“Sem ciência não sobrevivemos. Este é o campo responsável pela nossa evolução, mas ele precisa de apoio e de grandes investimentos”. A afirmação é de Isabel de Castro, pesquisadora desde 2009. Hoje ela coordena o núcleo de geoprocessamento do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e acompanha de perto, junto a parceiros, o crescimento do aplicativo Tô no Mapa, cujo foco é o automapeamento de territórios de povos e de comunidades tradicionais e de agricultores familiares brasileiros.
Seu trabalho exige concentração, diálogo, criatividade, experiência em campo e capacidade resolutiva. Equilibrando-se entre os atributos e os recursos disponíveis, todos os dias ela busca estudar e mapear caminhos para transformar a realidade ambiental, social e econômica da Amazônia e do Cerrado.
Para Castro, a importância do que faz dentro da ciência está na geração de informações e dados de qualidade – bases fundamentais para traçar estratégias eficazes de conservação ao meio ambiente. “Provar que os povos tradicionais são os verdadeiros defensores das florestas, pesquisar e sugerir formas sustentáveis de uso dos biomas, apontar áreas onde o poder público precisa agir com urgência, esses são alguns exemplos do que busco realizar dentro do meu escopo de pesquisa”, explica.
Ao analisar o cenário climático, a função que a Isabel desempenha se torna essencial. Estudo recente do IPAM aponta índices alarmantes de desmatamento na Amazônia Legal. Entre agosto de 2018 e julho de 2021, a derrubada de florestas foi 56,6% maior do que os registrados no triênio anterior (2016 a 2018). O aumento em anos consecutivos e a chegada do período eleitoral têm preocupado os ambientalistas, que temem uma nova escalada de derrubadas.
É a partir do malabarismo entre estudo, contexto, parcerias, investimentos, dados e fatos que cientistas e pesquisadores conseguem elaborar documentos – como o citado acima – capazes de guiar e recomendar ações estratégicas para a melhoria de setores ambientais, produtivos, econômicos e sociais, em níveis global, nacional, estadual e municipal.
Ao lado de Isabel estão mais 16 mulheres no time de pesquisadoras no IPAM, que correspondem a 60% dos profissionais atuantes neste cargo dentro do instituto. Essa maioria, contudo, é exceção: o último relatório lançado em 2020 pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) estima que menos de 30% dos cientistas do mundo sejam mulheres. No Brasil, um levantamento desenvolvido pelo Open Box da Ciência mostra que, entre os 77,8 mil pesquisadores nas cinco maiores áreas de conhecimento que declararam ter doutorado na Plataforma Lattes, 40,3% são mulheres (31.394), contra 59,69% de homens (46.501).
Desdobrando os talentos
Na área ambiental, mulheres podem trabalhar em diversas frentes. A pesquisadora Martha Fellows, por exemplo, dentro do IPAM, é uma das responsáveis por estabelecer diálogos diretos com os povos originários da Amazônia. Em 2016, ela participou da elaboração do projeto premiado pela Google e fez nascer o aplicativo Alerta Clima Indígena (ACI). Quase cinco anos depois, hoje ela é ponto focal da agenda indígena e segue na gestão do ACI. Ser pesquisadora, para Fellows, é manter a curiosidade ativa: “Todos somos pesquisadores. Quando a gente nasce, a curiosidade é um dom nato, a gente testa tudo, experimenta tudo. Então, manter viva essa criança curiosa é o que nos faz sermos pesquisadoras quando adultas.”
Inspirada por outras mulheres, Martha comenta que sua motivação para seguir na ciência é saber que não está sozinha. “As mulheres que conheci ao longo da minha vida são minhas fontes de inspiração. Além da minha mãe e das minhas avós, que são minha base, professoras, chefes e colegas de trabalho também me trouxeram força e, juntas, dariam uma lista sem fim”, conta. “Mas, se me permitem, gostaria de mencionar Sineia Wapichana, Sônia Guajajara, Nara Baré, Mônica Celeida, Ane Alencar. São muitas mulheres de fibra!”
Quando o assunto é a mudança climática, Fellows é categórica: “O Brasil e o mundo precisam ouvir o que os povos indígenas e as comunidades tradicionais estão dizendo há séculos. Só respeitando e dando espaço para esses saberes é possível reverter a crise climática.”
