Leonardo Maracahipes-Santos, pesquisador do IPAM, explica por que zonas de transição são únicas para a ciência e defende políticas específicas para essas áreas. A entrevista foi divulgada na newsletter Um Grau e Meio, produzida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
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Tendo trabalhado na zona de transição Amazônia-Cerrado desde 2008, Maracahipes-Santos é atualmente coordenador da Estação de Pesquisa Tanguro, localizada na região, ao norte de Mato Grosso.

Leonardo Maracahipes-Santos, pesquisador do IPAM e coordenador da Estação de Pesquisa Tanguro (Foto: Mitch Korolev/Woodwell Climate)
O que caracteriza uma zona de transição?
É uma zona que sobrepõe características de ambos os biomas, no caso, Cerrado e Amazônia. Por ter características dos dois biomas, é uma área de alta heterogeneidade ambiental e alta diversidade biológica.
Essa faixa de transição cria ambientes que podem ser encontrados nesse local e que suportam espécies específicas, principalmente, de fauna, por conta das condições edafoclimáticas [de clima e de solo].
Qual é a importância da zona de transição Amazônia-Cerrado para a pesquisa?
Dentro da zona de transição, as áreas de Cerrado têm uma característica marcante que é a presença de fogo, já as áreas de floresta na transição têm ausência de fogo. Há um mosaico de florestas muito diverso, de alta importância ecológica, na qual podemos estudar a coexistência de biodiversidade entre Amazônia e Cerrado, além do estoque de carbono.
Há também o papel de conectividade entre as paisagens, que serve principalmente para movimentação de fauna e fluxo gênico – que são as características genéticas dos indivíduos da mesma espécie. Isso é bem importante na parte evolutiva das espécies, pois sem troca gênica dentro das populações, a espécie caminha para a extinção.
Por fim, a zona de transição tem influência na regulação climática, tanto localmente, melhorando o clima para as pessoas que vivem na região, quanto regional e globalmente fazendo controle de temperatura e do regime de chuvas.
Há políticas específicas para proteger a região?
Não que eu conheça, mas deveria ter. A zona de transição Amazônia-Cerrado é muito específica e está exposta à pressão da agropecuária. Ainda é preciso investir na implementação e na fiscalização do Código Florestal na região, sem falar na validação do CAR (Cadastro Ambiental Rural).
O fato de ser uma zona muito sensível também aumenta o risco de extinção de espécies endêmicas, algo que já pode até ter ocorrido sem a gente saber, uma vez que há espécies raras que ocorrem só nessas regiões.
Quais impactos já são sentidos por conta da perda de vegetação nativa na zona de transição Amazônia-Cerrado?
Temos o exemplo de nascentes que desaparecem. Aqui na Estação de Pesquisa Tanguro existem alguns córregos que não secavam até 2019, eram contínuos, agora não são mais e estão secando todo ano.
O que ainda falta para o futuro?
A zona de transição Amazônia-Cerrado é um laboratório natural para entender tanto as respostas da vegetação quanto os efeitos das mudanças climáticas ao longo do tempo. Por isso, são importantes os projetos de pesquisa a longo prazo.
É uma região dinâmica e com mudanças rápidas, principalmente com a frequência atual dos eventos climáticos extremos, as secas com intervalos mais curtos, alterações nos regimes de chuvas… Esta zona de transição está diretamente ligada ao nosso futuro.
Protegê-la, portanto, é proteger a própria capacidade da Amazônia e do Cerrado de resistir a essas mudanças que estão em curso.
Um exemplo do que poderia ser feito é em relação aos editais de pesquisa: algumas chamadas focam num bioma em específico e isso é algo que poderia ser feito para as zonas de transições também.
São zonas importantes, que entram nessas chamadas amplas, mas como os recursos à disposição não são suficientes, acabam se voltando para grupos estudando ou Amazônia ou Cerrado, não os dois.
Por isso, editais de pesquisa focados em zonas de transições de todos os biomas seriam um ótimo caminho para estimular o conhecimento sobre essas áreas pouco estudadas e pouco protegidas.


