POR ALICE MORAIS*
O Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia (UE) e o bloco econômico sul-americano é discutido há mais de 20 anos e, em março deste ano, uma organização ambiental vazou a proposta da UE de side letter, um instrumento adicional que busca reforçar compromissos ambientais do Acordo.
O documento funciona como um anexo a um dos capítulos do Acordo, referente a Comércio e Desenvolvimento Sustentável, conforme explicou Pedro da Motta Veiga, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES), durante o webinário do Observatório de Comércio e Ambiente na Amazônia (OCAA) realizado na última quinta-feira, 18.
Intitulado “O Acordo Mercosul-UE: quais são as perspectivas depois da side letter europeia?”, o encontro online foi um novo episódio da série OCAA Webinários. A moderação do evento foi feita por Cintya Feitosa, assessora de relações internacionais do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e membro do OCAA.
Nacionalmente, a side letter provocou uma reação de questionamento quanto às exigências ambientais. “Do lado do Brasil, há a afirmação de que a side letter torna vinculante compromissos que são voluntários na esfera climática, como os compromissos no Acordo de Paris”, enfatizou Veiga. Um dos compromissos a que o pesquisador se refere é de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e de adotar os instrumentos necessários para conter o aquecimento global até 2030.
Lia Valls, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora associada da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também fez uma apresentação no webinário e ressaltou que o Governo está dividido. “Uma parte dele está, claramente, sinalizando que quer o Acordo, mas que quer a revisão [de alguns pontos]. Outra parte considera que é mais importante fazer o Acordo [mesmo assim]”, elucida. Aqueles que consideram prioridade fechar as negociações o quanto antes defendem que, ainda que não esteja nas condições ideais, seria melhor dar esse passo a mais do que continuar sem nenhuma atualização, a julgar pelo tempo em que essa discussão já se arrasta.
Em audiência no Senado em maio deste ano, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o governo reavalia o Acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia por conta das brechas para aplicação de sanções ao país. Há uma expectativa de que, em breve, o Itamaraty, junto a outras representações do
Mercosul, faça uma declaração oficial ou até mesmo apresente uma side letter própria para reforçar sua avaliação quanto ao documento.
Apesar das preocupações apresentadas pelo Brasil, não há no documento “nenhum risco de aplicação de sanção ou de suspensão das concessões feitas pela Comissão Europeia aos países do Mercosul, em particular ao Brasil”, esclareceu Veiga. Ou seja, mesmo que o documento adicional reforce compromissos ambientais que os países do Mercosul devem respeitar, ele não prevê punições, como sanções, caso o compromisso não seja cumprido.
O diretor do CINDES lembrou ainda da sugestão de side letter para o Acordo UE-Mercosul que alguns dos membros fundadores do OCAA (CINDES, iCS e IPAM) fizeram, disponibilizada aqui, publicada em novembro de 2022.
O maior Acordo feito pelo Mercosul
A história do Acordo começou em 1999, quando se firmou um compromisso de fazer um tratado com três pilares (Comércio, Operação e Política). Houve uma primeira fase de negociações, pausada em 2004, pois nenhuma das partes estava satisfeita com os resultados. O debate foi retomado em 2010, mas apenas em 2016 as negociações se intensificaram. Finalmente, em 2019, as negociações findaram, resultando um texto final. No entanto, desde então a conversa foi novamente pausada, até o vazamento da side letter.
O Acordo prevê que os produtos europeus tenham tarifas de importação reduzidas para entrada no Mercosul (principalmente nos segmentos industrial, agrícola e alimentício), enquanto as exportações sul-americanas tenham preferência na UE. A medida impacta 32 países e cerca de 780 milhões de habitantes, conforme destacou Lia Valls.
O que o Acordo UE-Mercosul tem de diferente?
Esse será o primeiro grande Acordo feito pelo Mercosul. Até então, os tratados deste bloco econômico são focados apenas em Comércio e Mercadorias. “Os Acordos do Mercosul estão defasados em relação ao que é chamado de Nova Geração de Acordos, onde esses temas mais amplos [Serviços, Compras governamentais, dentre outros] tendem a entrar”, explicou Valls.
Mesmo que se considere os pontos mais criticados do Acordo, como a presença de um protecionismo europeu forte e a assimetria entre as partes, a pesquisadora sinaliza que há benefícios. “Do ponto de vista econômico e político, é interessante para o Brasil também fazer um Acordo dada a sua estratégia de reforço do sistema multipolar. Você sai um pouco do debate China-Estados Unidos. O Acordo é um caminho importante, atualmente, para fazer com que os países governantes sentem
e olhem para os problemas reais da região. Ele obriga os países do Mercosul a conversarem entre si sobre temas [como Trabalho e Meio Ambiente] que muitas vezes estão fora da agenda do grupo”, avalia.
Há riscos de desindustrialização do Brasil?
Uma dúvida que permeia essa discussão é se o Acordo provocaria um impacto negativo no setor industrial do Brasil, já que o país tende a exportar commodities e importar produtos com maior valor agregado. Porém, Valls pondera que as mudanças não seriam instantâneas. “O Acordo não é uma abertura comercial imediata no caso brasileiro, nem na parte da indústria”, esclarece Valls. A pesquisadora acredita que as dificuldades de industrialização são consequência principalmente dos problemas internos do Brasil, mais do que “simplesmente pelo fato de se estar fazendo um Acordo”.
Webinários OCAA
O próximo webinário do OCAA será realizado no dia 15 de junho para discutir a legislação antidesmatamento da UE. Mais informações e abertura para inscrições serão disponibilizadas em breve. Confira as gravações de todos os webinários do Observatório aqui.
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Sobre o OCAA
O OCAA (Observatório de Comércio e Ambiente na Amazônia) é uma plataforma que reúne informações qualificadas sobre as relações entre comércio internacional e meio ambiente na Amazônia, estimulando o diálogo embasado na ciência e o engajamento de diversos atores da sociedade pela prosperidade socioeconômica e ambiental na Amazônia.
Foi fundado por quatro organizações da sociedade civil: IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), iCS (Instituto Clima e Sociedade) e Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
*Consultora de comunicação do OCAA