Por C. Eduardo Rodrigues*
O maior aglomerado urbano do Distrito Federal compreende as cidades de Ceilândia, Samambaia e Taguatinga. Somando quase um milhão de habitantes, a região conta com uma ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico): o Parque JK. Uma das peças-chave dessa ARIE é a Unidade de Conservação de Proteção Integral Parque Distrital Boca da Mata, criado pelo Decreto n° 13.244, de 7 de junho de 1991, pelo então governador, Joaquim Roriz.
Como um enredo que se repete dia após dia Brasil afora, áreas verdes próxima a grandes centros urbanos, sem administração dedicada, correm risco de serem utilizadas para descarte indevido de lixo e/ou temidas pelos moradores próximos.
Quem cresceu na região onde está localizado o parque Boca da Mata pode atestar o fato de que, volta e meia, apareciam reportagens que alertavam sobre os problemas do parque. Algumas delas: “Afluente de rio que abastece Brasília sofre com esgoto e degradação ambiental“, “Parque Boca da Mata está abandonado e cheio de lixo“, “Redação Móvel mostra poluição no Parque Boca da Mata, entre Taguatinga e Samambaia” e “Polícia Civil do DF encontra ossada de mulher, perna de homem e soluciona três mortes no Parque Boca da Mata”.
Segundo consta no Decreto à época, são objetivos do Parque: garantir a preservação do ecossistema natural remanescente, com seus recursos bióticos e abióticos; manejar a recuperação da vegetação às margens do córrego Taguatinga, disciplinando o seu uso; reflorestar o Parque com espécies nativas da flora da região; desenvolver programas de pesquisa e atividades de educação ambiental e; favorecer condições para recreação e lazer em contato harmônico com a natureza.
Cansado de ver tamanho descaso com o “Boca”, Douglas Ribeiro, biólogo, frequentador do Parque e morador da região, relata que resolveu arregaçar as mangas e fazer algo a respeito no ano de 2021. O objetivo inicial era “simples”: juntar algumas pessoas para retirar as dezenas de toneladas de resíduos sólidos do local, que, segundo conta, é um dos problemas ambientais mais recorrentes até hoje.
“Muitas vezes, nós, biólogos, achamos que tem que ir para algum lugar selvagem para ‘trampar’. Mas o profissional da biologia também precisa estar onde está o conflito. Não adiantava nada eu ir lá pra Minas Gerais fazer monitoramento de fauna sendo que um lugar que eu amo para caramba estava sendo degradado cada dia mais. Então senti a necessidade de cuidar do quintal, de dentro pra fora. Começar aqui”, conta Douglas.
Vale destacar a importância dos campos de murundus, uma fitofisionomia predominante no Parque. Essas estruturas geomorfológicas desempenham um papel crucial nos ciclos ecológicos e hidrológicos da região, fornecendo habitat para diversas espécies e contribuindo para a manutenção dos ciclos do carbono e da água. Essa característica única do Parque Boca da Mata destaca sua relevância não apenas local, mas também regional, na promoção da sustentabilidade dos serviços ecossistêmicos.
A iniciativa para revitalizar o Parque Distrital Boca da Mata não demorou para ganhar força. Logo após o lançamento da página no Instagram, as ações ali tomadas atraíram a atenção da população local e do IFB (Instituto Federal de Brasília). A parceria com o Instituto fortaleceu o Coletivo Boca da Mata e o transformou em um projeto de extensão da instituição, que passou a realizar com maior frequência estudos sobre a fauna e flora, mutirões de limpeza, plantio de mudas nativas e atividades de educação ambiental com o apoio dos docentes e discentes.
A colaboração entre o Coletivo e o IFB gerou não apenas uma abordagem prática para a conservação ambiental, mas também uma conexão tangível entre ciência, comunidade local e conservação.
A parceria rendeu inúmeros frutos em termos de pesquisa e se desmembrou futuramente na revisão do Plano de Manejo do Parque Boca da Mata em parceria com o Departamento de Geografia da UnB (Universidade de Brasília).
Enquanto o Coletivo crescia, também se diversificava. A formação de uma brigada voluntária – composta majoritariamente por mulheres – para combater incêndios provocados pela ação humana evidenciou o comprometimento com as diferentes facetas da proteção ambiental.
Apesar do longo trabalho pela frente, as ações do Coletivo Boca da Mata já trouxeram resultados concretos na melhoria da qualidade ambiental. Uma das últimas vitórias do grupo se deu com o enfrentamento do problema do esgoto no córrego Taguatinga, que corta o Parque.
“Como a gente tem essa pegada de monitoramento, pelo menos semanalmente a gente tá no Boca e consegue fazer manifestações para o Estado. Por exemplo, a gente fez uma manifestação para o Ministério Público. Em menos de uma semana a CAESB (Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal) atendeu a gente e realizou um estudo para identificar essas fontes clandestinas de esgoto. Aí, dias depois, a água começou a clarear e hoje tá translúcida”, diz Breno Vidany, um dos integrantes do Coletivo.
Segundo o coletivo, o Parque carece de maior atenção do Governo do Distrito Federal. O Boca da Mata ainda não possui infraestruturas básicas como cercas ao redor do perímetro e postos de monitoramento, que são previstos para Unidades de Conservação de Proteção Integral, e mesmo a placa de identificação da área verde possui informações incorretas.
A jornada do Coletivo transcende a mera restauração ambiental. É um testemunho do poder da comunidade em transformar realidades, despertar consciências e construir um futuro possível. A trajetória de superação de desafios, a parceria com instituições de ensino e a atenção às questões socioambientais revelam não apenas um compromisso com o presente, mas uma visão audaciosa de preservação para as gerações futuras.
Analista de Comunicação do IPAM, carlos.rodrigues@ipam.org.br*