Por Lucas Guaraldo*
Ao longo da vida de um rio, seus canais mudam de posição diversas vezes e não é incomum que o curso do rio “corte” outros trechos de si mesmo, deixando lagos vestigiais chamados de lagos de meandro. Esses lagos ocorrem com frequência na Amazônia e são fundamentais para o equilíbrio da biodiversidade, servindo de berçário para peixes e plantas que, mais tarde, irão para os grandes rios da região.
A partir de coletas de animais em lagos de meandro do Rio Purus, no município de Boca do Acre, pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), da UFAC (Universidade Federal do Acre) e do Instituto Boitatá buscam compreender melhor os fatores que regem a variedade de espécies de anuros (grupo de anfíbios que inclui sapos, rãs e pererecas), macrófitas (plantas aquáticas que vivem em ambientes alagados) e macroinvertebrados (pequenos invertebrados que vivem nos rios).
“É como se pensássemos em uma praça de alimentação. Quando um anfíbio tem muitas opções de alimento, ele vai se adaptar para comer um alimento específico. No entanto, quando esses animais têm menos opções, a competição por aquele alimento fica maior e isso diminui o espaço para que diferentes espécies encontrem alimento”, explica o pesquisador do IPAM Filipe Viegas de Arruda, co-autor do artigo “A importância de fatores ambientais e as redes de interação de anuros em bancos de macrófitas flutuantes em lagos de meandro amazônicos”, que reuniu os dados da pesquisa.
“A ideia de trabalhar com essas redes de interações veio disso. Nós visitamos e estudamos esses lagos para um projeto de grandes predadores, e aproveitamos para observar o que vivia nessas macrófitas além dos peixes. Vimos que ali vivem espécies exclusivas que a gente não tinha na floresta, que poderiam formar redes de interação extremamente complexas”, aponta o pesquisador da Universidade Estadual do Goiás (UEG), Werther Ramalho, que também assina a pesquisa.
Para realizar o estudo, foram coletados dados de grupos de anfíbios, grupos de macrófitas e macroinvertebrados ao longo de nove áreas de 200 m² no Rio Purus. As áreas selecionadas estão localizadas no início, meio e final dos lagos observados, com uma distância de pelo menos um quilômetro entre elas. Pesquisadores também realizaram a coleta durante o início e no meio do ano, a fim de entender os efeitos das chuvas e da disponibilidade de alimento na variedade de espécies encontradas.
Dessa forma, foi possível concluir que a disponibilidade de espécies de macrófitas e a disponibilidade de recursos alimentares, como invertebrados, são os melhores fatores que explicam a distribuição de anuros. Além disso, pesquisadores também concluíram que a variação na abundância desses anfíbios é dependente da variação de espécies de macrófitas e invertebrados disponíveis no ambiente.
“Berçários para peixes”
Devido à rica biodiversidade que pode ser encontrada em suas águas, os lagos de meandro são fundamentais para o desenvolvimento de várias espécies amazônicas. Também são visados por pescadores e caçadores, que retiram parte das macrófitas para facilitar a entrada de barcos – o que pode desequilibrar a região.
“Os lagos que estão fechados por macrófitas normalmente só conseguem ser adentrados por organismos aquáticos, como peixes, e é lá que muitos deles se reproduzem. Quando pescadores limpam essas áreas, alteram todo o habitat. Temos estudos que provam que os anfíbios que ocorrem nessas macrófitas não ocorrem no restante da floresta. Se estão tirando essas plantas, estão extinguindo essas espécies”, afirma Ramalho. “Essas macrófitas também são usadas como berçários pelos peixes. Os ovos ficam nessas áreas e os filhotes ficam nesses lagos se alimentando de invertebrados até se desenvolverem. As plantas servem como proteção para esses filhotes”, acrescenta.
De acordo com dados do MapBiomas, o Brasil perdeu cerca de 15% da sua superfície de água desde os anos 1990 devido, entre outros fatores, ao desmatamento e à conversão de florestas em pastagens. A tríplice divisa entre Acre, Amazonas e Rondônia, apelidada de Amacro, onde fica o Rio Purus, tem sofrido com a pressão do avanço do agronegócio.
“A preservação das macrófitas e da vegetação nativa são importantes para a manutenção da biodiversidade nos lagos de meandros, pois proporcionam habitats apropriados para a sobrevivência de um grande número de espécies de animais. Consequentemente, a retirada das macrófitas e o desmatamento podem gerar a extinção local de várias espécies, gerando a perda de serviços ecossistêmicos Quando você retira a cobertura vegetal de parte das matas de planícies alagadas, por exemplo, você causa a extinção local de várias espécies e isso quando é recorrente pode provocar o aumento da temperatura e o ressecamento do clima da região”, afirma Ramalho.
*Estagiário sob supervisão de Natália Moura