Por Lays Ushirobira*
Para combater a grilagem, uma das principais causas do desmatamento da Amazônia, é fundamental que haja ações coordenadas entre governos de todos os níveis, setor produtivo e sociedade civil. “E não é preciso estar na Amazônia ou perto dela para ajudar”, diz Alcilene Cardoso, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), no terceiro episódio da série do Amazoniar sobre grilagem.
Veja o novo episódio da série e recomendações de pesquisadores do IPAM para combater a apropriação ilegal de terras públicas na Amazônia.
1. Cancelar os registros de imóveis rurais irregulares com sobreposição às florestas públicas não destinadas (FPNDs)
Como mostra o segundo episódio da série do Amazoniar, estudo do Amazônia 2030 – que contou com a participação de pesquisadores do IPAM – aponta que mais de 100 mil imóveis rurais registrados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) apresentam sobreposição às FPNDs na Amazônia, uma área quase do tamanho do Uruguai.
Ferramenta essencial para a regularização ambiental no Brasil, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) vem sendo indevidamente usado por grileiros. O banimento de CARs fraudulentos da base de dados do sistema nacional é a maneira mais simples e imediata de combater a grilagem.
Os pesquisadores explicam que, pela Lei 12.651/12 sobre proteção de vegetação nativa, a inscrição, análise, suspensão ou cancelamento dos cadastros cabem aos órgãos ambientais estaduais ou municipais. Por isso, recomendam que os governos façam uma varredura nas suas bases de dados para identificar e cancelar os CARs que apresentam sobreposição às FPNDs.
2. Destinar todas as FPNDs
Atualmente, o Brasil tem 56,5 milhões de hectares de FPNDs. São terras públicas sob o domínio do governo estadual ou federal, que ainda não receberam uma destinação para se consolidar como unidade de conservação, terra indígena ou reserva extrativista, por exemplo. Pela Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.284/06), essas áreas devem ser voltadas para conservação ou uso sustentável de seus recursos, em especial pelas populações originárias e tradicionais.
Para uma redução definitiva da grilagem, é fundamental que os governos estaduais e federal retomem rapidamente os processos de destinação das FPNDs. Prova da eficácia da destinação foi uma ação no estado do Pará. “Entre 2005 e 2010, 24 milhões de hectares de terras públicas foram destinados para a proteção da região da Terra do Meio. Isso resultou numa queda de 45% na taxa de desmatamento naquela área [de 2005 a 2008]”, conta Cardoso.
Ela ressalta também que é fundamental fazer a destinação dessas florestas a partir de um olhar das comunidades tradicionais da Amazônia. O IPAM e organizações parceiras vêm contribuindo com estudos para mapear os melhores tipos de destinação para as FPNDs, considerando suas características socioambientais e econômicas.
3. Fortalecer a fiscalização e a punição aos grileiros
Uma das principais ações para combater a grilagem e reduzir o desmatamento imediatamente é o comando e controle na Amazônia, ou seja, fortalecer a fiscalização e punir aqueles que estão cometendo e financiando crimes ambientais. O Brasil foi um dos pioneiros no fortalecimento da legislação e de políticas públicas que incentivam a proteção do bioma e já mostrou que o combate ao desmatamento aliado ao crescimento econômico é possível.
“É muito importante reforçar as ações de fiscalização de órgãos como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas]”, diz Cardoso. Um exemplo claro da eficácia foi o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm). Entre 2004, quando foi implementado, e 2012, o Brasil conseguiu reduzir em 84% o desmatamento na Amazônia. Isso porque os grandes investimentos no Plano foram fundamentais para reforçar as capacidades de fiscalização ambiental nas agências governamentais, contribuindo para melhorar o desempenho dos órgãos responsáveis.
4. Implementar e aprimorar mecanismos de rastreabilidade
Mecanismos de rastreabilidade para identificar se produtos são oriundos de desmatamento (legal ou ilegal) são uma das grandes demandas do mercado internacional. Com a implementação e aprimoração contínua desses mecanismos, seria possível prevenir o fomento à grilagem por parte de mercados e investidores, e eliminar o crime das cadeias produtivas de commodities.
“A existência de um mercado consumidor ativo, seja ele local, nacional ou internacional dá sustentação à produção agropecuária. É fundamental que as FPNDs sejam incluídas como elemento-chave em qualquer acordo que restrinja a produção agropecuária em terras públicas”, comentam os pesquisadores do IPAM em estudo já mencionado.
5. Apoiar a iniciativa popular Amazônia de Pé
Qualquer cidadão brasileiro pode contribuir a partir da assinatura do Projeto de Lei de iniciativa popular Amazônia de Pé, que também conta com apoio do IPAM. Para que possa ser apresentado pelo povo brasileiro, é preciso que 1% dos eleitores do país apoie o projeto, ou seja, mais ou menos 1.5 milhão de pessoas. Mas atenção: “para validar um projeto de lei de iniciativa popular não basta assinatura digital”, explica Cardoso. É possível encontrar e propor novos postos de coleta de assinaturas no site da iniciativa.
Além da destinação dos 56,5 milhões de hectares de FPNDs, o PL busca também a tipificação da grilagem como um crime de danos climáticos, com uma punição mais severa para os grileiros; o combate à crise climática; e a proteção dos povos tradicionais.
Sobre o Amazoniar
O Amazoniar é uma iniciativa do IPAM para promover um diálogo global sobre a Amazônia e sua importância para as relações do Brasil com o mundo. Nos ciclos anteriores, foram organizados diálogos sobre as relações comerciais entre Brasil e Europa; o papel dos povos indígenas no desenvolvimento sustentável da região e sua contribuição para a ciência e a cultura; e o engajamento da juventude pela floresta e seus povos nas eleições de 2022.
Com a proposta de levar a Amazônia para além de suas fronteiras, o Amazoniar já realizou projetos especiais, como um concurso de fotografia, cujas obras selecionadas foram expostas nas ruas de Glasgow, na Escócia, durante a COP 26; uma série de curtas que compôs a exposição “Fruturos – Amazônia do Amanhã”, do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; além das cartilhas Cenários possíveis para a Amazônia no contexto das eleições brasileiras de 2022 e Soluções para o desmatamento na Amazônia. A iniciativa também produziu uma série de entrevistas com representantes de comunidades tradicionais durante as negociações do Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia.
Para fazer parte do diálogo global sobre a Amazônia, inscreva-se na newsletter do Amazoniar.
*Jornalista e consultora de Comunicação do IPAM