Saúde registrou 103% menos mortes de indígenas da Amazônia por covid-19

12 de abril de 2021 | Notícias

abr 12, 2021 | Notícias

Um artigo científico publicado hoje (12/4) na revista “Frontiers” mostra que o Ministério da Saúde contou em média 103% menos mortes e 14% menos casos de infecção do que o levantamento independente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) entre 23 de fevereiro e 3 de outubro de 2020.

A contagem organizada pela COIAB acontece desde março de 2020, feita junto a lideranças, profissionais de saúde indígena, organizações da Rede COIAB e dados do Ministério da Saúde, e tem o objetivo de revelar e evitar a subnotificação de casos da covid-19 entre os indígenas da Amazônia. Os dados deste monitoramento comunitário, como a COIAB chama, estão disponíveis de maneira pública e gratuita nas redes sociais e no site da instituição (https://coiab.org.br/covid) e são atualizados semanalmente.

Os povos indígenas estão entre os grupos em situação mais vulnerável na pandemia da covid-19. De acordo com o novo estudo, na Amazônia Legal a taxa de incidência é 136% mais alta do que a média nacional no período estudado, e 70% maior do que a média entre todos os habitantes da região. A taxa de mortalidade indígena por 100 mil habitantes é 110% superior à média brasileira e supera a média da região em 89%.

Diferentes motivos explicam essa diferença de incidência, como invasões dos territórios para grilagem e retirada de madeira e mineração ilegais. “Há uma correlação direta entre a ocorrência de atividades ilegais nas terras indígenas e uma alta taxa de incidência de casos de covid-19”, diz a pesquisadora do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Martha Fellows, que liderou o trabalho. Entre os demais autores, estão pesquisadores indígenas da COIAB e cientistas da Universidade de Brasília (UnB), do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB), da Fundação Oswaldo Cruz, do Lancaster Environment Center, do Reino Unido, e do Nature and Culture International, de Brasília.

Pouca vacina

A subnotificação de casos se repete na campanha de vacinação – o Plano Nacional de Imunização deixa de fora aproximadamente um quarto da população indígena do País. São cerca de 200 mil pessoas que não foram incluídas como público prioritário. Em Manaus, cerca de 20 mil indígenas foram excluídos da vacinação por morarem na zona urbana, segundo estimativa da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno, uma das associações de base da COIAB.

“A campanha de vacinação considera somente a população indígena que mora em terras indígenas demarcadas, e exclui aqueles que moram em cidades ou que estão em territórios não homologados, ignorando ainda o trânsito que existe entre esses locais”, afirma o professor e pesquisador Paulo Cesar Basta, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, um dos autores do estudo. “É preciso tratar esse grupo prioritário de forma mais abrangente, ou o risco de transmissão continuará alto.”

Ao diferenciar indígenas que moram em aldeias daqueles que vivem nas cidades, “o governo reforça o racismo estrutural a essas populações, desrespeita o direito à autodeterminação reconhecido pela Constituição Federal e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e deixa de lado grupos vulneráveis, mantendo um ciclo de infecções que poderia ser interrompido desde já”, afirma a diretora-executiva do Fundo Indígena da Amazônia Brasileira e também autora do estudo, Valéria Paye. “Mais do que subnotificação, é um processo de apagamento da identidade indígena.”

Para o técnico de projetos da COIAB Luiz Tukano, a exclusão de uma parcela dessa população se soma a outros problemas, com impactos negativos na imunização do grupo. “Os dados do SIASI (Sistema de Informação à Saúde Indígena) não estão atualizados e excluem vários parentes; alguns Distritos de Saúde Indígena têm desafios logísticos gigantescos; há ainda a lentidão da digitalização dos dados de atendimento, que dificulta bastante”, diz.

Riscos

O artigo científico ainda joga luz sobre as fragilidades de atendimento às populações indígenas que vivem em seus territórios ancestrais. Ao analisar os casos por Distritos Sanitários Especiais Indígenas, os pesquisadores observaram que as regiões onde aconteceram mais casos não necessariamente foram as que registraram mais óbitos.

A dificuldade de acesso ao sistema de saúde tem um papel importante: a distância média de uma terra indígena na Amazônia até um município com leitos de UTI é de 271 quilômetros, podendo chegar a mais de 700 km, como é o caso de algumas aldeias no DSEI Alto Rio Negro, no Amazonas. Outro fator é a preexistência de comorbidades, como hipertensão e diabetes, doenças relacionadas às perdas de segurança e soberania alimentar indígena nas comunidades.

“Nas últimas décadas, o Brasil avançou no atendimento à saúde indígena, mas ainda há muito a melhorar. Essas subnotificações que identificamos no estudo, as disparidades de tratamento e o índice ainda baixo de vacinação frente ao que é necessário mostram que ajustes precisam ser feitos pelo governo federal, tanto na saúde quanto na governança ambiental,  e isso urgentemente”, diz o biólogo Reinaldo Lourival, do Projeto Bem Viver de Roraima, parceria entre CIR, IIEB e NCI.

“Levar em consideração o movimento indígena e a nossa visão para a elaboração de políticas públicas de saúde, com respeito às perspectivas locais e os tratamentos culturalmente viáveis, é fundamental para proteger os povos originários e, neste momento, ajudar a barrar o avanço da pandemia de covid-19 na Amazônia”, diz Paye.

O monitoramento comunitário feito pela COIAB é parte do “Plano de Ação Emergencial de Combate ao Avanço do Coronavírus e de Tratamento entre os Povos Indígenas da Amazônia Brasileira”, executado pela instituição desde março do ano passado.

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