Por Bibiana Alcântara Garrido*
O promotor de Justiça Pablo Viscardi concedeu entrevista à newsletter Um Grau e Meio, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), sobre a atuação do Ministério Público frente ao crime organizado ambiental na Amazônia Legal.
Viscardi é coordenador do Gaema (Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente), do Ministério Público de Rondônia, e associado da Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente).
Crime organizado ambiental
Para o promotor, o Ministério Público tem avançado em estrutura e organização para investigar as atividades ilícitas, no entanto, a cooperação interinstitucional ainda é um dos principais gargalos para a efetividade dos resultados.
Grupos especiais, como o coordenado por ele em Rondônia, não existem em todos os Estados e são necessários, diz Viscardi, para ter uma visão sistêmica diante de fatos complexos do crime organizado ambiental.
Em Rondônia, o Gaema foi implementado logo após uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, em 2021, orientando a criação dessas instâncias ou de promotorias regionais focadas no meio ambiente.
Leia a entrevista completa:
O que pode ser caracterizado como um crime ambiental e quais são suas consequências para a população?
Os crimes ambientais são todos aqueles previstos na legislação como tal, definidos na Lei 9.605 de 1998. Todas as tipologias descritas nesta lei são consideradas crimes ambientais pela jurisprudência brasileira.
No entanto, há outros crimes com reflexos no meio ambiente previstos no Código Penal e em outras leis, como a de parcelamento do solo. Um crime ambiental muito em voga é o de incêndio, também previsto na Lei 9.605. Se esse incêndio representar risco à integridade física de pessoas ou causar extenso dano patrimonial, também está previsto no artigo 150 do Código Penal, com penas mais pesadas do que as previstas na lei ambiental.
O maior desafio para nós, que estamos na ponta, lidando com o ilícito ambiental e a criminalidade organizada ambiental que está atuando de forma maciça – sobretudo na região amazônica –, é que as penas previstas para esses crimes são muito pequenas, o que dificulta a imposição de punições mais severas, como a prisão.
Como os crimes ambientais se conectam com outros tipos de atividades ilícitas?
São vários os tipos de crimes frequentemente associados à criminalidade organizada ambiental. Essa dinâmica sempre existiu e vem de longa data, mas agora tanto as polícias quanto o Ministério Público estão compreendendo melhor essa sistemática e sabem como investigá-la e combatê-la.
Isso porque, antigamente, a apuração de crimes ambientais se limitava, por exemplo, só no que tocava à extração ilegal de madeira, mas o sistema é muito mais complexo. Então, vamos investigar a extração ilegal de madeira em uma unidade de conservação. Mas para onde vai essa madeira? Como ela entra no mercado regular? Está sendo exportada ou não?
Por isso, é essencial entender como investigar esses fatos complexos. Isso vem ocorrendo nos últimos anos, principalmente com a criação de grupos de atuação especial do meio ambiente dentro do Ministério Público, que conseguem ter uma visão mais sistêmica.
O que temos feito, especialmente como integrantes desses grupos, é utilizar outros instrumentos legais para robustecer a legislação e punir de forma mais adequada e justa esses crimes.
Fazemos uso da Lei de Crime Organizado quando detectamos a atuação de organizações criminosas. Também da Lei de Lavagem de Capitais, pois, geralmente, os crimes ambientais mais complexos ocorrem em áreas ambientalmente protegidas e esse patrimônio ambiental, retirado de onde não poderia ser explorado, precisa ser regularizado para ser comercializado. Assim, as organizações criminosas utilizam diversos artifícios para dar uma aparência legal a esses crimes.
No exemplo da extração de madeira em unidades de conservação: a madeira é explorada, levada a grandes empresas, serram, manufaturam o produto, e, depois, vendem no mercado legal. Para legalizar essa madeira no mercado, são utilizados documentos fictícios, como créditos de Documento de Origem Florestal e créditos dissimulados, que possibilitam a regularização ilícita.
Isso gera várias consequências, como lavagem de dinheiro, crimes organizados, sonegação fiscal, uso de “laranjas” e falsificação de documentos públicos e privados. Trata-se de um universo muito amplo.
Há um padrão desse tipo de crime no Brasil?
Não tenho tanto conhecimento sobre os crimes ambientais em outros biomas, mas na Amazônia há um padrão que se repete em todos os Estados da Amazônia Legal. Inclusive, alguns créditos virtuais falsos, emitidos para “esquentar” madeira ilegal, são originados em outros Estados. É uma ação complexa que envolve várias unidades federativas.
Em menor escala, há também crimes que ocorrem no mercado ilegal, mas a maioria acaba sendo regularizada por meio de fraudes no sistema. Em Rondônia, a extração ilegal de madeira representa a maioria dos ilícitos ambientais. Já em Roraima, por exemplo, o garimpo é mais incidente. No Rio Madeira também fazemos constantes operações para desobstruir dragas.
Quais são os casos mais comuns encontrados pela Abrampa?
Além dos casos de extração ilegal de madeira e garimpo, há também a grilagem de terras, sobretudo de terras públicas e ambientalmente protegidas, como as unidades de conservação. Nesses casos, as pessoas entram e ocupam ilegalmente a área, como se particular fosse. Exploram a madeira, plantam capim e, depois, colocam gado para pastar. Isso na região amazônica.
Quais são os avanços e as lacunas atuais para a resolução de crimes ambientais no país?
O avanço está no fato de que, há alguns anos, o Ministério Público despertou para a questão do macrocrime ambiental e do crime organizado ambiental, estruturando-se para investigar, processar e punir de forma efetiva os autores. Ainda está aquém do necessário, mas está se estruturando.
O principal gargalo, e isso é visível em vários estados, é a cooperação interinstitucional. Como lidamos com crime organizado, o Estado também precisa entrar, com atuação integrada de todos os responsáveis pela proteção ambiental no Brasil – Ministérios Públicos estaduais e federal, órgãos como IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), secretarias estaduais e municipais de meio ambiente, entre outros.
Nos casos de incêndios, também é necessário o envolvimento do Corpo de Bombeiros, Polícia Militar Ambiental e outros órgãos de inteligência. Há exemplos de várias operações interinstitucionais nas quais contamos até com o apoio da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para obter informações de inteligência. O resultado efetivo só é possível por meio dessa interlocução.
Em alguns estados, essa articulação já existe; em Rondônia, por exemplo, temos uma boa proximidade com os órgãos ambientais. Mas, em outros Estados, essa colaboração ainda não é tão forte.
Jornalista de ciência do IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br
Foto de capa: Áreas públicas com grilagem de terras sofrem tipo de desmate (Foto: Victor Moriyama/Reprodução)