o CIFOR (Center for International Forestry Research)

A partir de uma publicação do CIFOR em que o IPAM elaborou o cenário nacional relacionado a REDD[3] e aproveitando a atuação do IPAM na região da Transamazônica, o CIFOR propôs, no início de 2010, uma parceria para que essa avaliação ocorra, também, na região contemplada pelo proposta de REDD submetida ao Fundo Amazônia.

O Estudo Comparativo Global de REDD do CIFOR teve como objetivos centrais:

  • Fornecer aos grupos interessados em REDD+ informações, análises, e ferramentas para reduzir as emissões de carbono de uma maneira efetiva, eficiente, equitativa e com co-benefícios (“3Es+”);
  • Tornar as informações acessíveis aos parceiros e a comunidade global envolvida em REDD+;
  • Influenciar a formulação e a implementação de REDD+ em três escalas: global, nacional, e local.

Projeto Assentamentos Sustentáveis na Amazônia (PAS)

Cerca de 40 milhões de hectares do território amazônico no Brasil estão divididos em 3.589 assentamentos de reforma agrária, uma área equivalente a da França. Cada um tem características próprias, mas os desafios a serem superados são comuns. Se consideramos que metade dessa área está disponível para o cultivo, isso representa um quarto da área total cultivada em todo o Brasil em 2016. Fortalecer os assentados e permitir que busquem soluções condizentes com a realidade que vivem é portanto, ao mesmo tempo, um incentivo à produção agropecuária e à preservação do ambiente.

Por isso, em 2012, o IPAM lançou o projeto Assentamentos Sustentáveis na Amazônia (PAS), com a parceria da FVPP, do Incra e de grupos locais, recursos do Fundo Amazônia e apoio da CLUA. O desafio era propor e implementar um modelo que associasse aumento de renda e redução do desmatamento em assentamentos rurais no Pará.

Após cinco anos, período estabelecido, as famílias envolvidas tiveram um incremento médio de 68% na renda bruta, com uma queda de 79% no desmatamento em seus lotes.

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[1] www.fvpp.org.br

[2] Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção

[3] O sinal “+” foi incluído no termo REDD (REDD+) com objetivo de atrair uma atenção maior para atividades como o papel da conservação, o manejo sustentável de florestas e a melhoria dos estoques de carbono florestal em países em desenvolvimento (The Little REDD Book, GCP, 2008).

[4] http://www.cifor.cgiar.org/Knowledge/Publications/Books/

Contribuição de conteúdo por Simone Mazer

 

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