“Sou matemático, quero menos números”, diz professor sobre dados

30 de outubro de 2023 | Notícias

out 30, 2023 | Notícias

Por Maria Garcia*

Robert Gilmore Pontius, matemático e professor da Universidade de Clark, nos Estados Unidos, foi premiado com uma bolsa de pesquisa do programa Fulbright, promovido pelo governo estadunidense, para contribuir com a rede MapBiomas na análise de dados obtidos por imagens de satélite.

Esta entrevista foi publicada originalmente na Um Grau e Meio, newsletter com análises exclusivas sobre clima, meio ambiente e sociobiodiversidade, produzida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

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Poderia explicar o que você está desenvolvendo na pesquisa financiada pela bolsa Fullbright?

Meu objetivo é desenvolver conceitos matemáticos que podem ser genuinamente aplicáveis a uma variedade de situações. A rede MapBiomas tem uma série temporal de mapas, na qual cada unidade é uma classe. São várias classes de cobertura da vegetação como florestas, pastagem, agricultura.

É um interessante problema matemático descobrir como elas mudam ao longo do tempo. Há muitas unidades no mapa: pixels e pontos temporais. O conjunto total de dados é enorme! Não é uma opção apenas olhar para o mapa e os dados. Você não consegue visualizar tudo de uma vez. É necessário pensar, de uma forma muito estratégica, sobre quais são os tipos de informação que você precisa daquele banco de dados.

 

Isso quer dizer que o trabalho de sensoriamento remoto na rotina da rede MapBiomas acaba ficando bem complexo e com muitas informações?

Sim. Seria até possível ver o mapa do Brasil em uma série de três imagens e talvez fazer uma análise mais simples. Mas não.

Trata-se de uma série de mais de 35 imagens de uma mesma área, com uma variedade de formas para observar e pensar no número de classes. São mais de 30 tipos de classe dentro da classificação usada pela rede. É muito difícil, até para os olhos, identificar 30 cores diferentes. São classificações com base em unidades muito pequenas de todo o Brasil por mais de 30 anos. Você precisa pensar de uma forma bem cuidadosa qual é a informação que você quer ver.

 

Há caminhos para simplificar o processo?

Eu sou matemático e estatístico, mas não estou em busca de números. Quero menos números possíveis, tenho um problema com eles

Pense nos dígitos 2 e 8: eles ocupam o mesmo espaço, mas 8 é quatro vezes mais que o 2. Se você tem um gráfico no qual no alto de uma barra vertical está 8 e a outra barra tem 2, você percebe por lá a diferença entre eles.

É assim que eu desenho minha análise quantitativa. Dessa forma, você vê de uma forma gráfica e facilita a visualização das mudanças na paisagem.

 

Você acredita que o Brasil tem dados e ferramentas suficientes para monitorar e conservar as paisagens dos seus biomas?

Tem várias formas de conservação porque tem muitos tipos de biomas. Até mesmo para um tipo há uma possibilidade vasta de conservar. Cada tipo de pesquisa demanda uma disponibilidade de dados e a especialidade. Uma das minhas áreas de especialização é o papel das paisagens tropicais no ciclo global de carbono.

A mudança da paisagem corresponde a um volume considerável de emissões de gases de efeito estufa no mundo. É uma parte importante a se pensar e isso requer dados específicos, tanto do desmatamento quanto do volume de biomassa nas árvores, ou da densidade de carbono no solo. Essas informações são muito difíceis de obter a partir de um mapa. O Brasil tem cientistas qualificados para realizar essa pesquisa com um apropriado financiamento que a tecnologia atual permite, mas a tecnologia disponível a eles ainda precisa ser melhor desenvolvida para isso.

 

Então, quais tecnologias o Brasil poderia ter, principalmente no que cabe à questão de sensoriamento remoto?

Tem várias formas de medir uma variedade de características em vários lugares e em diversas escalas. Cada ano, mais e mais tecnologias podem medir características da paisagem do ponto de vista das resoluções espacial e temporal.

Normalmente, usamos sensores acoplados a satélites que medem informações eletromagnéticas da paisagem. Porém, tem outros tipos de tecnologia, a exemplo do uso de aviões que podem medir informações precisas sobre altura da área. É possível, desta forma, entender as diferenças de relevo no Cerrado.

Áreas que parecem ser as mesmas, se olhadas desde uma imagem de satélite, podem ser diferenciadas por meio dessa tecnologia.

Há sensores que, se colocados no chão, podem medir o nível de carbono ou a concentração de gases no ar. Isso revela como muitos ecossistemas têm formas distintas de resposta à interação desses gases.

Um colega está desenvolvendo uma tecnologia de uso do som. Até mesmo captar sons de animais é interessante para entender a densidade da floresta, pois é mais fácil ouvi-los do que os ver. Todos os anos, aumenta o número de tecnologias que podemos utilizar para pesquisar as mudanças na paisagem, com melhor variáveis e precisão. Com elas, vem o desafio de realizar a melhor combinação.

 

Você está desenvolvendo um estudo sobre o estado da Bahia. Poderia falar um pouco mais?

Estamos trabalhando há anos nisso e a publicação dos resultados está prevista para acontecer ainda este ano. O objeto de estudo foi uma região que compreende nove municípios do Cerrado da Bahia, com foco no cultivo de soja que tem aumentado ao longo dos anos.

Esse é um lugar específico onde a produção tem se expandido. Queremos saber como a agricultura se adapta às mudanças climáticas, e um método seria por meio da irrigação. Estamos observando por uma perspectiva tanto da ciência social quanto por meio de dados matemáticos sobre as mudanças de cobertura de paisagem.

 

Como está sendo a sua experiência em trabalhar no Brasil, junto a brasileiros?

Minha experiência no Brasil tem sido excelente por causa das pessoas com quem eu estou trabalhando na rede MapBiomas Brasil. Eliseu Weber [membro da equipe de monitoramento do Pampa] foi o pesquisador que começou o processo de conseguir a bolsa Fullbright.

Sou membro do conselho científico do MapBiomas, um grupo de oito pessoas que dão conselhos para a rede. Também incorporei totalmente os estudos da rede na agenda da minha pesquisa pessoal. Os pesquisadores foram ótimos em montar uma agenda com interessantes expedições de campo para que eu conhecesse os biomas. Eles têm muita experiência no ramo e contam com muito conhecimento sobre a paisagem brasileira, e isso me ajuda a contribuir com eles.

 

*Jornalista do IPAM

 

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