A Rio + 20 pode ser uma oportunidade para se mostrar ao Brasil e ao mundo alguns processos que correm neste momento na Amazônia e que colocam em risco a floresta e suas populações tradicionais. A opinião é do presidente da Rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Rubens Gomes. Nesta entrevista, ele afirma que modelo de desenvolvimento que ora vem se implantando na Amazônia é inaceitável, com a flexibilização do sistema de licenciamento ambiental, liberando obras polêmicas, mesmo com o não cumprimento das condicionantes apontadas nos estudos de impactos ambientais.
O senhor acredita que a Rio+20 poderá trazer benefícios concretos para o Brasil, sobretudo a Amazônia?
Sim, possível é, embora considerando que a conjuntura internacional devido às crises econômicas nos Estados Unidos e na União Europeia, que não dão margem para os lideres discutirem questões como as que serão debatidas na reunião do Rio. Considero que a crise é o momento certo para se mudar velhas formas de pensar e agir. Internamente, porém, acho que devemos pensar grande. Parte da sociedade está se mobilizando. Acho que vamos conseguir aproveitar a oportunidade para pressionar o governo no que diz respeito às questões ambientais e sociais. É hora de mobilizar a opinião pública sobre o que vem ocorrendo na Amazônia em relação às grandes obras de infraestrutura e mineração. Tenho visto a revolta que toma conta das ruas pelo mundo afora e imagino isso aqui no Brasil. O afrouxamento das leis ambientais, o desrespeito às culturas tradicionais e a liberação de agrotóxicos e transgênicos já seria motivo suficiente para irmos às ruas protestar.
Com tão baixa popularidade entre os brasileiros, o senhor acha que
a Rio + 20 vai emplacar?
Depende. Se a COP 17 (Conferência do Clima das Nações Unidas) na África do Sul fracassar, os líderes mundiais ficarão desmotivados em relação a Rio+20. Por outro lado, há uma grande participação de determinados núcleos da sociedade brasileira, construindo propostas para a posição do Brasil, sobretudo questionando os fóruns estabelecidos para o debate. Sabemos que a mídia e organizações socioambientais de todo planeta estarão presentes. Os movimentos sociais deverão ser ouvidos. Vamos aproveitar para levar nossa opinião. Não deixaremos a discussão ficar só no marketing da economia verde.
Como andam as conversas preliminares sobre a Amazônia para a conferência da ONU no Rio?
Estamos em processo de mobilização dos movimentos sociais. O GTA, por exemplo, congrega 602 organizações sociais. Estamos discutindo o que queremos com a Rio+20. A intenção é levar uma posição consolidada dos povos e comunidades tradicionais da floresta aos fóruns de debate sobre o evento. Há muitas questões para incluirmos na pauta. Queremos reivindicar investimentos para as comunidades ribeirinhas, como educação adequada à nossa realidade, saneamento básico, saúde.Onde estão os incentivos à inovação tecnológica, pesquisa, regularização fundiária, demarcação das terras indígenas e quilombolas, assistência técnica especifica, créditos, consolidação das Unidades de Conservação? Será que o plano do Governo Federal é somente administrar a Amazônia como sesmarias? Deixar a região como mera exportadora de matéria prima, levando a riqueza e deixando a destruição para trás? Não há atualmente na região nenhum projeto que fomente uma economia florestal sustentável genuína. A quantas anda o Serviço Florestal Brasileiro?
A recente consulta feita pelo MMA sobre a Rio + 20 (divulgada no dia 1/11) chegou a aferir os anseios das populações da floresta?
O ministério do Meio Ambiente é um dos poucos órgãos do governo que mantém diálogo com os movimentos sociais. Esse ano, eles nos convidaram para ajudar na construção de uma estratégia de biodiversidade (Diálogos sobre Biodiversidade: construindo a estratégia brasileira para 2020), destinada à nacionalizar a estratégia global de biodiversidade da Convenção da Biodiversidade da ONU. São oficinas, onde podemos apresentar nossas posições. Inclusive, nesse fórum, estamos construindo um documento específico para levar a Rio+20. Além disso, participamos como membro da Comissão Nacional da Rio + 20, coordenado pelo MMA e MRE, participamos da construção coletiva do documento de posição Brasil, que de certa forma atende aos anseios dos povos da florestas.
