Por Camila Santana*
Se tem uma palavra que descreve Maria do Socorro Teixeira Lima é “porreta”. Dona Socorro, como é chamada, é natural de Pedreira, no Maranhão. Ela dedica sua vida à luta em defesa dos direitos das quebradeiras de coco babaçu e pela proteção da floresta. Vive com o marido, a filha e o genro na comunidade Jatobá, em Praia Norte, no Tocantins, onde o babaçu é o principal produto do extrativismo. Localizado no Bico do Papagaio, o município está no Matopiba – região de fronteira entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde se concentra o desmatamento do Cerrado.
Filha e neta de quebradeiras de coco, de ascendência indígena e cabocla, Dona Socorro começou a quebrar coco aos sete anos. Das castanhas, a família fazia leite, azeite, sabão que eram vendidos para o sustento. Sua fala projetada e direta a tornou reconhecida na militância como uma líder objetiva e assertiva. “Desculpe a forma como eu falo. É porque sou do macete para quebrar coco”, explica. É uma mobilizadora importante para sua comunidade, especialista em captar recursos e firmar parcerias, como demonstra sua atuação na Rede Cerrado e no MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu).
Nas andanças pelo mundo afora, aos 71 anos, Dona Socorro conta os questionamentos feitos a um representante estrangeiro sobre a necessidade de recursos para as comunidades tradicionais. Ele respondeu que “o problema do desmatamento era no Brasil e que não era obrigação do país dele dar dinheiro”. Dona Socorro rebateu com uma lição sobre o impacto das mudanças climáticas na vida de todos. “Estamos nós dois aqui debaixo desta tenda. Tenho certeza que você está com tanto calor como eu. Você não está suando como eu? Então temos, sim, um problema que é do mundo todo”.
Ameaça às quebradeiras de coco babaçu
Uma das regiões mais desmatadas do Brasil é o Matopiba, onde vive Dona Socorro. Dados do RAD (Relatório Anual do Desmatamento no Brasil) do MapBiomas, rede da qual o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) faz parte, apontam que o desmatamento nesta fronteira respondeu por quase metade (47%) de toda a perda de vegetação nativa no país no ano passado. O Matopiba concentrou 74% do desmatamento do Cerrado em 2023 , o que significa que três em cada quatro hectares desmatados no bioma foram nesta região.
Diante dessa realidade, Dona Maria do Socorro começou a se envolver na luta pela preservação da floresta. Ela percebeu que a destruição estava afetando diretamente a vida das quebradeiras de coco, que dependiam do babaçu para sobreviver. Com o desmatamento, a palmeira se torna mais escassa, dificultando o acesso das quebradeiras aos cocos e impactando diretamente sua fonte de renda e alimentação. Graças ao trabalho de Dona Maria do Socorro e das organizações que integrou, as quebradeiras de coco conquistaram vitórias, como a regularização da atividade de quebra de coco e a criação de áreas de proteção ambiental, como reservas extrativistas.
Uma das principais demandas das quebradeiras de coco era garantir o direito de entrar nas fazendas para recolher livremente os cachos da palmeira babaçu, que é nativa da região. Em 1997, Lago do Junco (TO) tornou-se o primeiro município do país a aprovar a Lei do Babaçu Livre, um marco na luta das quebradeiras de coco por seus direitos. Hoje, Piauí, Tocantins e Maranhão garantem, por lei, o acesso das quebradeiras de coco à palmeira.
No entanto, na prática, a regra não é respeitada. Dona Socorro conta que fazendeiros derrubam e envenenam ilegalmente as palmeiras para evitar a colheita do coco babaçu. Os efeitos da devastação são sentidos com o agravamento da escassez de água ano a ano, o que impacta diretamente a comunidade e a biodiversidade local. “Você vê que as mulheres estão precisando buscar água com a lata na cabeça para lavar as crianças, regar as plantas, o pomar, tomar banho, beber”, relata.
Poesia inspirada na natureza
Dona Socorro encontra respostas na natureza, observando e aprendendo com a sabedoria das plantas e do ambiente em que vive. “As palmeiras conversam com a gente, dão conselhos movidas pelo vento”. Ela transforma os desafios e vivências na comunidade em poesia, em forma de reza e pedidos pela proteção dos recursos naturais. Ao final da conversa, Maria do Socorro nos presenteou com o poema:
As caças existiam,
O tempo foi passando e as foram devorando.
Já não existem mais.
Hoje, toda secada, vive cheia de gado.
Plantaram capim.
Quando a vejo desse jeito, penso direito:
Está perto o fim.
Da floresta verde querida, hoje só resta lembrança.
Da mata verde florida, que foi destruída.
É muito triste a condição,
Que por falta de pão, muitos vivem a sofrer.
A terrinha quietinha, por falta de dinheiro,
Foi obrigada a vender.
*Analista de comunicação do IPAM
Foto: Valdir Dias/ CAA-NM (Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas)