Amazônia Acelerada: quanto tempo temos para reverter a devastação da floresta

11 de maio de 2022 | Notícias

maio 11, 2022 | Notícias

Por Lays Ushirobira
Consultora de comunicação no IPAM

“O pulmão do mundo” é um apelido que todos já ouviram quando se trata de Amazônia. Embora o nome nunca tenha retratado exatamente seu papel, estudos indicam que nos últimos anos a floresta tem perdido a característica que lhe rendeu esta fama: hoje ela também é fonte de carbono, em vez de absorver mais do que produz. Esta mudança preocupante foi lembrada por Paulo Artaxo, um dos líderes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) e consultor-chefe da exposição Fruturos – Tempos Amazônicos, em cartaz no Museu do Amanhã.

Segundo o pesquisador, a Amazônia tem 120 bilhões de toneladas de carbono armazenadas, quantidade equivalente a dez anos de queima de todo combustível fóssil do planeta, que, até agora, ela foi capaz de absorver. Mas alguns fatores têm mudado este cenário. “Curiosamente, não é só pelo desmatamento. A maior razão é a degradação florestal causada pelas mudanças climáticas. Mesmo que o Brasil cumpra suas metas de zerar o desmatamento em 2028, esse esforço pode ser em vão se os países desenvolvidos não pararem de queimar combustíveis fósseis. As coisas estão ultraconectadas”, disse Artaxo durante o seminário Fruturos, evento que aconteceu nos dias 28 e 29/04 como parte da programação da exposição.

Outro obstáculo para a preservação da Amazônia apontado pelo pesquisador é a violência na região. “Estamos vendo a intensificação da ação de grupos criminosos organizados e de milícias. Isso é uma questão extremamente séria para a sociedade brasileira discutir. Precisamos fazer com que as leis também sejam válidas na Amazônia, não só por causa dos povos indígenas, mas porque o processo de desenvolvimento implementado lá deve ser regido pela lei e pela Constituição”, observou. “Os três últimos relatórios do IPCC enfatizam que não haverá neutralidade de carbono se a gente não cuidar dos reservatórios naturais de carbono do nosso planeta, então a preservação das florestas tropicais é absolutamente chave. A ciência já deu o recado, o futuro do planeta depende do futuro da Amazônia”, concluiu Artaxo.

Os povos indígenas e a conservação da floresta

É impossível discutir a conservação da Amazônia sem levar em consideração os povos que vivem ali. Já está comprovado que a população nativa é a grande responsável pelas áreas mais preservadas que se observa atualmente. “Nós aprendemos desde cedo o respeito à água, aos rios, à floresta. Desde criança, minha avó já me dizia: ‘tudo é sagrado – desde as frutas, as flores, às canoas que seu avô tira da floresta para podermos atravessar o rio’. Apesar de sermos só 5% da população, 80% da biodiversidade é cuidada por nós. Imagina se não tivesse a população indígena para defender nossa terra, que não é só nossa, é de vocês também”, disse a artista plástica We’e’ena Tikuna, em participação no painel Amazônia Acelerada.

Confira o vídeo especial do Amazoniar para o painel Amazônia Acelerada, do Seminário Fruturos:

Demarcação de terras

Os povos indígenas podem ser incomparáveis na sua contribuição para a conservação da Amazônia, mas há formas de toda a sociedade ajudar. Uma das maiores tarefas neste sentido é pressionar para que seja feita a demarcação de terras indígenas pelo poder público. Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), alertou o painel que 56 milhões de hectares de terras na região, o dobro da área do estado de São Paulo, estão num “limbo” da lei, ocupados por grileiros. “A grilagem está completamente descontrolada e está relacionada a 50% do desmatamento. São milhões de parques Trianon invadidos para especular, não é para produzir. 20 desses 56 milhões de hectares de terras públicas ocupadas estão usando o CAR (Cadastro Ambiental Rural) de forma fraudulenta. Portanto, ampliar essas áreas protegidas e destiná-las é algo fundamental, principalmente a demarcação e homologação das terras indígenas”, destacou.

De acordo com Moutinho, a demarcação é essencial não apenas para as populações locais, mas para os próprios fazendeiros que brigam para ter mais espaço para produzir. “Disso depende a habitabilidade do país e do planeta como um todo, porque precisamos de um continuum de floresta na Amazônia. No Parque Indígena do Xingu tem uma bacia ocupada por pastagens e produção de grãos. Devido às mudanças climáticas globais, combinadas com o desmatamento, a região tem uma situação climática prevista pelo IPCC para 2050. Ou seja, se continuarmos nesse processo, não teremos produtividade, nem o avanço do PIB brasileiro”, explicou.

Tikuna também comentou sobre a importância da demarcação. “Nós vivemos do nosso plantio. Quando a terra não é demarcada, a gente sofre o julgamento, o preconceito. A gente fica totalmente indefeso. E querem destruir não apenas a população indígena, mas também quem se importa com a gente. Então muitas pessoas que poderiam nos defender, não nos defendem”, contou.

Moutinho comparou a Amazônia e seus povos a uma imensa biblioteca, mas que ninguém teve a chance de ler nem sequer um livro antes de o acervo pegar fogo. “Nós, cientistas, precisamos nos destituir da nossa arrogância se quisermos uma Amazônia sustentável, justa e exercendo seu papel de ar condicionado do planeta. Se não olharmos para milênios de conhecimento acumulado, não teremos condição de implementar soluções. É um desafio complicado porque precisamos mudar aqui dentro. É uma mudança de paradigma comportamental, de reconhecer que povos tradicionais têm um conhecimento milenar e têm muito para nos ensinar”, defendeu.

