Por Lays Ushirobira*
Com aproximadamente 8 milhões de km² de território, a Pan Amazônia atravessa nove países e abriga quase metade das florestas tropicais do planeta e a maior rede hidrográfica do mundo. Ela contém as maiores reservas de carbono e coexiste com uma das mais elevadas concentrações de biodiversidade do planeta. É também o lar de grandes diversidades etno-culturais, com mais de 250 comunidades indígenas falando mais de 180 idiomas diferentes. A chamada “terra dos superlativos” é um imenso sumidouro de gases de efeito estufa e, no contexto de uma emergência climática global, é essencial que este carbono não seja liberado na atmosfera para que as temperaturas globais não aumentem ainda mais.
Em grande medida, a conservação da Amazônia depende de um conjunto de políticas públicas que precisam ser inclusivas, equitativas e assertivas no objetivo de alcançar o desenvolvimento sustentável da região. É por isso que as eleições brasileiras de 2022 serão decisivas para o futuro da região e do planeta. “Esta pode ser a eleição mais importante do mundo porque o que acontecer no Brasil este ano vai ditar o que vai acontecer para o resto do tempo para a raça humana. Se a Amazônia for destruída, todos nós seremos também”, alertou a ativista britânica pelo clima Tiana Jacout.
Atualmente trabalhando com a organização Mother Earth Delegation of United Original Nations, “que tem como objetivo reunir todas as tribos do mundo para trazer sua sabedoria para a linha de frente da luta contra a crise climática”, Jacout atuou anteriormente na Extinction Rebellion UK, um movimento sociopolítico que incentiva a ação coletiva pela agenda socioambiental. Em entrevista à equipe do Amazoniar, Jacout falou sobre a importância vital da Amazônia para o planeta, sobre como a atual falta de políticas para protegê-la e suas comunidades afeta a reputação do Brasil internacionalmente, e o que pessoas de outros países podem fazer pela sua conservação.
Confira a entrevista:
Como você se envolveu com a agenda da justiça climática?
Eu me envolvi com isso porque nasci neste planeta, nesta época. Não acho que uma pessoa possa estar viva agora e saber o que está acontecendo. Se você quiser fazer algo a respeito, você pode ou tentar ganhar algum poder político ou se tornar um ativista. Então me tornei uma ativista e ajudei a iniciar o Extinction Rebellion no Reino Unido e agora o movimento está em todo o mundo. Eu tinha reservas com o conceito ocidental de mudança climática: embora fosse muito baseado na ciência, o que é ótimo, era apenas sobre emissões de CO2, e o reconhecimento de nossa relação com o planeta também é uma parte muito importante. Refiro-me à mudança dentro de nossas próprias mentes e ao reconhecimento da importância dos povos indígenas, que existem há muito mais tempo do que o mundo ocidental, especialmente na Amazônia – eles estiveram lá por milhares de anos e ela floresceu. Portanto, a voz indígena é realmente importante nesta luta em escala global. Então comecei a trabalhar para uma organização chamada Mother Earth Delegation of United Original Nations, que está tentando reunir todas as tribos globalmente e trazer sua sabedoria para a linha de frente da luta contra a crise climática.
Você também já trabalhou em território amazônico. Como foi essa experiência?
Fui à convite do Davi Kopenawa Yanomami, que é um dos líderes da comunidade Yanomami. Eles tiveram uma visão de que três crianças iriam ajudar a mudar o mundo e Greta Thunberg foi uma delas. Então eles viram o que estava acontecendo na Europa na época, e a Extinction Rebellion estava explodindo junto com o Fridays for Future, de modo que adultos e crianças estavam se mobilizando simultaneamente em torno desta questão. Assim, eles nos convidaram para ir à Amazônia e ver o que realmente estava acontecendo no território. Eu e alguns jovens representantes da Extinction Rebellion, juntamente com três garotas do Fridays for Future, fomos para a Amazônia, para a região dos Kayapós, com líderes de vários lugares da região e quilombolas. Foi uma reunião extraordinária pouco antes da pandemia.
Do que você mais se orgulha de ter feito na/pela Amazônia?
Tenho bastante orgulho de ter atirado balões de tinta na Embaixada do Brasil em Londres. Fizemos uma grande ação fora da Embaixada do Brasil, ligada à “estrada vermelha”, onde todos os indígenas amazônicos protestavam [referindo-se ao Acampamento Terra Livre]. Eles foram a Brasília para protestar e nós protestamos do lado de fora da Embaixada do Brasil, em solidariedade. Quando você começa a trabalhar dessa maneira [em união] e começa a entender as lutas que acontecem ao redor do mundo – e é tudo a mesma luta – e podemos começar a ser solidários uns com os outros, eu acho que é quando as coisas começam a mudar e a se mover.