Focada em contribuir para a elaboração de políticas públicas, a também pesquisadora do IPAM Erika de Paula liderou por cinco anos o grupo de trabalho que conseguiu aprovar no Congresso Nacional a Lei 14.119, referente à Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA). Paralelamente, ela busca por soluções que possam frear a degradação de recursos naturais, ao mesmo tempo em que conduz iniciativas direcionadas à melhoria da qualidade de vida de centenas de pequenos agricultores do Cerrado e da Amazônia.
Foi na faculdade que Érika percebeu que queria trabalhar com a agricultura familiar e com o meio ambiente. Formada em ecologia na Unesp Rio Claro, em São Paulo, ela é uma das fundadoras do grupo Semente Viva, que aborda a educação ambiental. “Enxergar a realidade de forma crítica me ajuda a reagir por meio do meu trabalho”, comenta ao falar sobre o que influencia sua trajetória.
Aproximar a ciência da sociedade é uma de suas perspectivas para o futuro do setor no Brasil. “Acredito que a ciência está em um ponto decisório e eu espero realmente que os avanços não agravem ainda mais as diferenças entre as classes sociais, mas o contrário. No curto prazo, minha preocupação é a redução dos investimentos na ciência brasileira, investimentos públicos que gerem benefícios públicos.”
Para ela, o apoio deve perpassar não só pela ciência, mas por toda uma nova lógica de produção e subsídios. “O país precisa investir em atividades econômicas de baixas emissões, incentivar mudanças nos diferentes setores da economia, acabar com a ilegalidade, investir no setor florestal, promover uma reforma tributária que inverta a lógica atual de aportes para quem mais emite”, aponta.
De Paula também destaca o papel fundamental dos povos tradicionais da floresta e de suas culturas na jornada em busca de um novo modelo. “Devemos proteger os povos indígenas e as comunidades tradicionais, fortalecer seus órgãos de fiscalização, internalizar o valor dos serviços ambientais nas suas commodities, salvar o que resta da nossa biodiversidade e investir em pesquisa e inovação.”
A ciência mais próxima
A pesquisadora do IPAM e do Woodwell Climate Research Center Ludmila Rattis é especialista em impactos das mudanças climáticas na agricultura e na biodiversidade brasileira. Para ela, “é necessário reconhecer que estamos no meio de uma crise climática, em nível de governo, em nível de sociedade, em nível de família. A gente precisa assumir a responsabilidade e começar a criar estratégias de adaptação e não só de mitigação”.
O trabalho de Ludmilla com pesquisa busca compreender os efeitos do desmatamento no clima e como essas alterações afetam a produção de alimentos e a biodiversidade. “Quando a gente mostra para as pessoas o quão negativo é o desmatamento, a gente está trabalhando para mostrar que destruir a Amazônia tem um impacto direto na vida de muitas pessoas, na saúde, no bem-estar social, ambiental e econômico do país. Falar sobre desmatamento é trabalhar pela conservação da Amazônia”, pontua.
Por conta da aceleração na derrubada de vegetações nativas, cientistas também passaram a alertar governantes, produtores rurais e empresários sobre a vulnerabilidade do agronegócio brasileiro frente às mudanças climáticas. Atualmente, 90% das lavouras brasileiras dependem da irrigação das chuvas. Rattis explica que áreas com uma grande produção agrícola são afetadas diretamente pela alteração no regime de chuvas e na temperatura do ambiente. Para frear essas mudanças, a pesquisadora reforça a necessidade de preservar a vegetação nativa, intensificando o uso de áreas já derrubadas, como método para um desenvolvimento de baixo carbono que respeite o limite climático de cada região.
O que motiva a pesquisadora a continuar na carreira são perguntas instigantes: “Eu sempre me pergunto como a sociedade pode ser beneficiada com a ciência. Eu vivo questionando aos trabalhadores rurais o que eles acham que é importante. E é a partir disso que direciono os próximos passos científicos que quero seguir”. Para o futuro, o que Ludmila espera é que a ciência continue cada vez mais dinâmica e mais próxima da população. “Eu espero que a ciência cuide não só das novas perguntas e dos novos avanços, mas também da divulgação do que a gente já encontrou para evitar retrocessos”, conclui.