Uma análise liderada por pesquisadores brasileiros, publicada na edição desta semana da revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS), comprova que somente o registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) é insuficiente para coibir novas derrubadas e estimular a recuperação de áreas já desmatadas na Amazônia.
O estudo, liderado por Andrea Azevedo, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), e Raoni Rajão, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), dentre outros pesquisadores e outras instituições, baseia-se na experiência de Mato Grosso e Pará. Os dois estados criaram sistemas de registro de imóveis rurais que serviram de inspiração para a criação do CAR nacional, em 2012.
O CAR é um instrumento oficial criado durante a reforma do Código Florestal que serve para facilitar o monitoramento de propriedades rurais, uma vez que seus limites passam a integrar um sistema nacional. Com o monitoramento e a possibilidade de enviar multas pelo correio sem necessidade de fiscalização no campo, acreditava-se que os proprietários iram se sentir mais vigiados e as taxas de desmatamento depois da entrada no CAR cairiam.
Porém, o estudo aponta que a maioria dos proprietários continuou a desmatar mesmo após entrar nos sistemas estaduais de CAR, sendo que em vários anos as derrubadas dentro do cadastro eram maiores do que nas propriedades que ainda não haviam aderido: nos primeiros anos de implementação, o cadastro demonstrou-se efetivo na redução do desmatamento nas pequenas propriedades, mas a demora da emissão de multas de infrações estimulou a volta da derrubada, até que o efeito positivo se perdeu.
“O CAR pode ser uma ferramenta fantástica para monitorar o cumprimento do Código Florestal, pois permite o uso de imagens de satélite que reduzem em muito o custo da fiscalização”, diz o professor Raoni Rajão, da UFMG. “Mas a preocupação do governo em incentivar a adesão ao CAR ,em detrimento do seu uso como instrumento de comando e controle, fez com que os produtores perdessem o medo de desmatar, mesmo dentro do cadastro. Hoje, o ganho com o desmatamento ilegal e a irregularidade é maior do que os benefícios para quem respeita a lei.”
Além de não inibir novas derrubadas, a adesão ao CAR nesses estados também não garantiu a recuperação das áreas desmatadas ilegalmente no passado. Segundo o estudo, 83% das propriedades rurais de Mato Grosso e 77% no Pará precisavam se adequar ao Código Florestal, com um passivo 841 mil hectares e 3,95 milhões de hectares, respectivamente, a serem restaurados.
Em entrevistas realizadas pelos pesquisadores, já com o novo código em operação, 76% produtores entrevistados disseram que só recuperariam suas áreas se fossem obrigados pelo governo ou se recebessem incentivos, e 18% afirmaram que não buscariam a regularização ambiental de jeito nenhum. Somente 6% afirmaram que já estão tomando as medidas necessárias para buscar a legalidade perante a lei ambiental.
Para mudar esse quadro, o estudo aponta para a necessidade dos estímulos econômicos para regularização ambiental. “Para que todos os passivos ambientais sejam quitados e as áreas efetivamente recuperadas, e para que o Brasil possa discutir como zerar o desmatamento, é preciso criar mecanismos que ajudem o proprietário a cumprir os requisitos”, afirma Andrea Azevedo, pesquisadora do IPAM na época da pesquisa.
O próprio Código Florestal prevê a criação de um mercado de cotas de reserva ambiental (CRA) e de outros mecanismos de pagamento por serviços ambientais que poderiam incentivar a regularização, mas sua regulamentação ainda não saiu cinco anos depois da aprovação da nova lei. Até acordos setoriais, como as moratórias da carne e da soja, não exigem a regularização ambiental, limitando-se ao controle de desmatamentos recentes.
“Se o mercado não incorporar o cumprimento do Código Florestal como um dos critérios de compra de commodities agrícolas, dificilmente teremos o estímulo necessário ao produtor para um processo de recuperação do passivo florestal, por exemplo”, diz Azevedo.
O estudo contém lições importantes para a implementação do Código Florestal e a reversão do quadro de desmatamento crescente na Amazônia. “Se de um lado o cadastro de quase a totalidade das propriedades rurais do país foi um grande ganho, não basta incluir as propriedades no CAR sem acirrar o controle do desmatamento e promover incentivos econômicos à regularização”, conclui Marcelo Stabile, pesquisador do IPAM e um dos autores do estudo.