Debate levanta possíveis efeitos do Acordo Verde Europeu para o Brasil

23 de outubro de 2024 | Notícias

out 23, 2024 | Notícias

Por Camila Santana*

Ao empurrar a primeira peça de uma fileira de dominós, a seguinte cairá e todas as demais, sucessivamente, até que caia a última peça. Como na Teoria do Efeito Dominó, o projeto Carbon Leak busca entender os impactos da estratégia de conservação dos recursos naturais previstas no Acordo Verde Europeu na produção florestal e agrícola de outros países, como o Brasil.

Para entender esses efeitos, o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e o Thünen Institute da Alemanha promoveram, nesta quarta-feira (23), em Brasília, o workshop “Mudanças na produção florestal e agrícola devido ao Acordo Verde da União Europeia: Risco ou oportunidade para o Brasil?”. Durante todo o dia, foram apresentados cenários e possibilidades que refletiram a perspectiva de especialistas e partes interessadas brasileiras.

“É importante aproveitarmos a prorrogação de 12 meses do Acordo para termos uma consultoria política baseada na ciência, entendendo melhor as consequências das metas de redução de gases de efeito estufa, em especial para o setor agropecuário no Brasil”, explicou Holger Rapior, chefe do Departamento para Economia e Assuntos Globais da Alemanha. Para Rapior, novos conhecimentos ajudarão a submeter as leis a um ajuste fino, identificando as oportunidades para a agropecuária e silvicultura brasileira sustentáveis.

Além de mostrar as oportunidades, gerenciar os riscos, a partir dos dados, e as medidas necessárias por parte tanto da União Europeia quanto do Brasil é crucial. “Nosso país tem uma vocação para a agropecuária indiscutível. Porém, nos últimos anos estamos lidando com eventos climáticos extremos. O Rio Grande do Sul teve a maior cheia da sua história e o Amazonas está vivendo a mais severa estiagem dos últimos 70 anos”, afirmou João Paulo Capobianco, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, ressaltando a importância da ciência e de dados de qualidade para elaboração de políticas públicas eficazes.

O impacto de tais extremos climáticos já é sentido pelo setor produtivo, como lembrou André Guimarães, diretor executivo do IPAM. “90% da produção no Brasil é não-irrigável e depende da distribuição de chuvas. Estamos perdendo produtividade devido às cheias, queimadas e estiagem. Proteger as florestas é imprescindível para a agropecuária manter seus níveis de produtividade”. Guimarães ressaltou que é necessário entender as implicações que os regramentos de blocos comerciais como o da União Europeia trazem para o Brasil. “O objetivo é reduzir o desmatamento no planeta e não deste ou aquele bloco econômico. E este planejamento deve ser feito com base em ciência”, completou reafirmando a importância do adiamento do Acordo para aprofundar os debates para melhor aplicação das regras. A proposta da Comissão Europeia é aplicar a lei antidesmatamento para final de 2025, em vez do final deste ano, como previsto inicialmente.

Atendendo a demanda de maneira sustentável

A efetividade do Acordo Verde tende a diminuir a produção agrícola e silvipastoril na Europa. Para atender a demanda por comida e outras commodities, uma maior produção será necessária em todo o mundo, sendo que no Brasil este aumento seria de 2,2%. É como se a população necessitasse de uma pizza grande. Porém, a partir do Acordo, haverá menos pedaços. A pergunta que o workshop buscou responder foi: quais os riscos e oportunidades sociais e ambientais para o país para atender essa demanda?

Para Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM, se há algum país que tenha potencialidade de reduzir os riscos e aumentar as oportunidades de aumentar a produção é o Brasil. “De 2005 a 2012 fomos o país que mais reduziu emissões de gases de efeito estufa, com decréscimo de quatro bilhões de toneladas de CO2 (gás carbônico)”. Porém, Moutinho ressaltou que para conseguir atender a demanda, mantendo o ritmo de redução das emissões, algumas ações seriam necessárias.

Primeiro, alocar 50 milhões de hectares de florestas públicas para proteção, destinando-as para comunidades tradicionais, unidades de conservação e áreas de proteção. Depois, aumentar a produtividades de pequenos e médios produtores rurais, compensando-os pela proteção das florestas de suas propriedades. Fazendo assim, somar-se-iam 20 milhões de hectares protegidos. Ainda por meio da compensação a produtores, outros 10 milhões de hectares poderiam ser conservados reduzindo o desmatamento legal.

Em continuidade, expandir a agricultura e a recuperação florestal em áreas desmatadas conservaria de 10 a 40 milhões de hectares. O investimento em agrofloresta destinado a pequenos agricultores somaria outros 20 milhões de hectares à conta. Recuperar as áreas abandonadas para a agricultura protegeria 10 milhões de hectares e intensificar a pecuária liberaria mais 40 milhões de hectares de pasto para a agricultura. “Desta forma, seria possível aumentar a produção atendendo a demanda sem derrubar nenhuma árvore”, afirmou Moutinho.

Além dos impactos ambientais, Claudia Ramos, pesquisadora e professora da UFPA (Universidade Federal do Pará), apresentou como a estratégia do Acordo Verde está integrada ao arcabouço legal e programático do Brasil. “Apesar de um bom conjunto de regramento ambiental, o país ainda tem baixo poder punitivo, faltando uma coordenação nacional mais articulada para políticas e leis ambientais”, concluiu.

Sobre o Carbon Leak

O IPAM é o parceiro no Brasil para o projeto Carbon Leak. Liderado pelo Thünen Institute da Alemanha, a iniciativa busca quantificar os efeitos climáticos das metas políticas da Alemanha e da União Europeia para o uso do solo, mudança do uso do solo e da silvicultura, bem como para a agricultura, numa perspectiva global. Como resultado, o Carbon Leak fornecerá recomendações para a política internacional de florestas e uso da terra, com base em análises políticas e científicas que considerem a coerência de vários objetivos nacionais e internacionais de política climática.

*Analista de Comunicação do IPAM



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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