Políticas públicas

Uma boa notícia é que o Brasil já demonstrou ser capaz de implementar políticas públicas efetivas na redução do desmatamento. Conforme lembrou a pesquisadora Clarissa Gandour, o PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia) foi responsável por diminuir em mais de 80% o desmatamento na região amazônica em uma década. Coordenadora de avaliação de políticas públicas de conservação na Climate Policy Initiative, ela explicou que o programa foi extremamente inovador tanto no conteúdo, pelos instrumentos que propôs, quanto na forma de implementação. “Foi a primeira vez que o combate ao desmatamento na Amazônia não era uma responsabilidade apenas do Ministério do Meio Ambiente, era interministerial, sob coordenação da Casa Civil”, disse.

O sistema de monitoramento por satélite da Amazônia, “tão corriqueiro hoje em dia”, comentou Gandour, foi uma das iniciativas pioneiras implementadas pelo PPCDAm em 2005. “Ele deu às autoridades a capacidade de enxergar com muita velocidade o que estava acontecendo e de oferecer uma resposta rápida. Somado a isso, houveram outras mudanças institucionais que deram mais segurança para os agentes que têm que ir a campo autuar o crime ambiental”, contou. O plano inovou também no aspecto econômico, condicionando o acesso ao crédito rural ao cumprimento de requisitos ambientais, direcionando recursos subsidiados para quem segue a lei. Além disso, contribuíram para o sucesso do programa a expansão do território protegido e a estratégia de usar essas áreas como barreiras contra o avanço do desmatamento. No entanto, sua última etapa foi encerrada em 2020 e novas iniciativas precisam ser implementadas.

Para Clarissa, é possível retomar a direção trilhada durante a vigência do PPCDAm, pois o país tem a experiência, tecnologia e capacidade técnica para tal, porém é necessário que haja vontade política. “Temos caminhos que apontam o que precisa ser melhorado. O modelo que se diz de desenvolvimento para a Amazônia foi muito ancorado em improdutividade e tolerância à ilegalidade. Não é verdade que é preciso desmatar para produzir riquezas na região. Esse padrão que tolerou a ilegalidade – e o grosso do que acontece na Amazônia é ilegal – deteriora a economia da região. Num contexto em que há atividades operando fora da lei e altos níveis de violência, tudo isso faz com que uma empresa que queira operar dentro da legalidade não seja competitiva, fica muito custoso e arriscado operar lá. Isso é cruel porque mantém a Amazônia à margem dos mercados legais”, concluiu.

Recuperação

Pesquisadora do Museu Paraense Emilio Goeldi, a ecóloga Ima Vieira destacou a diferença entre uma área e uma floresta degradada. “As áreas degradadas são aquelas que foram convertidas para atividades econômicas, como pastagens e agricultura, e que depois foram abandonadas. Ali nasce o que nós na Amazônia chamamos de juquira, que são as plantas que teimam em voltar para esses ambientes, e então se desenvolvem as florestas secundárias. Os projetos que vemos de restauração geralmente tratam dessas áreas”, disse.

Já as florestas degradadas são observadas a partir de alterações espontâneas na vegetação. “A degradação florestal acontece sem corte raso. Há um distúrbio que leva a uma mudança na paisagem, na densidade das árvores, na composição das espécies e no carbono, mas a floresta ainda está em pé. Este é um processo mais difícil de visualizar, porque não há desmatamento, ainda é, em termos de legislação, uma floresta primária”. Conforme ela explicou, esse tipo de degradação também é causado por atividade humana, principalmente pelo fogo e pela extração seletiva de madeira.

Atualmente, Vieira participa de estudos que buscam entender como o fogo se alastra na Amazônia, sendo um deles na região da Resex Tapajós-Arapiuns, com a colaboração de três aldeias Tupinambás. Já foi observado, por exemplo, que árvores de pequeno porte são muito suscetíveis às chamas e que, com isso, houve uma grande redução na abundância de sub-bosques. “Compreender como as espécies reagem ao fogo é também entender as trajetórias de recuperação natural da floresta. Onde dá para conduzir a regeneração natural, a gente está conduzindo. Onde não dá, porque tem muitos cipós e muitas espécies exóticas que acabam com a capacidade de regeneração, a gente faz manejos, plantando espécies de interesse econômico dos povos nativos, que vivem da floresta e perderam muito do seu sustento com os incêndios”, contou.

Seminário Fruturos – Amazônia do Amanhã

A programação do seminário realizado pelo Museu do Amanhã contou com quatro painéis de discussões, seguindo as áreas narrativas da exposição Fruturos: Amazônia Milenar, Amazônia Secular, Amazônia Acelerada e Amazônias Possíveis. Este é o terceiro texto produzido pela equipe do Amazoniar – iniciativa do IPAM para promover um diálogo global sobre a floresta amazônica e sua influência nas relações entre o Brasil e o mundo – como cobertura do seminário.

Confira a cobertura dos demais painéis:
Amazônia Milenar: não haverá futuro sem os conhecimentos dos povos indígenas
Amazônia Secular: comunidades amazônidas prosperam com a floresta
Amazônias Possíveis: tecnologia e tradição se aliam pela Amazônia



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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