A luta por um meio ambiente saudável e uma sociedade justa para pessoas LGBTQIA+ podem se encontrar. É o que mostra a trajetória de muitos dos colaboradores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) que não só atuam na produção de ciência e políticas públicas ambientais, mas também vivem sua orientação sexual e a pautam no trabalho que realizam.
A história de cada um deles e delas aponta para a construção de uma ciência da conservação mais moderna e ousada, pois não olha apenas para suas experiências, mas reconhece a pluralidade de pontos de vistas e a importância de incluí-los.
O amor pelo meio ambiente e a descoberta de si
Isabel de Castro é coordenadora de geoprocessamento no IPAM. Sua trajetória de quase 20 anos como pesquisadora é acompanhada de muitas histórias, mas há uma que ela não costuma contar: como ela passou a se enxergar como uma mulher bissexual. A descoberta do termo e seu significado demorou para chegar, mas sua vivência começou na faculdade.
Graças às trilhas e às águas do Cerrado, Isabel se apaixonou pela natureza, o que a levou a cursar engenharia florestal, na UNB (Universidade de Brasília). Foi no ambiente acadêmico que ela conheceu e vivenciou os primeiros afetos com mulheres, embora ainda se entendesse como mulher hétero. Anos depois, em uma conversa com seu hoje marido, percebeu que amar mulheres e homens tem um nome e identidade própria, que agora assume com orgulho.
No interior do Pará, alguns anos mais tarde, quem fazia uma descoberta de igual importância era Larissa Farias, analista de pesquisa do IPAM. Seu apreço pela biologia a levou para Bragança (PA), e os quatro anos de graduação lhe renderam, além do diploma, sua descoberta como uma mulher lésbica.
Larissa explica que sua admiração por mulheres vinha desde a adolescência, mas que só conseguiu dar sentido a esse afeto após a primeira relação homoafetiva. “Eu me via muito nesse lugar de ‘gosto muito da fulana, ela é muito legal e bonita’, mas eu não sabia tratar esse sentimento dentro de mim. Só depois, rememorando, me dei conta de que minha identidade já estava sendo construída ali”, lembra.
Kessyane Ymud, assistente administrativa do IPAM, percorreu um caminho parecido. A questão ambiental veio bem antes, ainda na adolescência, quando conheceu o IPAM por pessoas que trabalham na organização e percebeu o desejo de trabalhar por uma causa.
A descoberta da bissexualidade veio pela decisão de explorar essa parte de si, já aos 20 anos — algo que não teve a chance de viver enquanto crescia, por falta de referências de pessoas LGBTQIA+ na sua infância em Belém (PA).
Já Luiz Felipe Fadel, pesquisador do IPAM, percebeu ser gay ainda menino e, aos 12 anos, ele já havia se assumido para os amigos. A luta ambiental se tornou parte da sua vida anos após a faculdade de engenharia química, mas foi lá que ele se encantou pelo processo de transformar vidas, ao trabalhar voluntariamente com um projeto de apoio a mulheres em vulnerabilidade econômica.
Hoje, seu dia a dia é preenchido com o mesmo propósito: ele apoia agricultores familiares e comunidades tradicionais por meio da construção de políticas públicas ambientais para esses grupos.
Desafios e liberdade
Antes de entrar para o IPAM, Larissa Farias muitas vezes teve que esconder sua sexualidade. Como professora no ensino modular, ela lecionou em várias cidades do interior do Pará, onde os professores — em sua maioria homens — não escondiam os comentários inapropriados sobre mulheres e pessoas LGBTQIA+.
“Quando cheguei no IPAM foi o contrário, um lugar seguro. E é um lugar que é muito legal, porque no escritório de Belém, onde trabalho, a maioria das colaboradoras é mulher. Então eu não tive nenhum problema quando cheguei de falar: ‘Olha, sou uma mulher lésbica’”, explica a analista.
Para Fadel, faltava identificação e representatividade: na maior parte dos lugares onde trabalhou, era a única pessoa LGBTQIA+. Já no IPAM, conta que encontrou muitos colegas de orientações sexuais diversas.
A invisibilidade é um dos sentimentos compartilhados por Isabel e Kessyane. Dizem não serem vistas como bissexuais e, quando afirmam sua sexualidade, ela é questionada. “Tem gente que acha que o que somos é uma coisa de momento, que é algo que só acontece em festa. Mas não é assim”, enfatiza Kessyane.
Justiça Climática para dentro do arco-íris
Larissa, Kessyane, Isabel e Fadel são unânimes: a população LGBTQIA+ precisa ser incluída na construção de políticas ambientais e em medidas de adaptação à emergência climática.
Invisibilidade, desigualdade, violência já eram experiências comuns da população LGBTQIA+ mesmo antes da emergência climática. O aumento da temperatura traz consigo uma maior frequência e intensidade de extremos climáticos — como secas, alagamentos e ondas de calor — e a consequente intensificação das desigualdades sociais e econômicas.
Para Isabel, o esforço de inclusão deve ser feito por pessoas fora da população. “Essa comunidade já é vulnerável por conta do preconceito, do início ao fim da vida. Acho que nós, enquanto sociedade, temos que criar esse espaço de discussão”, opina a pesquisadora.
Voluntário na TODXS, Fadel pretende unir o trabalho de impulsionamento de ações ambientais que faz no IPAM com a criação desses espaços. “Acho que é nisso que eu gostaria de focar daqui para frente: como consigo trazer essas pessoas para a conversa que estamos tendo sobre meio ambiente e clima. É muito importante ter essa perspectiva de toda a população LGBTIA+ para que todas tenham seu lugar à mesa e sejam consideradas na criação de políticas públicas”, afirma o analista de pesquisa.
Analista de comunicação*
Arte de capa: Karina Custódio*