Por Elias Serejo*
Como conectar diversas amazônias a partir de distintas experiências de uso da terra? A pergunta norteou o intercâmbio entre agricultores familiares realizado pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) nos dias 14 e 15 de abril, em Tomé Açu e Irituia, municípios localizados no nordeste paraense. A atividade conduziu agricultores e técnicos dos estados do Mato Grosso, Acre e da região da Transamazônica, no Pará, por SAFs (Sistemas Agroflorestais) biodiversos que produzem renda com sustentabilidade ambiental a partir de técnicas inovadoras.
A produção por meio de SAFs é uma técnica que reúne espécies florestais e agrícolas em um só espaço, reproduzindo aspectos de uma floresta. Além de promover a diversificação produtiva e a geração de alimentos, o sistema também contribui para o clima e permite a produção contínua ao longo do ano.
Em Tomé-Açu, o legado dos SAFs remonta aos anos 60, quando imigrantes japoneses começaram a desenvolver esses sistemas como uma resposta aos desafios impostos por pragas na monocultura de pimenta-do-reino. Hoje, esses sistemas são considerados um dos mais antigos da Amazônia, tendo em vista que práticas semelhantes já faziam parte da cultura indígena.
No imóvel rural do agricultor familiar José Paixão os visitantes acompanharam o meticuloso processo de restauração empreendido na área. O produtor se estabeleceu em Tomé-Açu nos anos 80. É beneficiário de projetos desenvolvidos pelo IPAM e agora é referência em modelos de SAFs biodiversos. Pimenta-do-reino, banana, abacaxi, maracujá e até pitaya podem ser encontrados na propriedade que tem gerado renda, tanto pelo mercado institucional, via PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), quanto nas feiras e mercados da região.
Os cerca de 50 participantes do intercâmbio observaram in loco as técnicas aplicadas, os arranjos produtivos planejados e a forma como as espécies interagem dentro do sistema, compondo a agrofloresta. “A bananeira permite sombreamento quando cresce, mas também forma adubo, com suas folhagens, assim como o margaridão [espécie de planta] que está espalhado por toda a área. Fazendo a poda periodicamente, tenho um solo nutrido”, contou José.
Troca de experiências
Durante a atividade, Arelucia do Nascimento Silva, agricultora do município de Pacajá, região da Transamazônica, contou que seu interesse pelos SAFs veio da observação do trabalho do pai, que plantava outras culturas junto ao cacau. “Eu sempre tive criação de gado. Tinha uma área degradada e vi que ali tinha uma oportunidade. Pensei que poderia seguir os passos dele e comecei plantando banana, daí fui inserindo cacau, melancia, abóbora, pepino e umas árvores nativas que consegui com o IPAM”, conta.
A diversidade de espécies agrícolas nos SAFs visitados chamou a atenção da produtora, que agora pretende agregar mais plantas nativas e ampliar sua área. “Você percebe que eles [os produtores visitados] trabalham com empenho e não apenas pelo lucro gerado dali, mas pelo compromisso com a natureza. Afinal é uma troca, né? Nós usamos para sobreviver e se cuidarmos teremos recursos para sempre”, argumenta Ana.
Na comunidade em que mora Angélica Cruz, produtora do município de Cruzeiro do Sul, no Acre, a degradação por desmatamento foi intensa. Na visita ao Pará, ela revelou que os produtores da região agora buscam alternativas para reflorestar. “Estamos começando a diversificar nossa produção, mas ainda é muito difícil encontrar plantas que se adaptem, pois é uma área ribeirinha e o solo é bem diferente do que estamos vendo. Mas observando o sistema aqui, na prática, anima a gente. Agora é entender melhor nossa terra para termos algo assim”, comentou.
De acordo com Lucimar Souza, diretora adjunta de desenvolvimento territorial do IPAM, a instituição implementa uma série de ações nos três estados: Pará, Mato Grosso e Acre. O objetivo é restaurar áreas degradadas através da implantação de sistemas agroflorestais (SAFs), beneficiando diretamente mais de 600 famílias.
O projeto não só fornece assistência técnica e insumos essenciais, como mudas e sementes, mas também promove capacitações e intercâmbios entre os agricultores. “Esses encontros oferecem uma plataforma para que os produtores compartilhem experiências, discutam desafios e celebrem os benefícios dos SAFs”, argumentou. O esforço do IPAM para conectar equipes técnicas e agricultores de diferentes regiões aponta como a colaboração pode levar a avanços em práticas agrícolas sustentáveis.
Agroecologia e relação com a terra
Um dos pontos altos do intercâmbio foi a visita à propriedade rural mantida pelo IVISAM (Instituto Vida em Sintropia da Amazônia), localizado no Sítio Portal Monã, Vila São Pedro do Patrimônio, município de Irituia. Os investimentos em agroecologia e as experimentações coordenadas no espaço por Vicente Cirino despertou curiosidade nos participantes.
“Nós fazemos um trabalho de frutas, com pequi, e queremos implementar SAFs. Estamos trabalhando com apoio do IPAM e ver isso aqui é muito melhor do que ler um livro, ver uma reportagem. É diferente. Tem muita coisa que podemos levar como experiência aprendida aqui, como a cobertura de solo, de plantas protetoras, principalmente aquelas que precisam de sombra no início de seu crescimento”, pontuou Eleandro Mariani Ribeiro, agricultor do município de Querência, no Mato Grosso.
O IVISAM foi fundado em 2018 e tem se destacado pelo trabalho com permacultura, agroecologia e agricultura Sintrópica, abordagens que respeitam os ciclos naturais e revitalizam não apenas o solo, mas todo o ecossistema local. “Nosso objetivo é cuidar do planeta e das pessoas, promovendo uma partilha justa dos recursos”, afirma Vicente. Desde a fundação, o Instituto tem implementado práticas agrícolas sustentáveis que já mostram resultados positivos, tanto na produtividade quanto na qualidade de vida dos agricultores associados.
Durante a visita, os participantes tiveram a chance de observar os resultados dos “puxiruns”, mutirões coletivos de preparo das áreas de SAF, desde a correção do solo com calcário até o levantamento de leiras com uso de esterco e biomassa vegetal.
O intercâmbio promoveu a troca de experiências em diferentes aspectos. Os participantes puderam visualizar na prática diferentes dinâmicas e formas de implantar e conduzir sistemas agroflorestais. “As experiências do nordeste paraense vão além do aspecto produtivo e mostram como esse modelo é capaz de mudar a realidade das famílias que vivem no campo, pois envolve as pessoas na discussão e observação de aspectos ligados às questões sociais, educacionais, de saúde, geração de renda, segurança alimentar, regularização ambiental de imóveis, entre outros”, explicou Edivan Carvalho, coordenador do IPAM no estado do Pará.
A atividade foi realizada no âmbito do projeto “Criando Condições para Fortalecer a Agricultura Familiar na Amazônia Brasileira”, apoiado pela Fundação Walmart. Entre as lições testemunhadas nas áreas visitadas, os participantes destacaram como a agricultura regenerativa pode melhorar a produtividade e promover uma maior consciência ambiental entre as famílias. Nessa perspectiva, o IPAM tem apoiado diferentes iniciativas nos estados que participaram do intercâmbio.
Quer saber mais sobre SAFs?
Acesse: https://ipam.org.br/glossario/sistemas-agroflorestais/
*Jornalista do IPAM