“Sem combate à grilagem, não haverá sociobioeconomia”

25 de janeiro de 2024 | Amazoniar (PT), Notícias

jan 25, 2024 | Amazoniar (PT), Notícias

Lays Ushirobira*

A falsificação de documentos para a apropriação ilegal de terras públicas é apenas o primeiro de uma série de problemas atrelados à grilagem, destacou Herena de Melo, promotora agrária do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), em bate-papo promovido pelo Amazoniar. “É a ponta do iceberg. Daí, se gera desmatamento; se acirra a crise climática; temos perigo às populações tradicionais, que já ocupam aqueles territórios”, disse. “A gente precisa entender que não se pode pensar em uma economia verde, sem passar por um ordenamento territorial efetivo. Sem combate à grilagem, nós não teremos segurança para uma sociobioeconomia”.

Moderado por Alcilene Cardoso, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e apresentadora da série do Amazoniar sobre grilagem, o bate-papo teve como foco as oportunidades e os desafios da legislação brasileira no combate à grilagem. Veja outros destaques do encontro:

É preciso atualizar o conceito de grilagem

Para combater a apropriação ilegal de terras públicas e os problemas relacionados a ela de forma eficaz, a promotora defende uma atualização do conceito de grilagem. “O termo grilagem me parece muito suave para o que ele gera. Para mim, é preciso chamar de grilagem todos os crimes que se associam à apropriação indevida de terras públicas. É importante que realmente o conceito seja atualizado com os demais conteúdos que a gente verifica”, disse.

Integração dos sistemas fundiário e ambiental

Para Melo, a integração dos sistemas fundiário e ambiental, que conecte os três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – responsáveis por geri-los, é chave para o fortalecimento da legislação e sua devida aplicação. “O Cadastro Ambiental Rural [CAR] não é um documento fundiário, e sim ambiental. É um instrumento maravilhoso, que dá, por exemplo, a noção de onde estão as populações tradicionais, que ainda não tiveram sua demarcação. Se uma pessoa já tem isso, que seja amplamente divulgado e fiscalizado pelo sistema de gestão, que é o SICAR [Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural], para que todo o país tenha transparência de onde estão esses povos e comunidades tradicionais e não volte a ocorrer questões sobre estas. Agora, o ideal é a gente unir sistemas tanto ambientais como fundiários, com uma multifinalidade”, explicou.

Os debates ambiental e de direitos humanos precisam estar conectados

A promotora também ressalta a importância da conexão do debate ambiental à proteção dos direitos humanos. “Em muitos momentos, o debate ambiental está descolado do debate sobre a proteção dos direitos humanos dos povos e comunidades tradicionais [da Amazônia]. E isso envolve noções que a gente precisa ter sobre a segurança para esses povos. Se eu não tiver o meu território garantido, é como se eu não tivesse direitos mínimos garantidos”, disse Melo. “Precisamos integrar os discursos para não gerar outras discriminações, que é o que a gente vem observando”.

Aplicando a legislação na prática

Durante o bate-papo, Melo e Cardoso destacaram que o Brasil tem um conjunto de leis bem estruturado para conservação ambiental e já foi referência internacional no combate ao desmatamento, mas é preciso uma estratégia forte para aplicar o marco regulatório. “Não adianta apenas ter boa legislação e instrumentos de comando e controle. A gente precisa ter uma vontade política, além de orçamento e planejamento para executar”, disse Cardoso.

Sobre o Amazoniar

O Amazoniar é uma iniciativa do IPAM para promover um diálogo global sobre a Amazônia e sua importância para as relações do Brasil com o mundo. Nos ciclos anteriores, foram organizados diálogos sobre as relações comerciais entre Brasil e Europa; o papel dos povos indígenas no desenvolvimento sustentável da região e sua contribuição para a ciência e a cultura; e o engajamento da juventude pela floresta e seus povos nas eleições de 2022.

Com a proposta de levar a Amazônia para além de suas fronteiras, o Amazoniar já realizou projetos especiais, como um concurso de fotografia, cujas obras selecionadas foram expostas nas ruas de Glasgow, na Escócia, durante a COP 26; uma série de curtas que compôs a exposição “Fruturos – Amazônia do Amanhã”, do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; além das cartilhas Cenários possíveis para a Amazônia no contexto das eleições brasileiras de 2022 e Soluções para o desmatamento na Amazônia. A iniciativa também produziu uma série de entrevistas e um minidocumentário com representantes de comunidades tradicionais durante as negociações do Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia.

Para fazer parte do diálogo global sobre a Amazônia, inscreva-se na newsletter do Amazoniar.

*Jornalista e consultora de comunicação do IPAM



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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