Ao longo destes anos trabalhando na agenda climática, qual foi seu maior aprendizado que gostaria de passar para o mundo?
Parece que estamos no que eu chamo de convergência de crises. Temos uma crise de violência contra as mulheres, uma crise de destruição do planeta, temos guerras, racismo… Todas elas são convergentes, nenhuma dessas lutas é separada. Se olharmos para a origem delas, há uma raiz, que é a história que começamos a contar a nós mesmos: essa história se tornou global e é o capitalismo. Essa história é sobre a priorização de dinheiro antes de todas as outras coisas. Quando você coloca dinheiro antes de tudo – da vida, da humanidade, de todos os outros seres deste planeta – você obtém o que temos agora. Portanto, precisamos mudar esta história em nossas mentes, nossos corações e nossas comunidades em um nível global. Temos contado a nós mesmos uma história de que este planeta foi feito para nós e ele não foi. Se olharmos para o mundo como se ele nos pertencesse, então o dominamos. Podemos mudar essa história entendendo que tudo é mais antigo do que nós e pode nos ensinar muito.
A Amazônia está nos holofotes ao redor do mundo. Qual é a sua leitura sobre o que está acontecendo atualmente no território?
Para mim, foi muito interessante ir ao Brasil porque fui direto para a Amazônia e lá estão as pessoas que vivem no território há milhares de anos e os jovens ativistas que se juntaram à luta e são uma grande parte dela. Todos lá adoraram a Amazônia: basta entrar na floresta e se apaixonar por ela. E então, quando voei para São Paulo, conheci vários jovens brilhantes brasileiros que nunca haviam estado na Amazônia. Parece que há uma desconexão entre o Brasil urbano e a floresta antiga. Se você não vive a Amazônia, se você não tem uma conexão com ela, é difícil entender esta luta. Os sistemas que construímos, como os países e as fronteiras, foram criados para o poder e os recursos. Dessa forma, o país só vê a Amazônia como um recurso de riqueza, não como um ser vivo e respirável, cheio de pessoas que vivem lá há muito tempo. Temos que olhar para fora das fronteiras e transbordá-las.
Fantasio com uma Amazônia livre, onde os países simplesmente aceitam que ela é intocável. Mas nunca vamos chegar a esse ponto se o povo daquele país não começar a pensar dessa maneira. E estamos presos a um sistema de democracia bipartidária, em que temos que votar em um ou outro, mesmo que não concordemos com nenhum dos dois. Eu sempre disse que tivemos uma grande eleição na Inglaterra, em que tivemos uma situação parecida. De um lado, tínhamos uma direita muito dura e, de outro, uma esquerda socialista. Eu não concordava inteiramente com a pessoa que era da esquerda, mas ele ia ajudar o mundo muito mais do que o outro candidato. Se é meia-noite, está chovendo forte e você precisa chegar em casa e aí um ônibus aparece, mesmo que ele não te leve até a porta da sua casa, mas pelo menos te aproxime dela, entre no ônibus.
A partir de sua experiência, qual é a imagem atual do Brasil no exterior em termos de meio ambiente e direitos humanos?
Tenho que separar algumas coisas, porque vivo numa pequena bolha de ativistas e vemos a Amazônia como o coração e os pulmões deste planeta. Mas fora da minha bolha, as pessoas a ignoram. Elas sabem que ela existe, sabem que ela é incrível. Mas acho que existe uma ideia de que ela é tão vasta que eles não entendem de verdade o quanto está sendo tirada da floresta. Você pode dizer que as pessoas estão devastando o equivalente a um campo de futebol a cada minuto, e algumas pessoas não compreendem o que isso representa. Quando olham para o mapa global e vêem aquele pedaço verde gigante, pensam “nunca vamos ficar sem isso”. E elas não entendem que o mundo inteiro costumava ser assim. Por isso, acho que as pessoas recebem imagens de floresta tropical interminável e não entendem como estamos próximos a este ponto de inflexão, no qual a Amazônia pode se tornar um deserto. Eles estão mais preocupados se podem pagar a conta do gás na próxima semana.
Nós também temos um líder terrível neste momento e acho que especialmente qualquer pessoa com menos de 35 anos de idade não entende esta enorme lacuna entre nós e os baby boomers, que estão tão preocupados com sua própria segurança a ponto de não verem o perigo fora de seu pequeno mundo. Crescemos com uma lente muito mais ampla e conectada, de modo que podemos ver além de nosso mundo.
O que as pessoas de outros países e regiões poderiam fazer para apoiar a conservação da Amazônia e a agenda de justiça climática?
