Uma somatória de perdas econômicas, sociais e ambientais resume a maior parte dos projetos de construção ou melhoria de rodovias na Amazônia. O trabalho, publicado neste mês na revista científica americana PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, olha uma prática comum do século passado sob o enfoque do século 21 – conectar pontos remotos na região por meio de estradas, sob a égide do desenvolvimento econômico e facilidade de acesso a serviços para a população – e conclui: para 45% deles, simplesmente não vale a pena.
A análise foi liderada por uma equipe do Conservation Strategy Fund (CSF), em colaboração com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e a Fundación para la Conservación y Desarrollo Sustenible, e incluiu pesquisadores brasileiros, bolivianos, peruanos e colombianos. Eles se debruçaram sobre 75 projetos de rodovias na Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Peru, que somam mais de 12 mil quilômetros, previstos para os próximos cinco anos e com investimento total de cerca de US$ 27 bilhões. Se todos forem implementados, o desmatamento associado deve ser de pelo menos 2,4 milhões de hectares nos próximos 20 anos.
O maior impacto sobre a floresta será no Brasil: 1,42 milhão de hectares de desmatamento adicional esperado em 24 projetos, dos quais 561 mil hectares são associados somente à melhoria da Rodovia Transamazônia (BR-230). “As estradas na Amazônia são grandes vetores de desmatamento. Quando uma estrada é asfaltada na Amazônia, ela provoca uma valorização da terra e uma corrida para a ocupação ilegal de suas margens. Para coibir esse processo é preciso um choque de governança, com combate ao crime organizado de grilagem”, afirma a diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, uma das autoras do estudo. “É fundamental que os ritos do licenciamento de estradas já abertas na Amazônia continuem para evitar desmatamento ilegal.”
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Estradas são vetores conhecidos de desmatamento na Amazônia, uma vez que passam por regiões que antes eram de difícil acesso e permitem que as pessoas parem com facilidade, ao contrário de hidrovias e ferrovias. Calcula-se que o impacto sobre a floresta seja de 20 quilômetros para cada lado. Uma vez que o estudo não leva em consideração a abertura de estradas secundárias e terciárias a partir das novas rodovias, a área afetada tende a ser ainda maior.
A justificativa normalmente usada para levar tais projetos adiante é a necessidade econômica, como o escoamento de produtos e o trânsito de bens, e a social, ao permitir acesso mais fácil a serviços pelas populações locais. Mas nem sempre a expectativa condiz com a entrega, como mostram os pesquisadores no mesmo estudo.
Ao analisar variáveis como estimativa de tráfego e investimento, entre outros fatores, os autores viram que 45% desses projetos custariam mais para construir e manter do que os dividendos que poderiam gerar – na Bolívia, esse índice chega a 85%. “Mesmo sem consideramos os impactos socioambientais, quase metade dos projetos é inviável economicamente. Estes projetos deveriam ser excluídos, ou no mínimo reavaliados pelos governos”, explica a economista sênior do CSF Thaís Vilela, principal autora do artigo científico. “Além disso, o número de projetos com retorno econômico negativo pode ser maior do que o que encontramos no estudo. Usamos dados de investimento oficiais, mas sabemos que os custos tendem a aumentar ao longo do período de construção das estradas.”
Mesmo entre os projetos que apresentam algum valor positivo, há mais perdas do que ganhos: ou sacrifica-se o meio ambiente e questões sociais em prol do ganho econômico, ou o retorno econômico é menor em prol de objetivos socioambientais.
“Para os projetos que têm retorno econômico positivo, é importante que os governos, em conjunto com a sociedade, determinem qual seria o nível aceitável de perda ambiental e social em troca de um ganho econômico. Por exemplo, é possível obter 77% do retorno econômico total, considerando todos os projetos com retorno positivo, com 10% do dano socioambiental previsto. Basta selecionar os melhores projetos”, diz Vilela.