É o que mostrou a conversa transmitida no último episódio do Amazoniar. Especialistas apontaram o papel dessas comunidades na conservação das florestas e na queda das emissões de gases do efeito estufa.
Atualmente, os territórios indígenas correspondem a cerca de 97 milhões de hectares da Amazônia brasileira. A quantidade de carbono armazenado nas florestas do bioma, protegidas por esses povos, chega a 14,2 bilhões de toneladas, montante que representa um pouco mais de um ano de emissões globais de gases do efeito estufa.
O episódio do Amazoniar, “O papel dos povos indígenas na conservação da floresta amazônica”, transmitido na última quinta-feira, trouxe convidados para discutir e reforçar a consciência ecológica dos indígenas e como ela reflete na saúde da região amazônica e do planeta.
Com a moderação do pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho, o evento contou com a participação do coordenador de Área e Território e Recursos Naturais da COICA (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, sigla em espanhol) e assessor político da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia), Toya Manchineri; e do gerente de Instalações Florestais e Fazendas da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, sigla em inglês), David Kaimowtz.
Respeitar para conservar
Ao falar do seu relatório sobre governança florestal por povos indígenas e quilombolas da América Latina, Kaimowtz ressaltou que o respeito aos territórios dessas comunidades ajuda todo o mundo a caminhar para um futuro mais sustentável. “Estamos falando de 330/380 milhões de hectares (de florestas) em toda América Latina, mais ou menos 1/3 da floresta de toda América Latina, que estão protegidos por indígenas ou por quilombolas.”
Essa representatividade, no entanto, é colocada em risco à medida que a demanda mundial por grãos e carne bovina cresce. “A ampliação da produção impacta diretamente na demarcação de terras indígenas, o que acaba colocando em risco a vida dessas comunidades e da manutenção da biodiversidade”, alerta Kaimowtz.
Durante o evento, Toya, representante do povo Manchineri, explicou que as comunidades indígenas veem a terra como algo compartilhado, feita para acolher toda a população que vive naquele local. Segundo ele, devido à capacidade dessas comunidades em produzir sem desmatar, o território indígena ainda possui 95% de sua reserva Mamoadate intacta. ” Utilizamos o sistema de manejo e deixamos a terra descansar por um período grande. São essas ações, dentre outras, que contribuem para a fixação de carbono”, apontou.
Manchineri também chamou a atenção para a tramitação do projeto de lei (PL) 490, de autoria do deputado Homero Pereira (PR/MT), que tramita na Câmara dos Deputados e pode ser aprovado nos próximos dias. O texto propõe alterar a Lei nº 6.001/1973 (Estatuto do Índio) ao restabelecer a demarcação das terras indígenas para a exploração das reservas hídricas e extração de minérios.
Como uma forma de impedir que o projeto avance, Manchineri fez um apelo à toda população para, antes, debater mais o assunto, uma vez que a proteção dessas áreas reverbera no amanhã de todos os seres humanos.
Moutinho endossou a afirmação de Manchineri ao alertar a respeito da urgência de reconhecer a dimensão das ações indígenas sobre a floresta e, consequentemente, sobre o mundo. ”Se não conseguirmos comunicar a importância real desse papel, por meio do respeito aos direitos dessas comunidades, não iremos conseguir avançar [na resolução dos problemas climáticos] e, certamente, não teremos um planeta adequado ou habitável o suficiente para as próximas gerações”, afirmou o pesquisador.
E não só para a saúde do planeta. Kaimowtz explicou que, ao regular o clima, a floresta desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento econômico do país. “No Brasil, muitas vezes, o agronegócio vê os índios como inimigos, mas a verdade é que são eles os melhores amigos do agronegócio.”, diz ele, ressaltando a importância desses povos na conservação da vegetação nativa.
Para proteger as terras indígenas e os direitos dos que vivem nela, Manchineri afirmou que a COIAB tem investido em jovens lideranças indígenas para formá-las como advogados. ”Dessa forma, esses jovens passam a entender sobre as leis e, assim, podem buscar nossos direitos.”
Um olhar para o futuro
Apesar das dificuldades, Kaimowtz afirmou que, nos últimos cinco anos, os povos indígenas têm se mostrado cada vez mais como aliados-chave na busca por soluções sustentáveis. “É o início de um diálogo cultural entre os povos indígenas e o não indígena para caminharem juntos.”
Manchineri concordou e disse que é necessário quebrar as barreiras contra os povos indígenas e o negacionismo. “A esperança que vejo é na união de toda a população por um bem maior que possa favorecer a todos nós”. Para ele, é preciso ainda um acordo entre povos indígenas e líderes políticos para conservar as florestas, sem renunciar o desenvolvimento do país.
Sobre o Amazonizar
O Amazoniar surgiu como um canal de debate global sobre a floresta amazônica. O projeto visa ampliar o diálogo referente ao tema e mostrar a influência desse território para a relação do Brasil com o restante do mundo.
Acompanhe os próximos episódios e quais serão os temas abordados:
1º de Julho – Ep 09: O que podemos aprender com as ciências tradicionais?
15 de Julho – Ep 10: Integração Pan-amazônica: inúmeras culturas em um só bioma.
Assista aos episódios do primeiro clique aqui.