E como o senhor avalia o documento divulgado pelo MMA com as posições sobre a Rio + 20?
O documento apresentado é uma chave que, se houver vontade política, poderá vir a ser o tipo de desenvolvimento que almejamos. No entanto, há tópicos que chamam a atenção no documento. Por exemplo, no item que trata da energia. Ele contempla todas fontes alternativas de geração de energia limpa, mas não menciona a geração de energia de hidrelétrica e de combustível fóssil e seus futuros impactos. Mas sabemos que ambos são a espinha dorsal do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Será?
O senhor não acha perigoso deixar a agenda da sustentabilidade presa apenas pelo pé econômico da questão?
O conceito da sustentabilidade é um legado da sociedade moderna. Esse conceito que incluiu os aspectos ambientais e sociais definiu um paralelo que diferenciava das velhas práticas insustentáveis. Não dá para retroceder. Temos de incluir os princípios, legais, éticos, culturais e espirituais. A discussão vai ficar isolada no MMA ou pode contaminar outros setores do governo? O que significa esse silêncio dos demais setores do governo fora da área ambiental? A realidade é que, tirando o MMA, os movimentos sociais perderam a interlocução com o atual governo. Antes, éramos ouvidos. Ajudávamos a construir as políticas públicas. Agora, isso acabou. Todo o planejamento vem direto dos gabinetes. Exemplo dessa mudança de postura é o Plano BR-163 Sustentável. Antes de começar a pavimentação da estrada, a equipe ministerial consultou os movimentos sociais da região. Debatíamos com prefeituras, ministérios públicos, ONGs, academia. Esse plano é um exemplo. Poderia ser usado como metodologia para outras políticas públicas na Amazônia. Mas foi deixado de lado. Hoje, pra construir as hidrelétricas do Teles Pires, por exemplo, os ribeirinhos são apenas convidados a sair das unidades de conservação, onde moravam há gerações. Foi assim no Parque Nacional da Amazônia, que foi desfigurado, e o mesmo acontece com Belo Monte.
E o que o senhor acha do fato de o Itamaraty estar se esquivando ao máximo de falar nesse assunto?
Eles ficaram responsáveis pela organização da Rio+20, sem que o Palácio do Planalto definisse previamente uma posição de estado. É impossível trabalhar assim. Outro aspecto que identificamos como dificuldade para o governo é o modelo de desenvolvimento que adota totalmente na contramão do processo de sustentabilidade do planeta. Como discutir meio ambiente, diante da iminência do desmonte do Código Florestal, cuja tramitação, o palácio do Planalto não controla. Se aprovado como está, esse código vai oficializar o desmatamento e premiar os infratores ambientais.
O que querem os povos da floresta nesse jogo sobre economia verde? Há consensos ou pelo menos um entendimento do que se quer desse debate?
Ha décadas que lutamos para empoderar os povos e as comunidades tradicionais da Amazônia. Em um determinado momento, percebemos que seria importante apoiar os empreendimentos empresariais comprometidos com a produção sustentável. Quando ajudamos a criar o Fórum Amazônia Sustentável, almejávamos construir um ambiente de diálogo e de apoio às boas práticas, com a geração de trabalho decente, com o manejo sustentável dos recursos naturais sem perder de vista a trilogia da sustentabilidade. Mas agora estamos em alerta. O modelo de desenvolvimento que ora vem se implantando na Amazônia é inaceitável, com a flexibilização do sistema de licenciamento ambiental, liberando obras polêmicas, mesmo como não cumprimento das condicionantes apontadas nos estudos de impactos ambientais. Não queremos o desenvolvimento a qualquer custo e nem os empreendimentos criados nos gabinetes dos políticos, por grupos empresariais que deixam somente a degradação ambiental, com conversão das florestas para plantio de eucalipto, soja, dendê. Não admitimos barragens que promovam deslocamento de povos e populações de comunidades tradicionais, matando os rios e desfigurando as cidades. Veja o caso das hidrelétricas do rio Madeira, que estão causando sérios impactos sociais negativos, como a prostituição infantil e o aumento da marginalidade entre jovens. Não aceitamos a contaminação de nossos solos, nem de nossas águas, nem dos alimentos que vão a nossa mesa.