IPAM participa de encontro para discutir regularização fundiária no Brasil

5 de setembro de 2025 | Notícias

set 5, 2025 | Notícias

O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) marcou presença, nesta sexta-feira (5), no último dia do 2º Encontro Nacional dos Órgãos de Terra para discutir e apoiar o debate sobre a regularização fundiária no país. Realizado em Teresina (PI), o evento foi encerrado com a apresentação de uma carta elaborada pelos Estados participantes com direcionamentos para o governo federal avançar no tema.

Para Raquel Poça, analista de pesquisa do IPAM, o evento serviu, principalmente, como uma troca de experiências entre os Estados da Amazônia Legal e do Nordeste. A primeira edição do encontro foi realizada em Belém (PA), em dezembro de 2024, e também contou com o apoio institucional do IPAM.

O encontro foi visto pelos participantes como um espaço de aprendizagem e articulação, voltado para o compartilhamento de boas práticas, em que erros e acertos referentes à regularização fundiária foram debatidos pelos governos estaduais.

Segundo Patrícia Daros, diretora do Fundo Vale, o debate em torno da regularização é um tema caro para o Brasil, já que, a ausência de titularidade de terras gera insegurança jurídica, o que afasta possíveis investimentos em bioeconomia e mercado de carbono no país. “Há uma insegurança porque não há uma regulamentação e uma segurança jurídica para esses investidores. Não adianta criar instrumento financeiro se a gente não atrai o grande capital porque ele está com medo”, afirma.

Raquel Poça explica que, no âmbito da bioeconomia, a regularização fundiária é necessária tanto para a atração de negócios quanto para que economias verdes possam se desenvolver. No entanto, essa não é a única preocupação envolvendo o assunto. A pesquisadora afirma que, sem a segurança da terra, há também uma fragilidade envolvendo os povos indígenas e comunidades tradicionais dos territórios.

“A gente tem dados consolidados de que povos indígenas e comunidades tradicionais são os que mais preservam e mantêm essas florestas em pé, e isso tem uma importância na regulação do clima. Sem a segurança da terra, a gente expõe essas populações a uma fragilidade jurídica de território e elas ficam vulneráveis a contratos que não são positivos do ponto de vista do aporte de recursos que seriam devolvidos a elas”, avalia.

Principais desafios

Os participantes do evento mencionaram a integração entre os órgãos envolvidos como sendo o principal objetivo no debate acerca da regularização fundiária. Na avaliação de Moisés Savian, secretário de Governança Fundiária do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o maior desafio agora é organizar as bases fundiárias e unificá-las em uma plataforma nacional.

“Esse é um dos principais desafios: organizar essa base e unificar em um processo único do país para que as regularizações que saiam a partir de agora sejam regularizações que não vão incidir sobre outros títulos já emitidos ou áreas que já foram destinadas”, explica.

De acordo com Poça, a regularização fundiária, hoje, como se encontra, é fruto de um processo de desordenamento territorial que existe desde a formação do Brasil – e, por isso, o principal desafio é unificar essas demandas. Savian complementa com a explicação de que o país, desde os tempos de colônia, foi ocupado e teve suas terras divididas em vários momentos, como foi no caso das sesmarias, lotes de terra concedidos pela Coroa Portuguesa a pessoas que se comprometiam a explorá-las; e durante a ditadura militar, em que o governo emitiu títulos, principalmente na Amazônia, para incentivar a ocupação da região.

Carta de Teresina

Além de promover um diálogo entre os órgãos que tratam da regularização fundiária nos Estados, o encontro também tem como uma de suas premissas a entrega da Carta de Teresina. No documento, os representantes estaduais fazem um apontamento coletivo de suas demandas, com o objetivo de orientar as políticas públicas e a atuação do governo federal. Para Savian, a carta ajuda a União a saber se está ou não no caminho certo.

De acordo com Rodrigo Cavalcante, diretor-geral do Interpi (Instituto de Terras do Piauí), a ideia da carta de 2025 é fazer um comparativo com a carta da edição passada, de 2024, firmada em Belém. Ele acrescenta que deve constar no texto quais as demandas da primeira carta não tiveram nenhum tipo de andamento e o que evoluiu ou não desde então – fazendo um apelo para que os itens que não foram atendidos sejam revisitados pelo governo federal.

Cavalcante defende um foco na integração – demanda que, segundo ele, é reincidente. “É claro que alguma coisa andou, um exemplo é o Sicar (Sistema de Cadastro Ambiental Rural) federativo, mas a gente ainda precisa ampliar a integração dos órgãos estaduais com o governo federal”, declara.

O diretor do Interpi cita também como itens que serão incluídos na carta deste ano uma maior cooperação entre os Poderes, principalmente do Executivo com o Judiciário; e o financiamento das políticas públicas envolvendo a regularização fundiária, já que alguns Estados ainda não têm fonte de renda para a execução das mesmas, precisando do apoio do governo federal.

Bruno Kono, presidente do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), defende que, além de reforçar as demandas pendentes, a nova carta também trará discussões que implicam diretamente no federalismo da regularização fundiária. “A Carta do Piauí vem justamente para reforçar esses anseios dos Estados principalmente no sentido de integrar e colaborar com o governo federal para o avanço da agenda da regularização fundiária”, diz.

O presidente do Iterpa também citou avanços desde a Carta de Belém. Um deles é o Sinarf (Sistema Nacional de Regularização Fundiária), que permite com que os Estados possam ter acesso à cartela de serviços públicos do governo federal.

Futuro da regularização fundiária

O governo deve anunciar medidas envolvendo a questão fundiária, segundo Moisés Savian. A principal aposta é que, a partir dos próximos meses, seja editado um decreto presidencial criando a Política Nacional de Governança da Terra.

De acordo com o secretário, a política criará instâncias de governança, dentre elas:

  • um conselho nacional que reúne o governo e a sociedade civil para discutir os desafios envolvendo a regularização fundiária, como o CAR (Cadastro Ambiental Rural), a violência no campo e o combate à grilagem;
  • um comitê gestor que reúne os órgãos fundiários federais, como o próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o Ministério de Gestão e Inovação para tratar do tema a nível nacional; e
  • um comitê executivo para os órgãos estaduais, que executam as políticas.

Na avaliação de Savian, a criação de instâncias não resolve os problemas como um todo, mas cria as condições para se ter um “diálogo federativo” com participação da sociedade civil. Atualmente, a proposta está em tramitação na Casa Civil.

Além de futuras políticas públicas, Patrícia Daros defende que o tema também seja debatido na COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em novembro deste ano. A diretora do Fundo Vale faz um apelo para que os representantes estaduais levem o tema para Belém.

“Quando eu olho a temática da regularização fundiária, eu acho super importante levar essa temática, mostrar que existe um conjunto de pessoas preocupadas com a segurança jurídica e que é uma grande preocupação dos investidores que vem de fora. Trazer esse tema para a COP é fundamental, porque a gente consegue dar conta desse ‘fantasma’ de que aqui tudo é uma zona. Não, tem instituições sérias cuidando disso. Aproveitem a COP e aproveitem para trazer essa agenda”, defende.

*jornalista do IPAM, anna.rodrigues@ipam.org.br

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