Boicotar cada uma das empresas que fazem parte da destruição da Amazônia e deixar de consumir seus produtos. Vivemos em uma verdadeira democracia. Se tomamos o capitalismo como ele é, cada centavo que você gasta, você está dizendo: “eu quero que isso ainda fique no mundo”. Portanto, se você compra de uma empresa que está desmatando ou desrespeitando as comunidades locais, você está dizendo que está de acordo com isso. Cada pessoa no planeta pode ser parte da mudança do sistema.
Sei que é difícil, porque somos uma geração menos bem-sucedida do que a dos nossos pais. Esta é a primeira vez na história da humanidade que uma geração é mais pobre do que a última. Portanto, é muito difícil tomar decisões conscientes sobre como estamos gastando dinheiro, porque estamos apenas tentando sobreviver. Mas tente pensar sobre o que você realmente precisa e o que lhe traz alegria. Eu sou a favor do “decrescimento”, acredito que precisamos de menos coisas. Vamos reutilizar e reciclar. Vamos nos reunir em nossas comunidades e nos organizar, compartilhar as coisas. Embora todas essas ações pareçam pequenas, quando as levamos para uma escala global, podemos criar uma revolução.
Apesar do cenário caótico atual, você acredita que é possível alcançar um desenvolvimento sustentável?
Sou bastante otimista quanto ao futuro. Fiquei presa ao medo por muito tempo e isso me levou ao ativismo e “faça a mudança agora”. E percebi que eu estava usando os mesmos métodos [daqueles aos quais me oponho]: mesmo sendo não-violentos, estávamos fazendo isso muito superficial e insistentemente. Acho que essa estratégia não vai funcionar. Não se pode desmontar a casa do mestre com as ferramentas do mestre. Então não se pode combater a violência com violência, não se pode combater o patriarcado com o patriarcado. Se olharmos o que está acontecendo agora, qual é o oposto disso? É interdependência comunitária, mulheres e indígenas como líderes… Temos que mudar a narrativa completamente, e quando fizermos isso, acho que as coisas vão mudar.
Não é incrível o que a pandemia nos mostrou, que podemos mudar nossas sociedades da noite para o dia? Sabemos que podemos fazer o que pensávamos não ser possível. Esta pandemia nos ensinou que se decidirmos realmente mudar as coisas e nos unirmos, podemos fazer isso. E eu acho que essa é a maior esperança que surgiu nestes últimos dois anos. Toda escolha que fazemos precisa ser muito consciente neste planeta. Quando sabemos que todas as nossas decisões se espalham pelo globo, tudo o que fazemos, falamos, cada escolha que fazemos é parte de uma “tapeçaria entrelaçada”, e cada pessoa é importante para esta história.
Que mensagem você gostaria de transmitir aos próximos políticos do Brasil?
Aos representantes do governo: as escolhas que vocês fizerem hoje afetarão o resto do mundo para sempre. Se vocês assumirem essa responsabilidade com amor e compaixão e segurá-la de uma forma que os torne mais fortes e disponíveis para a melhor versão de vocês mesmos, então vocês entrarão para a história como aqueles que transformaram isso.
E aos jovens e à sociedade civil em geral?
Minha mensagem aos jovens brasileiros é: onde estamos agora no mundo e a situação atual na Amazônia, a responsabilidade de fazer algo a respeito é de vocês. Esta pode ser a eleição mais importante do mundo, porque o que acontecer no Brasil este ano vai ditar o que vai acontecer para o resto do tempo para a raça humana. Se a Amazônia for destruída, todos nós seremos também — e isto é grande e aterrorizante. Eu recomendo muito que passemos por esse luto porque, se não o fizermos, vamos simplesmente evitar e nos desligar da situação, que é pesada. Encontrem pessoas para apoiar, passem por esse luto e saiam do outro lado dele tão afiados como uma flecha, porque vocês são o que estávamos esperando. Não há ninguém que venha nos salvar, nós precisamos salvar a nós mesmos.
Não se trata apenas de votar — trata-se de se organizar. Se não queremos mais o sistema atual, precisamos construir um novo e isso significa arregaçar as mangas e transformá-lo desde as nossas bases. Precisamos criar um mundo diferente juntos, recuperar o poder e nos organizar com nossas comunidades.
Sobre o Amazoniar
O Amazoniar é uma iniciativa do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) para promover um diálogo global sobre a Amazônia e sua importância para as relações do Brasil com o mundo. No seu quarto ciclo, o Amazoniar promoverá uma série de entrevistas com jovens brasileiros e estrangeiros que inspiram a mobilização por justiça climática, especialmente na Amazônia. Entre maio e junho, os bate-papos serão publicados semanalmente na íntegra no site do IPAM. Inscreva-se na newsletter para receber as próximas entrevistas!
*Jornalista e consultora de comunicação no IPAM