Rodovias na Amazônia geram pouco com grandes perdas socioambientais

30 de março de 2020 | Notícias

mar 30, 2020 | Notícias

Uma somatória de perdas econômicas, sociais e ambientais resume a maior parte dos projetos de construção ou melhoria de rodovias na Amazônia. O trabalho, publicado neste mês na revista científica americana PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, olha uma prática comum do século passado sob o enfoque do século 21 – conectar pontos remotos na região por meio de estradas, sob a égide do desenvolvimento econômico e facilidade de acesso a serviços para a população – e conclui: para 45% deles, simplesmente não vale a pena.

A análise foi liderada por uma equipe do Conservation Strategy Fund (CSF), em colaboração com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e a Fundación para la Conservación y Desarrollo Sustenible, e incluiu pesquisadores brasileiros, bolivianos, peruanos e colombianos. Eles se debruçaram sobre 75 projetos de rodovias na Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Peru, que somam mais de 12 mil quilômetros, previstos para os próximos cinco anos e com investimento total de cerca de US$ 27 bilhões. Se todos forem implementados, o desmatamento associado deve ser de pelo menos 2,4 milhões de hectares nos próximos 20 anos.

O maior impacto sobre a floresta será no Brasil: 1,42 milhão de hectares de desmatamento adicional esperado em 24 projetos, dos quais 561 mil hectares são associados somente à melhoria da Rodovia Transamazônia (BR-230). “As estradas na Amazônia são grandes vetores de desmatamento. Quando uma estrada é asfaltada na Amazônia, ela provoca uma valorização da terra e uma corrida para a ocupação ilegal de suas margens. Para coibir esse processo é preciso um choque de governança, com combate ao crime organizado de grilagem”, afirma a diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, uma das autoras do estudo. “É fundamental que os ritos do licenciamento de estradas já abertas na Amazônia continuem para evitar desmatamento ilegal.”

Estradas são vetores conhecidos de desmatamento na Amazônia, uma vez que passam por regiões que antes eram de difícil acesso e permitem que as pessoas parem com facilidade, ao contrário de hidrovias e ferrovias. Calcula-se que o impacto sobre a floresta seja de 20 quilômetros para cada lado. Uma vez que o estudo não leva em consideração a abertura de estradas secundárias e terciárias a partir das novas rodovias, a área afetada tende a ser ainda maior.

A justificativa normalmente usada para levar tais projetos adiante é a necessidade econômica, como o escoamento de produtos e o trânsito de bens, e a social, ao permitir acesso mais fácil a serviços pelas populações locais. Mas nem sempre a expectativa condiz com a entrega, como mostram os pesquisadores no mesmo estudo.

Ao analisar variáveis como estimativa de tráfego e investimento, entre outros fatores, os autores viram que 45% desses projetos custariam mais para construir e manter do que os dividendos que poderiam gerar – na Bolívia, esse índice chega a 85%. “Mesmo sem consideramos os impactos socioambientais, quase metade dos projetos é inviável economicamente. Estes projetos deveriam ser excluídos, ou no mínimo reavaliados pelos governos”, explica a economista sênior do CSF Thaís Vilela, principal autora do artigo científico. “Além disso, o número de projetos com retorno econômico negativo pode ser maior do que o que encontramos no estudo. Usamos dados de investimento oficiais, mas sabemos que os custos tendem a aumentar ao longo do período de construção das estradas.”

Mesmo entre os projetos que apresentam algum valor positivo, há mais perdas do que ganhos: ou sacrifica-se o meio ambiente e questões sociais em prol do ganho econômico, ou o retorno econômico é menor em prol de objetivos socioambientais.

“Para os projetos que têm retorno econômico positivo, é importante que os governos, em conjunto com a sociedade, determinem qual seria o nível aceitável de perda ambiental e social em troca de um ganho econômico. Por exemplo, é possível obter 77% do retorno econômico total, considerando todos os projetos com retorno positivo, com 10% do dano socioambiental previsto. Basta selecionar os melhores projetos”, diz Vilela.

Leia o artigo científico completo aqui.

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