Rastro do fogo no Baixo Tapajós é tema de imersão promovida pelo IPAM

3 de julho de 2024 | Notícias

jul 3, 2024 | Notícias

Por Bibiana Alcântara Garrido*

O rastro do fogo no Baixo Tapajós foi tema de uma imersão com a imprensa promovida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) no fim de junho. Jornalistas e pesquisadores visitaram áreas queimadas na região em diferentes lugares: na Floresta Nacional do Tapajós, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, em projetos de assentamento da agricultura familiar em Mojuí dos Campos, e nas savanas amazônicas em Alter do Chão.

Durante cinco dias, repórteres dos veículos de comunicação Folha de S. Paulo, InfoAmazonia e Metrópoles, além do criador de conteúdo Cristian Wari’u, puderam aprofundar conhecimentos sobre as causas e os impactos dos tipos de fogo na Amazônia, ao lado de pesquisadores do IPAM e de cientistas das universidades de Yale, dos Estados Unidos, de Oxford, da Inglaterra, e da Rede Amazônia Sustentável.

 

Área de floresta saudável na Flona do Tapajós, durante imersão de pesquisadores e jornalistas (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

 

Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM e idealizadora da imersão, avalia que apoiar jornalistas e criadores de conteúdo a entender o fogo na floresta tropical é uma forma de contribuir para que a sociedade tenha acesso a informações qualificadas em torno do assunto.

“Por isso, o IPAM realiza imersões com jornalistas em várias regiões da Amazônia. Trazê-los para a Flona do Tapajós, uma das áreas mais pesquisadas do Brasil, junto com cientistas que estudam os distúrbios que afetam a floresta, ajuda a entender, por exemplo, que se uma floresta primária é queimada em um ano de seca, isso a deixa mais suscetível ao fogo”, diz a diretora.

“E a gente consegue sentir na pele a mudança do clima local quando um novo incêndio ocorre”, acrescenta. “Foi algo que vivenciamos durante a visita na Flona: em uma área atingida pelo fogo, a copa das árvores se abriu completamente e várias árvores grandes morreram, deixando um acúmulo de material combustível que pode espalhar mais chamas e perpetuar o processo de degradação. Enquanto estávamos lá, sentimos mais o calor e o sol batendo direto, o que não acontece quando estamos sob uma floresta saudável”.

A Floresta Nacional do Tapajós teve 1 milhão de hectares queimados em 2015, ou 15% de sua área total. Entre as perdas estão mais de 2 bilhões de árvores que morreram. Outro incêndio chegou à Flona no final de 2023, com danos sendo calculados pelos pesquisadores.

Os especialistas explicam que desmatamento no entorno deixa a unidade de conservação exposta a queimadas que saem do controle, virando incêndios florestais de grandes proporções.

 

Área queimada na Floresta Nacional do Tapajós chegou a 1 milhão de hectares em 2015 (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

 

Segundo Erika Berenguer, cientista sênior da Universidade de Oxford e da Rede Amazônia Sustentável, presente na imersão, uma floresta degradada pode armazenar até 40% menos carbono. Ainda, uma área de floresta queimada pode demorar até 12 anos depois do último episódio de fogo para parar de emitir carbono – dado destacado por Paulo Brando, pesquisador associado do IPAM e professor na Universidade de Yale, durante a imersão.

Mas as implicações do fogo vão além: Filipe Arruda, pesquisador do IPAM e um dos organizadores da viagem, acrescenta aspectos de alteração na fauna local depois do fogo, com a diminuição na variedade de espécies em relação às encontradas em uma floresta saudável. Alcilene Cardoso, também pesquisadora do IPAM e articuladora do programa da imersão, apresentou aos convidados as diferentes relações da população do Baixo Tapajós com o fogo.

“O repórter precisa estar no seu ambiente de cobertura e fazer isso na Amazônia é muito difícil. Quando estamos escrevendo sobre fogo e desmatamento, é sempre dificultoso estar nesses lugares. Então, foi muito importante ver de perto e os cientistas explicarem para a gente, in loco, o que acontece com a árvore, com o roçado, o aceiro; como os brigadistas usam seus materiais para combater o fogo e como as populações que são afetadas pelo fogo enfrentam isso. As aulas que a gente teve dentro da floresta farão toda a diferença na hora que estivermos fazendo reportagens sobre fogo neste ano em que provavelmente teremos uma grave seca” comenta Jullie Pereira, repórter do InfoAmazonia convidada.

Em visita à Resex Tapajós-Arapiuns, o grupo teve a oportunidade de conversar com moradores da aldeia Jauarituba, que desenvolvem o projeto de restauração florestal Observatório Tupinambá. Em 2023, Jauarituba lidou com um incêndio que só foi controlado depois de quase três meses de combate com auxílio das brigadas do Prevfogo. As lideranças locais agora se organizam para evitar que o cenário se repita diante da seca extrema esperada para 2024.

No Projeto de Assentamento Moju, localizado em Mojuí dos Campos, no Pará, agricultoras da Amabela (Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais Intermunicipal) na comunidade Canaã tiveram parte de seu plantio agroflorestal atingido pelo fogo ano passado. A perda de alimento causou prejuízos não só na comercialização e renda, mas também na segurança alimentar das famílias. Os efeitos do fogo descontrolado também recaíram sobre a estrutura das propriedades, e pequenos produtores tiveram que vender bens para recuperar as cercas destruídas, por exemplo.

 

Suelen Feitosa, Selma Ferreira e Ironildes da Silva, agricultoras da Amabela (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

 

Em Alter do Chão a equipe visitou a área da Capadócia, coberta por savanas amazônicas, atingida por um incêndio em 2023. Os jornalistas e o criador de conteúdo convidados conversaram com moradores da cidade para entender o contexto de atuação das brigadas voluntárias.

Como a diretora de Ciência Ane Alencar lembrou ao longo da viagem, uma floresta tropical não pega fogo sozinha. Se há trinta anos os pesquisadores do tema tinham que “brigar” para mostrar que a floresta amazônica poderia sofrer distúrbios pelo fogo, hoje os incêndios se tornaram o principal fator de degradação do bioma. Mas a relação do fogo com outros ecossistemas brasileiros ainda é um tópico que precisa ser melhor comunicado, avaliou a pesquisadora na viagem.

“É muito importante entender o lado humano do fogo, que é a ignição. Quando a gente pensa em incêndios no Brasil, não é tão simples quanto é para Amazônia, porque aqui a mensagem é uma só: o fogo não deve entrar na floresta de maneira nenhuma. Mas, em outros biomas, o fogo às vezes pode ser necessário no ecossistema. O desafio é como falar isso nacionalmente, porque existem ecossistemas onde o controle e o manejo do fogo são fundamentais. Temos que comunicar com cuidado porque, mesmo nos outros biomas, o pico de queimadas ocorre quando não deveria haver o fogo natural. De uma forma ou de outra, a ação humana está mudando a interação do fogo com esses ambientes. E a gente sabe muito pouco sobre isso”, conclui.

 

Professores e lideranças da aldeia Jauarituba junto a pesquisadores e jornalistas convidados para a imersão (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)

 

*Jornalista de ciência do IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br
Foto de capa: Área de floresta saudável na Flona do Tapajós, durante imersão de pesquisadores e jornalistas (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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