O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) considera que os vetos presidenciais ao PL (Projeto de Lei) 2.159/2021, o chamado “PL do Licenciamento”, representam um avanço crucial para a integridade da legislação ambiental brasileira. Ao barrar dispositivos que fragilizavam o controle sobre atividades de médio impacto e excluíam a consulta a povos tradicionais, o governo federal sinaliza compromisso com o meio ambiente, os direitos constitucionais e a segurança jurídica.
Na prática, como primeiro passo, o governo federal sancionou o PL aprovado pelo Congresso Nacional, mas vetou 63 dos mais de 300 dispositivos. Segundo a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, para preencher o “vácuo” deixado pelos vetos, o governo elaborou um novo projeto, com urgência constitucional, propondo uma redação alternativa para os trechos removidos.
Para André Guimarães, diretor-executivo do IPAM, os vetos representam um recado importante contra a tentativa de enfraquecer o licenciamento ambiental no Brasil. “O Executivo demonstrou sensibilidade ao escutar a comunidade científica e a sociedade civil. Mas essa vitória ainda está em disputa e pode se esvaziar se a LAE (Licença Ambiental Especial) for usada como atalho para autorizar empreendimentos de alto impacto”, afirma.
Como segundo passo, o governo enviou uma MP (Medida Provisória) que antecipa a vigência da LAE. A medida, juntamente com a possibilidade de o Congresso derrubar os vetos, gera preocupações legítimas: o risco é de que se abra caminho para acelerar o licenciamento de grandes empreendimentos como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, contrariando os esforços de enfrentamento à crise climática.
Proteção das comunidades tradicionais e avanços para as florestas
Embora exista a possibilidade de derrubada dos vetos por parte do Poder Legislativo, o IPAM vê com esperança a retirada dos trechos. O principal deles foi a restrição da LAC (Licença por Adesão e Compromisso) apenas para empreendimentos de baixo potencial poluidor – originalmente, o PL previa que a licença também passasse a abranger atividades de médio potencial poluidor.
Embora o procedimento em si já represente um desmonte para o licenciamento ambiental por permitir que determinados empreendimentos recebam aval para o início de suas atividades sem passar por uma análise individual, o IPAM celebra ao menos a retirada dos empreendimentos de médio porte e médio potencial poluidor, já que esses podem causar grandes impactos e exigem uma avaliação mais cuidadosa.
Também é uma boa notícia o fato de o governo federal ter inserido no texto que, para utilizar a LAC, seja necessário o conhecimento prévio da área onde será efetuado o empreendimento e suas condições. Além da retirada dos empreendimentos de médio porte, se houver a necessidade de remover uma população do local para que as atividades sejam iniciadas, mesmo que de baixo impacto, o mecanismo não poderá ser utilizado.
Outro veto a ser celebrado é o que retira do texto os dispositivos que restringiam a consulta aos órgãos responsáveis pela proteção de povos indígenas e comunidades quilombolas. Como afirmou o próprio governo, a limitação deixaria de fora uma série de populações em processo de reconhecimento pela Funai e pela Fundação Palmares.
Dessa forma, a União manteve o que já está previsto na legislação federal e determinou como marco para as consultas a data de publicação do relatório de reconhecimento por parte da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e da declaração da Fundação Palmares, no caso de quilombolas. O reconhecimento formal dos direitos desses povos é fundamental para a proteção da Amazônia, já que, sem eles, não há floresta em pé.
Além disso, o veto à dispensa do CAR (Cadastro Ambiental Rural) também é visto com otimismo nessa integração dos instrumentos de gestão ambiental da propriedade rural e suas atividades econômicas. Este veto mitiga ainda os riscos da ausência de análise sobre o registro em casos de atividades que se sobreponham à áreas sensíveis, como no caso das Florestas Públicas Não Destinadas, que representam cerca de 56 milhões de hectares da Amazônia. Conforme identificou o IPAM, o modus operandi da grilagem nesses territórios envolve registros fraudulentos no CAR como forma de simular a posse da terra. Com a medida, apenas proprietários com CAR analisado poderão ser dispensados de licenciamento.
Como não há abdicação do processo de licenciamento, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, disse a jornalistas que, segundo os cálculos do governo, as metas de desmatamento zero e de redução entre 59% e 67% das emissões de CO2 seguem mantidas. No entanto, pesquisadores chamam a atenção pelo fato de que, mesmo no PL enviado nesta sexta (8) pelo governo, permanece a lacuna da integração de variáveis de mitigação de Gases de Efeito Estufa e de adaptação climática ao processo de licenciamento ambiental.
Retrocessos com aceleração da LAE
Embora a proposta do governo apresente avanços, o IPAM vê com preocupação a MP que antecipa a implementação da LAE. O instrumento prevê que empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo tenham prioridade e prazos acelerados no licenciamento, apesar de vetada a tramitação em formato monofásico.
É reconhecido que o licenciamento ambiental enfrenta desafios, porém o IPAM defende que a solução para a agilidade dos processos deva passar pelo planejamento territorial estratégico, fortalecimento dos órgãos licenciadores e da aplicação de ferramentas de avaliação e monitoramento para a robustez do controle de seus impactos. A flexibilização simplificada aos empreendimentos, sem essas bases estruturantes, representa uma fragilização ao processo do que uma solução efetiva.
O problema central é que o conceito de empreendimento estratégico é político, não técnico – e pode variar conforme a gestão de governo. “A LAE abre uma porta perigosa: empreendimentos de alto impacto ambiental podem ser classificados como estratégicos por interesse momentâneo, não por critério científico ou climático”, alerta Guimarães, que reforça que o licenciamento não pode ser moldado à conveniência de curto prazo.
Às vésperas da COP30, causa preocupação a possibilidade de a exploração de petróleo na foz do Amazonas ser tratada como estratégica e passar por um processo acelerado de licenciamento. Como já afirmou o IPAM em outras ocasiões, esse tipo de atividade exige amplo debate, análise detalhada e tempo – que pode levar anos – para avaliar seus impactos. Além disso, segundo pesquisadores do instituto, a implementação das metas climáticas assumidas pelo Brasil implicam, necessariamente, em deixar o petróleo no subsolo.